Seminário discute a importância do fortalecimento da cultura da garantia de direitos das crianças e adolescentes

Por: GIFE| Notícias| 06/07/2015

Com a proposta de refletir sobre os avanços e os desafios dos 25 anos do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), o GIFE, por meio da sua Rede Temática Garantia de Direitos, realizou em Brasilia, no dia 01 de julho, um seminário com o apoio do Conselho Nacional do Sesi, Instituto Votorantim, Santander, União Marista do Brasil e Fundação Itaú Social. Mais de 80 pessoas, entre associados do GIFE, representantes do governo, de movimentos sociais, de conselhos de direitos, comunicadores, empresários e jovens estiveram presentes no encontro.

Andre Degenszajn, secretário-geral do GIFE, acredita que o seminário reafirmou a necessidade de fortalecimento do sistema de garantia de direitos de crianças e adolescentes, que são com mais frequência vítimas que violadores de direitos no Brasil.

Na ocasião, Andre abriu o encontro lembrando que o ECA garantiu nestes anos de existência muitos avanços, entre eles a redução do trabalho infantil, a política de inclusão escolar, entre outros. “No entanto os desafios ainda são muitos e há ações a serem promovidas. Isso porque o Brasil é o segundo país em mortalidade de adolescentes e, segundo a última pesquisa do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), de 2013, um total de 23,1 mil adolescentes estavam privados de liberdade”, disse.

Na mesa de abertura, participaram Pepe Vargas, ministro de Estado-Chefe da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República; Gilberto Carvalho, presidente do Conselho Nacional do Sesi; Angelica Goulart, presidente do Conanda (Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente); e Erica Kokai, deputada.

Gilberto Carvalho iniciou a sua fala destacando sobre como as mídias têm influenciado a população de forma negativa a respeito do ECA. “Infelizmente a cultura que os meios de comunicação infundem não é a da solidariedade e do respeito, mas do consumismo e da violência. Temos no Brasil a predominância fortíssima da difusão do ódio, do preconceito e a tentativa de tentar destruir uma sociedade a partir de valores negativos”, ressaltou, destacando a importância de dar voz e o direito à comunicação à população, o que é atualmente sonegada.

Em sua opinião, é necessário ampliar a participação social como elemento fundamental para a reconstituição da democracia brasileira.

O ministro Pepe Vargas ressaltou a importância do encontro para refletir sobre os 25 anos do ECA, tenho em vista as várias tentativas de regressão dos direitos que têm ocorrido nos últimos meses no Brasil, principalmente com a aprovação da redução da maioridade penal na Câmara dos Deputados. “Esse momento não é só de resistência, mas de um aprofundamento do entendimento do ECA. Não pode ser uma luta defensiva. Temos também de pensar em avanços e como implementar efetivamente o Estatuto nas suas mais variadas dimensões”, disse.

Pepe lembrou que o ECA, na medida que foi elaborado a partir de uma Convenção Internacional e da Constituição de 1988, incorpora a melhor parte da doutrina dos direitos humanos, tendo como base os princípios da universabilidade e da indivisibilidade dos direitos “Quando olhamos a partir desta perspectiva, estamos dizendo que queremos para as crianças e os adolescentes os direitos sociais e culturais, e também os civis e políticos, além da participação delas enquanto como sujeitos e não somente como objetos das políticas públicas”.

Angelica Goulart, presidente do Conanda, destacou que o ECA foi criado a partir de uma ampla articulação popular e é uma conquista da sociedade e de toda a militância neste campo. Em sua opinião, já ocorreram diversos avanços, como a criação do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase), a Lei da Convivência Familiar e Comunitária, assim como a constituição de uma rede de proteção das crianças e dos adolescentes que ganhou capilaridade no país.

No eixo de proteção, temos a inclusão de crianças que estavam completamente excluídas por meio do Programa Brasil Carinhoso. Foram mais de 5 milhões de crianças que passaram a ser beneficiadas por políticas públicas. E, no eixo de controle social, temos a criação dos conselhos de direitos”, comentou.

