A relação entre ISP e OSCs:
tendências para 2021

O redeGIFE entrevistou algumas das principais lideranças do campo da sociedade civil, em áreas diversas, para saber: Quais são as oportunidades para o apoio do investimento social privado e da filantropia às OSCs este ano com base nos principais desafios de 2020?

Se por um lado, a pandemia deu visibilidade ao protagonismo e legitimidade dos diversos grupos que compõem o campo da sociedade civil organizada – determinante para fazer chegar às populações mais vulneráveis o socorro em forma de doações de alimentos, itens de higiene e limpeza e equipamentos de proteção -, por outro, a pandemia escancarou a vulnerabilidade econômica desses grupos, tão essenciais para a saúde da vida democrática da sociedade brasileira.

A falta de apoio institucional e de investimentos de médio e longo prazo, uma reflexão recorrente no âmbito do investimento social privado e da filantropia nos últimos anos, ficou ainda mais evidente frente à necessidade imposta a boa parte dessas organizações e coletivos de interromper suas atividades finalísticas para atender ao contexto de emergência que se abateu sobre milhares de brasileiros que vivem nas periferias urbanas e comunidades rurais mais remotas.

O redeGIFE entrevistou lideranças que representam algumas das causas pelas quais se mobilizam essas organizações, coletivos, redes e comunidades e mapeou algumas janelas de oportunidade para a atuação do investimento social e da filantropia este ano na direção de responder aos principais desafios do campo, que passam por temas da agenda pública brasileira em suas três dimensões: social, ambiental e econômica.

Confira a seguir a lista completa.

AMAZÔNIA

1/

Assumir maior protagonismo na construção de soluções econômicas, sociais e ambientais baseadas na natureza em parceria com o poder público.

2/

Orientar investimentos e ações do setor e de indivíduos e empresas com base em experiências e aprendizados acumulados nos últimos anos.

3/

Criar linhas de apoio a organizações da região.

4/

Fortalecer organizações que apoiam negócios de impacto socioambiental para atrair investidores tradicionais e alavancar negócios em estágio inicial.

5/

Apoiar comunidades indígenas nas áreas de geração de renda, educação e valorização cultural.

DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL

6/

Apoiar o desenvolvimento dos territórios a partir de uma perspectiva integral de suas necessidades, e não por meio de apoios fragmentados, com metas de curto, médio e longo prazo para enfrentar as desigualdades.

7/

Produzir conhecimento a partir da organização de bases de dados acerca de territórios periféricos na perspectiva de planejar e incidir sobre as políticas públicas nessas áreas.

DESIGUALDADES

8/

Apoiar organizações da sociedade civil em ações de advocacy e engajamento em temas como redistribuição de renda, tributação justa e solidária, equidade racial e de gênero e garantia do acesso e qualidade dos serviços públicos.

EQUIDADE RACIAL

9/

Priorizar as organizações e movimentos negros no recebimento de recursos.

GERAÇÃO DE TRABALHO E RENDA

10/

Apoiar estratégias de retomada do desenvolvimento econômico voltadas ao microempreendedorismo.

11/

Fortalecer a agricultura familiar para garantir o abastecimento e evitar o êxodo rural durante e após a pandemia.

GESTÃO PÚBLICA

12/

Contribuir para a melhoria da eficácia e eficiência da gestão pública, não apenas em áreas como saúde e educação, mas em todos os setores relacionados aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).

MEIO AMBIENTE

13/

Priorizar o papel das OSCs na luta por justiça ambiental e climática.

SAÚDE

14/

Apoiar o marco regulatório da Telemedicina a fim de consolidar o serviço no pós-pandemia.

15/

Fortalecer o desenvolvimento de tecnologias sociais de acesso a água e saneamento básico em periferias urbanas e comunidades rurais e tradicionais.

SOCIEDADE CIVIL

16/

Investir no fortalecimento institucional das organizações da sociedade civil, que foram determinantes e protagonistas no atendimento às populações vulneráveis em face da pandemia.

17/

Criar fundos de apoio a projetos comunitários de periferias urbanas e comunidades tradicionais com modelo simplificado de prestação de contas.

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Vozes
do campo

A seguir, algumas das principais lideranças do campo analisam o atual cenário e traçam projeções para o futuro.

