Como o investimento social privado pode aumentar sua atuação no tema de migrações e refugiados

Por: GIFE| Notícias| 13/07/2020

A nível global, existem cerca de 272 milhões de migrantes internacionais. Às vezes, fica difícil ter ideia da grandeza do número: em uma comparação rápida, é como se toda a população brasileira – equivalente a mais de 209 milhões de pessoas – fosse migrantes e, na diferença entre os números, cabem populações de outros países inteiros, como a da Itália. Entre as pessoas deslocadas, 25,9 milhões estão em situação de refúgio e metade delas têm menos de 18 anos. 

Segundo o relatório Global Trends – Forced Displacement in 2019, da Agência da Organização das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR), 79,5 milhões de pessoas precisaram se deslocar em 2019 em razão de guerras, violência, perseguições e outras emergências. 68% do total são populações de cinco países: Síria, Venezuela, Afeganistão, Sudão do Sul, e Mianmar. 

Os deslocamentos, entretanto, não acontecem apenas a nível internacional. Mais da metade são internos. Outro número que ajuda a entender o contexto da migração global: em 2018, por dia, 37 mil pessoas foram forçadas a deixar suas casas devido a conflitos ou perseguições. 

Esses dados e conceitos como migrante, imigrante, emigrante, refugiados, apátrida e retomado fazem parte do guia O que o Investimento Social Privado pode fazer por… Migrações e Refugiados, lançado no dia 8 de julho. Organizada pelo GIFE e copromovida por Laudes Foundation, Conectas Direitos Humanos e a ACNUR, a publicação é a sétima a compor a série O que o Investimento Social Privado pode fazer por…?.

O evento de lançamento online contou com a participação de Luciana Campello, da Laudes Foundation; Camila Asano, da Conectas Direitos Humanos e Paulo Sérgio Almeida, da ACNUR. 

Pauta antiga 

O tema de migrações e refugiados não é novo: em 1951, durante uma convenção da ONU para tratar o assunto, foi publicado o Estatuto dos Refugiados, um tratado que formaliza o esforço global em resolver a situação dos refugiados na Europa depois da Segunda Guerra Mundial. 

Ao longo da história, foram inúmeras declarações, leis e resoluções sobre o assunto. Merece destaque a Declaração de Cartagena sobre Refugiados que buscou ampliar a definição de refugiado da Convenção de 1951 da ONU. Além das normativas internacionais, o Brasil também contribuiu com leis sobre o assunto: o Estatuto do Estrangeiro, em 1980; Lei do Refúgio, em 1997; Resolução nº 3876, em 2010; e Lei de Migração, em 2017. 

Apesar dos avanços no âmbito legal do tema, ainda são muitos os desafios práticos que circundam a questão migratória. A constituição do aparato institucional brasileiro, que não conta com uma política migratória e de refúgio nacional ou políticas nacionais, estaduais e municipais para integração local, é um desafio a ser vencido para proporcionar avanços no tema das migrações. 

O Brasil vê de perto muitos desses desafios, considerando que, em 2019, reconheceu mais de 21 mil refugiados. Cerca de 0,4% da população nacional é formada por imigrantes: 807 mil no país. A região da fronteira com a Venezuela, por exemplo, já viveu conflitos entre os dois povos. Nas  cidades que recebem grande contingente de novos habitantes, como é o caso da capital de Roraima, Boa Vista, e a cidade de Pacaraima, que faz fronteira com a Venezuela, são mais frequentes os atos de discriminação e xenofobia, com argumentos que o aumento da população pode sobrecarregar sistemas de saúde pública e educacionais, por exemplo.  

Para Luciana Campello, gerente de programas da Laudes Foundation, não só o Brasil, como o mundo, demanda políticas e iniciativas que protejam e promovam os direitos de migrantes e suas famílias, uma vez que atualmente vive-se a maior migração involuntária. “Precisamos lembrar que somos um país fruto de inúmeras migrações. Nossa história é traçada a partir de diversos fluxos migratórios – voluntários e forçados – desde a colonização até os dias atuais. Precisamos também entender que a migração é um direito de todos e devemos, como país, acolher aqueles e aquelas que aqui chegam”, afirma. 

Discriminação, idioma, documentos: desafios da questão migratória

A compreensão social da questão é outro desafio apontado pelo Guia. A invisibilidade das pessoas migrantes e refugiadas na sociedade, bem como o tema enquanto questão social relevante, aliada ao baixo conhecimento dos brasileiros sobre culturas dos migrantes, exige meios para a inclusão social dessas pessoas. 

Alguns aspectos agravam ainda mais a situação de migrantes: a falta de conhecimento do idioma do país de destino e de documentos. Juntos, esses dois fatores dificultam a comunicação, inserção profissional, empoderamento, acesso à moradia, revalidação de diplomas educacionais e outros pontos que acabam por marginalizar essa população. 

A esse cenário, somam-se pontos como a falta de preparo de serviços de acolhimento e todas as questões envolvendo educação e trabalho: rede pública de educação despreparada para acolher apropriadamente alunos refugiados e migrantes nas escolas, processos burocráticos e custosos de revalidação de diploma, recolocação profissional aquém do nível de escolaridade e profissional se comparado ao país de origem, entre outras.