Outros avanços lembrados pelo ministro Pepe Vargas está na queda na mortalidade infantil, que caiu de 47 para cada 14 mil nascidos, assim como a diminuição de 25% para 5% da população que vive abaixo da linha da pobreza, além da universalização do Ensino Fundamental.

Desafios a enfrentar

Apesar das diversas conquistas, os especialistas destacaram também os principais desafios a serem enfrentados ainda no país em relação à garantia dos direitos das crianças e adolescentes.

O ministro Pepe Vargas apresentou alguns indicadores em relação à violência, que mostram que 36,5% jovens (de 10 a 18 anos) morrem por agressão, sendo que esse índice é de 4,8% no total da população. “Aqueles que insistem em dizer que os adolescentes praticam a violência, estão esquecendo de olhar que eles são as principais vítimas. Só para termos ideia, um jovem negro tem três vezes mais chances de ser assassinado do que um adolescente branco. E, em alguns estados, esse índice chega a 19 vezes mais”.

Na opinião da deputada Erica Kokai, o que se vê hoje no Brasil é uma espetacularização da violência, ou seja, se espetaculariza o jovem como vitimizador e coloca uma invisibilidade do adolescente vitimado. Isso porque, das 50 mil mortes no Brasil por ano, mais de 50% são de jovens e, destes, mais de 70% são negros.

“O ECA prevê a medida socioeducativa, que é única maneira de diálogo como o Estado, e agora estão querendo tirar isso dos adolescentes e colocá-los em presídios que não recuperam ninguém. O crime organizado está lá. Estão querendo jogá-los num local em que o sentimento que prevalece é o de vingança”, comentou, lembrando o quanto está crescendo as lógicas fundamentalistas e que, por serem assim, são baseadas na intolerância.

Não é só o ECA que está sendo questionado, mas a constituição e a dignidade humana”, disse. Para reverter esse quadro, a deputada acredita na necessidade do ECA ser olhado em sua completude e não apenas em relação às medidas socioeducativas. “Ele precisa ser visto na proposta de desenvolvimento integral e na construção de sujeitos de direitos. E isso é extremamente revolucionário agora porque significa o direito de ser, de existir, de ver suas singularidades e do rompimento de padronizações. Ou seja, o sentimento atual não deveria ser de vingança para com estas crianças e adolescentes, mas de exigir o cumprimento do ECA para que cada criança possa ser vista como criança”, apontou.

A presidente do Conanda chamou a atenção também do público sobre a importância da institucionalização do sistema de garantia de direitos, ou seja, fazer a normatização do sistema a fim de que seja possível operacionalizar várias metas previstas no ECA e superar os desafios existentes. “Precisamos muito do apoio e de todas as forças sociais, das parcerias de vocês, para uma maior reflexão e proposição a fim de que consigamos implementar os avanços que as crianças e adolescentes atuais estão exigindo de nós”.

Palestra magna

O seminário contou com a palestra magna do sociólogo Rudá Ricci, que discutiu a questão da democracia participativa e o fortalecimento dos conselhos. Atualmente existem 5.420 conselhos de direitos e 5.906 conselhos tutelares, sendo que a região Sudeste, segundo dados de 2012, tem o maior déficit.

Em relação ao perfil destes espaços, somente 37% dos conselhos de direitos fazem eleição para escolha dos seus representantes; poucos possuem instâncias descentralizadas (por bairros ou comunidades); não há prestação de contas pública; e não há articulação entre conselhos e dos conselhos locais com os nacionais.

Sobre as conferências, um estudo do Ipea revelou que as conferências e conselhos dificilmente dão voz ao cidadão não conselheiro e que as conferências livres ou virtuais atraem pouco público para além dos ativistas. Além disso, os conselheiros suplentes dificilmente participam ativamente das ações dos conselhos ou na preparação das conferências.

Rudá destacou algumas mudanças necessárias para reverter esse cenário, como o fato destes espaços deixarem de ser espelho da estrutura burocrática estatal e de serem reativos à ofensiva conservadora. Apontou ainda a necessidade de se criar uma rede de formação dos cidadãos (em escolas, universidades, locais de lazer) e que devem voltar às ruas, com campanhas públicas.