“Nossa ideia de sustentabilidade inclui tanto geração de renda, como educação e também a valorização cultural do nosso povo Baniwa. Em 2020, tivemos muitas dificuldades para a mobilização das comunidades para organização da produção – da pimenta e da cestaria -, que demanda um custo de logística, já que estamos muito distantes do mercado consumidor. A educação é outra área na qual não temos apoio para capacitação dos estudantes, tanto para geração de renda, como para enfrentar desafios ambientais como mudanças climáticas. Estamos em diálogo com o governo do estado para a criação do Ensino Médio profissionalizante intercultural de tempo integral, mas para mobilizarmos as comunidades, também precisamos de apoio à logística. Nós lutamos para organizar uma educação que valorize a gestão ambiental e o desenvolvimento territorial para melhorar a vida das comunidades, promovendo o Bem Viver. E a questão cultural é transversal. Precisamos de apoio, por exemplo, para expandir os conhecimentos da medicina tradicional, que também pode ser uma alternativa para geração de renda nas comunidades. Para tudo isso, um apoio de longo prazo seria importantíssimo porque a construção de todo esse impacto e a transformação disso em política pública leva tempo.”

André Baniwa, presidente da Organização Indígena da Bacia do Içana (OIBI)

“Existem hoje soluções em saneamento autogeridas pela comunidade que poderiam trazer resultados imediatos à saúde de populações vulneráveis, em especial, mulheres e crianças.”

Caetano Scannavino, coordenador do Projeto Saúde e Alegria (PSA)

“Uma coisa com a qual sofremos muito na pandemia foi a falta de conhecimento e informações às quais se tivéssemos acesso teriam nos ajudado enormemente no trabalho nas favelas. Nós não temos, por exemplo, um cadastro confiável de informações sobre as pessoas que vivem ali que pudesse servir de base para o planejamento da nossa atuação. Seria muito importante ter o apoio do investimento social privado na produção desse conhecimento sobre as regiões periféricas de maneira geral na perspectiva de atuar para reduzir as desigualdades nesses territórios, influenciando políticas públicas que melhorem de fato a condição de vida dessas pessoas.”

Eliana Sousa Silva, diretora da Redes da Maré

“As desigualdades abissais existentes no Brasil, além de serem injustas, minam a possibilidade de desenvolvimento econômico e social. A redução das desigualdades e o enfrentamento à pobreza são direitos constitucionais e precisam ser defendidos e colocados em prática. Essa é uma agenda ampla que passa, entre outros temas, pela redistribuição de renda, por uma tributação justa e solidária, pela garantia de acesso e qualidade dos serviços públicos como educação, saúde, saneamento básico, moradia, transporte, pela segurança pública focada nos direitos humanos e no respeito à população, pelo enfrentamento à discriminação de gênero. Ou seja, estamos falando de uma agenda de políticas públicas onde a sociedade civil tem um papel-chave de pressão sobre o poder público e de engajamento da sociedade. É muito importante que o investimento social privado e a filantropia entrem nesse debate por meio de seus investimentos.”

Katia Maia, diretora executiva da Oxfam Brasil

“Enquanto o mundo caminha para uma redução das emissões de gases de efeito estufa, o Brasil segue na contramão, especialmente por conta do aumento do desmatamento na Amazônia. Para além  do desafio climático, essa postura tem custado também ao setor econômico, haja vista o papel do país internacionalmente e os bloqueios, boicotes e desinvestimentos sofridos por parte de outros países. A crise econômica gerada pela pandemia aumentou ainda mais o abismo das desigualdades. A recuperação econômica se dará obrigatoriamente a partir de ações voltadas a dinamizar a economia. Sendo assim, por que não fazer isso a partir de um modelo sustentável, com sistemas de produção que regenerem a floresta ao invés de desmatá-la, permitindo uma exploração sustentável dos recursos e geração de renda para as comunidades que ali vivem? Não podemos esperar menos do que uma recuperação com propósito, focada em resolver problemas sociais e ambientais profundos e não apenas gerar emprego e renda.”

Mariano Cenamo, diretor de novos negócios do Instituto de Conservação e Desenvolvimento Sustentável da Amazônia (Idesam) e coordenador do Programa de Aceleração e Investimento da Plataforma Parceiros Pela Amazônia (PPA)

“O tema da Amazônia virou a ‘bola da vez’ diante do aumento do desmatamento, da violência e da urgência de evitar o colapso ecológico na região, que teria consequências trágicas para o Brasil do ponto de vista do regime de chuvas que afeta o agronegócio, a geração de eletricidade e o abastecimento urbano de água.”

Virgílio Viana, superintendente geral da Fundação Amazonas Sustentável (FAS)

Expediente

Giovana Bianchi
COORDENAÇÃO DE COMUNICAÇÃO

Leonardo Nunes
ASSISTÊNCIA DE COMUNICAÇÃO

Estúdio Cais
REPORTAGEM/TEXTO

Marina Castilho
DESIGN & DESENVOLVIMENTO