Universalizar o acesso a conectividade e dispositivos é urgente para garantir direitos

Desigualdades sociais e econômicas permeiam os desafios de acesso à internet no Brasil, que ficou ainda mais evidente com o fechamento das escolas e a adoção do ensino remoto durante o período de emergência.

Afirmar que a pandemia de Covid-19 escancarou ainda mais as desigualdades que estruturam a sociedade brasileira não basta para transformar o cenário de violações de direitos que têm marcado o cotidiano de milhares de brasileiras e brasileiros desde a chegada do novo coronavírus ao país.

Entre essas violações está a agenda da conectividade. Em um mundo altamente conectado, que teve seus processos de digitalização acelerados devido à pandemia – que impediu as atividades presenciais e forçou a migração em massa para a internet -, o acesso à internet e dispositivos é mandatório para garantir o exercício pleno da cidadania.

Os desafios no tema são anteriores à pandemia e devem ser debatidos em duas dimensões: acesso a equipamentos tecnológicos – computadores, notebooks, tablets e celulares – e a internet banda larga.

Assim como em outras áreas, os mais afetados pela falta de políticas públicas que garantam esse acesso são as pessoas mais pobres que, na maioria dos casos, não têm condições de arcar com altos custos de aparelhos, instalação de internet Wi-Fi e pacotes de internet, sobretudo em um contexto de aumento do desemprego e da fome diante da crise socioeconômica agravada pela pandemia. 

Esse estrato da população é formado majoritariamente por pessoas historicamente postas às margens da sociedade: pretos e pardos. A questão vai além de garantir internet para que crianças e jovens possam aprender. São necessários esforços direcionados a colocar fim à fome e à miséria para que as pessoas não precisem optar entre comprar comida ou um pacote de dados para o celular. 

O debate passa, portanto, pelo combate ao racismo, pela geração de trabalho e renda, infraestrutura dos domicílios e escolas, preparo das redes de ensino e dos profissionais de educação para fazer o melhor uso da tecnologia, entre outros aspectos.

A única forma de abarcar esses aspectos é por meio da implementação de políticas públicas. Entretanto, a conectividade não é uma prioridade do atual governo federal que, por sucessivas vezes, barrou projetos de lei voltados a garantir acesso à internet para toda a população. 

Em março deste ano, o presidente Jair Bolsonaro vetou o PL 3477/20, que previa ajuda financeira de R$ 3,5 bilhões da União para que estados, municípios e o Distrito Federal garantissem acesso a internet a alunos e professores da rede pública de ensino durante a pandemia. Em junho, contudo, o veto foi derrubado pelo Congresso Nacional. A ideia é que o recurso beneficie cerca de 18 milhões de estudantes e 1,5 milhões de docentes.

Mais acesso à internet via celulares

A pesquisa TIC Domicílios 2019 mostra que há uma tendência de queda no acesso à internet pelo computador. A presença desses equipamentos nos domicílios brasileiros está relacionada à classe social.
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na classe A
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na classe C
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nas classes D/E

O uso exclusivo do celular para acessar a internet predomina entre a população preta (65%) e parda (61%) – contra 51% da população branca – e nas classes D/E (85%), que também têm menos acesso às redes móveis e dependem mais da conexão Wi-Fi para acessar a rede.

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da população com dez anos ou mais é usuária de internet (o equivalente a 134 milhões de pessoas)

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Em 2019, o país contava com 47 milhões de não usuários, dos quais, 45 milhões pertenciam às classes C e D/E

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13 milhões de domicílios das classes D/E não tinham acesso à internet em 2019

Educação: pandemia e conectividade

Há um cenário bastante desigual em termos de acesso tanto à tecnologia quanto à conexão. Soma-se à esses desafios, a pandemia que obrigou o fechamento das escolas em mais de 160 países para conter a disseminação do novo vírus, afetando mais de 1 bilhão de  estudantes em abril de 2020, de acordo com dados da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO) A pesquisa Painel TIC Covid-19 sobre o uso da internet no Brasil durante a pandemia mostra que o celular foi o principal dispositivo utilizado pelas classes D/E (54%) para acompanhar as aulas e atividades remotas. Já nas classes A/B, foi predominante o uso de notebook, computador de mesa (desktop) e tablets (66%). Esses dados conversam diretamente com achados de outras pesquisas, como o estudo Educação Não Presencial na Perspectiva dos Estudantes e suas Famílias, que aponta a relação entre renda familiar e equipamentos usados na educação de crianças e jovens.
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dos estudantes com renda familiar superior a cinco salários mínimos tinham acesso a computadores ou notebooks com acesso à internet para uso próprio

O índice é de

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para estudantes com renda entre dois e cinco salários-mínimos e de até

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nas famílias com renda de até dois salários mínimos.

Conexão para poucos

Se a conectividade é um desafio nos domicílios, o cenário também é preocupante nas escolas que enfrentam graves problemas de infraestrutura.

Governo do DF suspende aulas para evitar ampliação de casos do novo corona vírus. Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
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de lares não tinham acesso à internet em 2019

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das redes municipais de educação respondentes, o maior desafio em 2020 foi o acesso dos estudantes à internet

Em 2020...