A eclosão da crise do novo coronavírus afeta ainda mais essas populações já fragilizadas e em situações de vulnerabilidade. Em junho, a ONU lançou o relatório UN Policy Brief: COVID-19 and People on the Move, com o objetivo de apoiar e incentivar que gestores públicos articulem políticas públicas que considerem os desafios da população migrante, sobretudo nesse momento, onde a pandemia impõe três crises simultâneas a essas populações: de saúde, socioeconômica e de proteção. O cenário é ainda mais crítico nos dez países mais em risco da doença que, juntos, somam mais de 17 milhões de pessoas deslocadas internacionalmente. 

Estratégias de atuação 

São cinco os caminhos apontados pelo Guia para que o investimento social privado aumente sua atuação na agenda: acolhimento e inclusão social de migrantes e refugiados; educação; inserção no mercado de trabalho; enfrentamento do trabalho escravo; e fortalecimento de novas narrativas sobre a questão de migrações e refugiados. 

Essa última, por exemplo, tem como objetivo fomentar uma compreensão social mais humana e empática sobre migrantes e refugiados, visibilizando suas histórias e seu potencial de contribuição para a sociedade. Nesse âmbito, estão diversas campanhas de conscientização e de incentivo a organização política e cidadã dos imigrantes, além de esforços de comunicação. Nesse sentido, um exemplo é o estudo A economia de Roraima e o fluxo venezuelano, realizado pela Diretoria de Análise de Políticas Públicas (DAPP) da Fundação Getulio Vargas (FGV). 

A pesquisa mostra que o estado apresentou melhoria em diferentes índices, como aumento do Produto Interno Bruto (PIB) de 2016 para 2017 (índice de 2,3%, enquanto a média dos estados brasileiros foi de 1,4%), o estado com maior aumento de área plantada (28,9% de 2017 para 2018), crescimento do comércio varejista, aumento expressivo da arrecadação de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) entre 2018 e 2019, entre outros. 

Para Luciana, além de ser um direito de todos, a migração é uma oportunidade para o Brasil em termos de desenvolvimento social e econômico, de inclusão de novos talentos e de novos mercados. 

Como o tema é abordado no ISP

A série “ISP Por” tem como objetivo tratar de temas da agenda pública nos quais o Investimento Social Privado pode ser ampliado, além de apresentar casos de sucesso para apoiar investidores interessados em iniciar ou fortalecer sua atuação nesses temas.

Para Luciana, as contribuições do setor dividem-se em dois caminhos. De um lado, é possível que o ISP contribua e apoie o desenvolvimento ou continuidade de iniciativas específicas para migrantes e refugiados, em conjunto com o poder público e sociedade civil organizada. “Por meio da sua interface direta com o setor empresarial, o ISP pode sensibilizar e envolver empresas para a contratação de migrantes. No seu diálogo com o poder público, pode influenciar políticas para população migrante”, explica. 

Além disso, também existe a possibilidade de promover recortes e olhares mais específicos e direcionados para a questão, considerando as necessidades das populações migrantes e as áreas de atuação de institutos, fundações e empresas, como educação, saúde, esporte, cultura e outras. “O ISP pode desenvolver ações que levem em conta também as especificidades, desafios e necessidades de mulheres, homens, crianças e adolescentes migrantes.” 

Enquanto copromotora do guia, a Laudes Foundation tem, entre seus objetivos, dar continuidade a parte do trabalho desenvolvido pelo Instituto C&A no sentido de transformar a indústria da moda em um setor mais justo e sustentável. 

A nova organização, lançada em janeiro deste ano, visa inspirar e desafiar indústrias para responder à convergência das duas crises centrais da sociedade: as desigualdades e as mudanças climáticas.

Para Luciana, as indústrias, como a da moda, devem endereçar demandas e desafios sociais, como o sistema econômico que, atualmente, está em colapso. Em uma conexão com o fato de que, no exemplo brasileiro, devido às dificuldades que encontram ao chegar no país, muitos migrantes passam a trabalhar em oficinas informais de costura, Luciana reforça o papel da Laudes de promover e apoiar ações que desafiem os setores industriais, levando em conta a proteção desses trabalhadores. 

“É nesse contexto que olhamos para os migrantes e apoiamos iniciativas que garantam a proteção e promoção de seus direitos enquanto trabalhadores, seja por meio de projetos de advocacy, engajamento deles em coletivos/sindicatos e em espaços de tomada de decisão.” 

Próximos passos 

Migrações e refugiados é o penúltimo de oito temas que compõem a série O que o ISP pode fazer por…?. A ele, somam-se guias sobre Cidades Sustentáveis, Equidade Racial, Mudanças Climáticas, Água, Gestão Pública e Direitos das Mulheres. O próximo e último guia a ser lançado versa sobre Segurança Pública. 

O vídeo de lançamento está disponível neste link enquanto o vídeo-manifesto pode ser acessado neste link. O guia na íntegra está disponível aqui


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