Em sua opinião, há um descompasso, no qual o conselho reclama que não tem ferramentas para realizar o que precisa; o governo reclama que os conselheiros não estão preparados para atuar; e a sociedade não entende a função e responsabilidades destes espaços. “É preciso que cada um faça o seu papel, pois os conselhos têm uma importância fundamental”, ressaltou.

Mesa de debate
Ainda na parte da manhã, o seminário promoveu uma segunda mesa de debate, com a participação do jovem Ezequiel Farias; de Ângela Guimarães, presidente do Conselho Nacional de Juventude (Conjuve); e José Humberto de Goés Junior representante da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil).

A presidente do Conjuve destacou as dificuldades que tem enfrentado todos aqueles que atuam na proteção dos direitos das crianças e adolescentes desde março, com a discussão da redução da maioridade penal. “Estamos vivendo uma ofensiva conservadora no Brasil. Por isso, temos que seguir mobilizados”, ressaltou aos presentes, destacando a importância da sociedade civil ocupar os espaços decisórios, como ocorreu nos últimos dias na Câmara, em todos os momentos e não apenas em momentos difíceis, a fim de pautar uma agenda junto ao governo e ao Congresso.

Ângela apontou ainda a necessidade de articulação e de diálogo do ECA com o Estatuto da Juventude para fortalecer as ações de ambos e esclarecer a população, ajudando, inclusive, a sociedade a fazer um controle social mais efetivo.

Durante o debate, os palestrantes ressaltaram também a afronta que vem feita ao estado democrático de direitos, com uma série de retrocessos de participação política. “Após anos de debate sobre como tratar melhor as crianças e os adolescentes, estamos vivendo uma negação desse direito. Não podemos permitir isso. Precisamos avançar mais e realizar de fato as políticas que o ECA se propunha a fazer”, comentou o representante da OAB, destacando que esse ataque ao ECA é uma forma de ataque à própria Constituição de 88 como um todo.

Esperamos que o judiciário trate de uma forma correta essa questão da redução da maioridade penal. A Constituição não admite essa responsabilização para menores de 18 anos, pois acredita que até essa idade é preciso proteger as crianças e os adolescentes. Eles precisam ser tratados como sujeitos de direito e temos de garantir uma política integrada para isso”,  ressaltou.
Já Ezequiel trouxe para o debate a visão da juventude sobre o assunto, destacando algumas experiências das quais têm participado, como um movimento social criado pelo seu pai na comunidade de São Sebastião onde mora – área periférica de Brasília -, assim como no Fórum Municipal dos Direitos das Crianças e dos Adolescentes, além de ter criado um fanzine para falar a respeito da sua escola.

Em sua opinião, a educação é muito opressora e há uma necessidade da juventude ter maior liberdade de expressão. “Precisamos ver como podemos dar voz para os adolescentes”, convocou o jovem.
Participação e controle social

Na parte da tarde, os presentes no seminário participaram de uma oficina realizada na sede da União Marista do Brasil sobre o desafio do fortalecimento dos Conselhos de Direitos. Na ocasião, três representantes de conselhos municipais dos direitos das crianças e dos adolescentes, assim como do Conselho Nacional do Idoso, falaram sobre suas práticas, desafios e oportunidades no campo.

O tema da oficina veio ao encontro do debate realizado na parte da manhã, quando vários dos palestrantes reforçaram a importância de investimento na formação dessa rede de proteção de direitos, apoiando e validando o trabalho dos conselhos.

Angelica Goulart, do Conanda, em sua fala na mesa de abertura, já havia levantado a necessidade de se fortalecer ainda mais estes espaços, principalmente em relação aos conselhos tutelares, a fim de que possam dar vida ao ECA na ponta.

Muitas vezes os conselhos de direitos estão fragilizados. Não basta ter o conselho na cidade ou no Estado. Eles precisam ter capacidade de dialogar com os atores locais, de elaborar, discutir e propor as políticas. Precisamos muito que os conselheiros sejam capacitados para debater e se sintam capacitados para tal. Não é uma tarefa simples, mas é possivel se nos apropriarmos da realidade de cada cidade”, disse.

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