Investidores sociais se articulam em Rede Temática de Saúde

Por: GIFE| Notícias| 02/03/2015

Com o objetivo de alinhar conceitos e entendimentos sobre “o que é saúde”, o GIFE promoveu, no dia 25 de fevereiro em São Paulo, o 1º encontro da Rede Temática em Saúde, iniciando os trabalhos do grupo em 2015. A Rede, formada em 2014 por associados GIFE e convidados, teve ótima aceitação e, com isso, ganha ainda mais força neste ano. O grupo pretende realizar mais quatro encontros, trazendo para a mesa de discussão temas de interesse dos investidores sociais que desenvolvem ou apoiam iniciativas na área de saúde.

Percebemos que muitos investidores apontavam trabalhar com saúde, mas tinham diferentes frentes de atuação. Por isso, decidimos começar o ano discutindo o que é de fato saúde e aprofundar os assuntos relevantes durante o ano, como parceria público-privada, indicadores, entre outros”, comenta Ana Carolina Velasco, gerente de Relacionamento do GIFE.

Fábio Deboni, gerente do Instituto Sabin, um dos coordenadores do grupo, destaca a relevância da Rede Temática, tendo em vista que não há ainda muitos investidores atuando neste área e, portanto, a iniciativa abre espaço para que os institutos, fundações e empresas que direcionam seus esforços para esta temática possam se conhecer e discutir as fronteiras e alianças. “Esta troca de experiências entre os investidores, assim como os momentos de acesso aos profissionais qualificados, como ocorreu neste encontro, são importantíssimos”, aponta.

Jéssica Tenório,analista da Fundação Nestlé Brasil, também participante da Rede, destaca que as ações realizadas em conjunto impulsionam as fundações a estabelerecerem novas parcerias. “Conseguimos discutir quais são os desafios comuns e o que podemos colaborar”, comentou.

 

Qualificando o debate

Para iniciar o encontro, o Dr. Yassuhiko Okay, professor titular do Departamento de Pediatria da FMUSP (Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo), destacou que as várias visões de mundo refletem-se em visões diversas do ser humano como organismo vivo, gerando assim conceitos diferentes sobre saúde.

Com isso, estabeleceu-se dois modelos. O primeiro deles é o biomédico, que se foca na doença, no hospital e no médico. Esse modelo divide o todo em partes e as separam – o que leva a uma visão fragmentária, reducionista e mecanicista do ser humano. O foco está nas alterações de mecanismos biológicos e, ao relegar as outras dimensões do ser humano, confunde o processo da doença com as origens da doença. Assim, aquilo que dá origem às doenças está sendo colocado como secundário.

A saúde, neste caso, é identificada como ausência de doença. “Se não tem doença visível então sou saudável. O que não é verdade. Esse modelo promoveu a especialização e a superespecionalização e o sujeito virou objeto. Isso foi determinando a medicina”, comentou.

O outro modelo é o sistêmico/integral, no qual reconhece as partes no todo e as integram. Trata-se de um resgate da multidimensionalidade, onde corpo/mente/ambiente/sociocultural e ecológico se relacionam integralmente. Ou seja, há uma interdependência das dimensões e tudo interage em todos os ambientes e não só o organismo.

Assim, saúde é um processo em andamento, a busca do equilíbrio. Trata-se de uma resposta criativa do organismo aos desafios socioculturais e ecológicos. Percebe-se, desta forma, que os ambientes favoráveis propiciam mais o equilibrio do organismo e os desfavoráveis os desequilibram. Com isso, não existe um nivel absoluto de saúde”, destacou.

Desta forma, a enfermidade é consequência de desequilíbrio e desarmonia. E ela pode se manifestar em vários níveis do organismo e gerar sintomas de natureza física (doença é a tradução física da enfermidade), psicológica (depressão, ansiedade etc) ou social (alcoolismo, uso de drogas etc).

Por isso, saúde é um estado de bem estar resultante de um equilíbrio dinâmico que envolve os aspectos físicos e psicológicos do organimo, bem como suas interações com seu ambiente natural e social”, destacou Dr.Okay, lembrando que, com isso, a definição da Organização Mundial da Saúde (OMS), é muito estática e limitada e não compatível com a realidade. “A OMS diz que saúde é um estado de completo bem estar fisico, mental e social e não apenas ausência de doença. Só que não existe o estado completo. É impossível desconsiderar o dinamismo das outras dimensões”.

Segundo Dr. Francisco Carlos Cardos de Campos, médico sanitarista, e consultor do Ministério da Saúde, há uma série de determinantes sociais da saúde que precisam ser levadas em consideração para se entender este campo. “Há muitas evidências científicas mostrando que as questões sociais têm um impacto muito forte nas condições de saúde das populações”.

As determinantes passam, num nível mais amplo, pelo contexto sociopolítico – modelo econômico, religioso, políticas públicas de saúde, habitação, educação etc – depois pelas questões de gênero, sexualidade, etnia, da posição do indivíduo e do grupo social nesta estrutura social etc. As evidências mostram que, por exemplo, as relações de trabalho das pessoas têm muito a ver com o tipo de doença que ela vai ter – como hipertensão, infarto etc.

“Essas questões importam mais do que a própria atenção direta à saude. Prova disso é que várias doenças foram diminuindo a prevalência antes de ter tratamento ou vacina, como a tuberculose, por exemplo. A melhoria das condições sociais e de trabalho fizeram com que a doença diminuísse”, comentou.

Outra evidência é que quanto menor a renda, mais o sujeito adoece e, quanto maior o nível de escolaridade, menos a pessoa fica doente. “Por isso, antes de saneamento, se existe pouco dinheiro a ser investido para diminuir a mortalidade infantil, eduque as meninas. Quando a mãe sabe ler e escrever a mortalidade é muito menor”, disse, lembrando que é preciso investir também nas redes de proteção social, pois o cidadão tem condições de compartilhar apoio e recursos, o que faz com que adoeça menos também.

Por fim, chega a camada dos fatores psicológicos, hereditários etc. Quando tudo isso falha, aí vem o setor de saúde para mitigar o mal estar e falar de doença. Com isso, segundo o Dr. Francisco, percebe-se que a responsabilidade da saúde é de todos os setores. “Tudo é promoção da saúde. As condições gerais é que vão mobilizar a energia da sociedade para o lado da saúde ou da doença”, refletiu.

 

Atuação do terceiro setor

De acordo com o Dr. Francisco, há uma série de perspectivas e oportunidades de intervenção nas quais o terceiro setor pode atuar e colaborar para sua melhoria. No nível de sistema de saúde, por exemplo, será preciso uma ação intersetorial de monitoramento e avaliação, assim como de fomento às redes de proteção social, além da ampliação do controle e participação social. Já no nível dos serviços de saúde, realizar a integração das redes de atenção, profissionalização da gestão e, no nível dos indivíduos, fomentar a a educação para a saúde, o autocuidado e a criação de dispositivos de comunicação com pacientes e familiares.

Para o médico, uma grande contribuição das fundações e institutos que queiram atuar nesta área é ajudar a sistematizar as boas práticas realizadas e disseminar essas tecnologias em outros espaços. “Às vezes, as entidades ficam muito focadas em pequenas ações enquanto poderiam dar escala e reproduzir essas tecnologias em outros espaços”, apontou.

Dr. Carlos Suslik, médico e consultor de empresas da área de saúde, também acredita nesta contribuição do terceiro setor e enfatizou que uma ação relevante e de impacto seria as entidades sociais ajudarem o setor público de saúde a criar e estruturar modelos. “O governo não tem recurso e nem tempo para isso. Com isso, seria possível ter mais governança sobre as ações, assim como cobrança”, enfatizou.

Na opinião do Dr. Carlos essas são questões essenciais para se discutir a qualidade dos serviços que vêm sendo oferecidos. “Já tivemos grandes mudanças no setor de saúde, mas só vamos conseguir avançar quando trocarmos ideias. Por isso o terceiro setor é muito importante”, destacou, enfatizando também a contribuição na área de pesquisa, na qual as empresas poderiam investir mais e financiar a inovação.

 

Próximos passos

Novas ações já estão programadas pelo grupo. A Rede Temática de Saúde irá realizar, no dia 31 de março, um encontro em Brasília com a equipe do Ministério da Saúde para discutir a respeito do Programa Nacional de Apoio à Atenção Oncológica (PRONON) e o Programa Nacional de Apoio à Atenção da Saúde da Pessoa com Deficiência (PRONAS/PCD).

Trata-se de dois programas implantados pelo Ministério da Saúde para incentivar ações e serviços desenvolvidos por entidades, associações e fundações privadas sem fins lucrativos no campo da oncologia e da pessoa com deficiência. Pessoas físicas e jurídicas que contribuírem com doações para projetos nessas duas áreas poderão se beneficiar de deduções fiscais no Imposto de Renda.

Os interessados em fazer parte desta Rede podem entrar em contato com a área de Relacionamento do GIFE.

Confira aqui a cobertura dos encontros sobre saúde realizados pelo GIFE:

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