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escolas não tinham banheiros
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não tinham água potável
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escolas urbanas não tinham internet banda larga (20,5%)

Nas escolas rurais, é maior a quantidade daquelas que não têm internet, 27 mil, do que as que têm – 23 mil.

Outra ferramenta que ajuda a visualizar a dimensão do desafio é o Mapa da Conectividade na Educação. A iniciativa do Centro de Inovação para a Educação Brasileira (CIEB) e do Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC.br) reúne diferentes bases de dados que possibilitaram compor o cenário da conectividade nas escolas das redes municipais e estaduais no Brasil.  As informações estão disponíveis graças aos medidores do NIC.br, instalados em 27 mil escolas dentro do programa Inovação e Educação Conectada (Piec), do Ministério da Educação (MEC) e que reúne métricas como largura de banda, e informações geográficas sobre os estados, cidades e sobre o provedor de internet. De acordo com a ferramenta, em Roraima, por exemplo, apenas 44% das escolas estaduais contam com internet. Pernambuco, por sua vez, tem 91% das escolas da rede conectadas. Todavia, daquelas que contam com o medidor, predomina a qualidade ruim da conexão.

Esforços alternativos

Para 95,3% das redes municipais respondentes a pesquisa da Undime sobre Volta às Aulas 2021, apontam que as atividades não presenciais realizadas ao longo de 2020 resumiram-se a materiais impressos e orientações via WhatsApp. Muitas redes e escolas organizaram a retiradas escalonadas de apostilas e pastas. Também foram desenvolvidas plataformas e aplicativos, soluções que têm o potencial de permanecer no pós-pandemia e render aprendizados importantes para a educação.  O Centro de Mídias SP, da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo (SEDUC-SP), teve seu uso ampliado durante o período de fechamento das escolas, transmitindo aulas e entrega de conteúdos elaborados por especialistas da área da educação. Algumas secretarias de educação também se mobilizaram para, de forma emergencial, disponibilizar conteúdos em espaços alternativos, como canais abertos na televisão e via rádio, buscando alcançar estudantes que residem em áreas remotas.

Encontrando soluções

Envolver todos os estudantes durante o período de fechamento das escolas foi o objetivo de inúmeros profissionais da educação que trabalharam incansavelmente para driblar as adversidades e proporcionar aprendizado a crianças e jovens. Foi o caso de Arthur Cabral, professor de uma escola estadual de Recife (PE). Ao perceber que alguns dos alunos não conseguiam acompanhar as atividades online, Arthur decidiu começar a imprimir atividades e entregá-las presencialmente na casa dos estudantes. Diariamente, o professor pedalava ao menos sete quilômetros para fazer as entregas e, depois de investir o próprio recurso para imprimir as atividades, montou uma rede de solidariedade para apoiar o custeio.

Múltiplas causas, múltiplos efeitos

Esse cenário mostra a complexidade do desafio da conectividade no Brasil. Especialistas reforçam que não basta apenas o investimento em aparelhos tecnológicos modernos se não há infraestrutura para acesso à internet. O mesmo vale para o oposto: uma conexão excelente, com grande velocidade para que os alunos possam assistir vídeos em sala de aula não funciona se não existirem aparelhos disponíveis. De acordo com o estudo Tecnologias para uma Educação com Equidade – Novo Horizonte para o Brasil, a compra de laptops ou a adoção a uma plataforma educacional, por exemplo, constituem ações isoladas que têm alcance limitado enquanto política pública. Nesse sentido, o documento aponta quatro aspectos considerados essenciais para melhores resultados na pauta da conectividade:

1.

Recursos e infraestrutura:

insumos tecnológicos (o que envolve dispositivos e conexão) são recursos básicos para a prática pedagógica na atualidade e devem ser garantidos pelo Estado;

2.

Profissionais e formação:

com atenção especial à formação de professores, gestores escolares e públicos para que tenham o conhecimento necessário para o desenho das políticas públicas;

3.

Proteção dos dados pessoais na educação:

que devem ser coletados, armazenados e processados com transparência;

4.

 

ESTRATÉGIA NACIONAL PARA TECNOLOGIA NA EDUCAÇÃO

O que o ISP pode fazer pela conectividade

Para debater desafios e oportunidades para uma atuação estratégica do investimento social e da filantropia no tema, o terceiro episódio da série do Podcast GIFE traz Tamara Terso, integrante do Conselho Diretor do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social; Americo Mattar, diretor-presidente da Fundação Telefônica Vivo; e Carlos Lima, coordenador do Núcleo de Educomunicação da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo.

“Temos o papel de influenciar a agenda pública para que possamos viabilizar um ciclo virtuoso de integração tecnológica, estimulando e provocando esse debate com todos os demais atores da sociedade.”
Americo Mattar
diretor-presidente da Fundação Telefônica Vivo
“As tecnologias digitais são um caminho sem volta para a educação e, nesse processo, precisamos valorizar as vozes dos estudantes. Como dizia Paulo Freire, “comunicação é educação e educação é comunicação”. Temos pela frente uma oportunidade para combater as desigualdades na agenda da conectividade.”
Carlos Lima
coordenador do Núcleo de Educomunicação
da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo
Fomentar os espaços de participação para a incidência na construção de políticas públicas de acesso à internet e às tecnologias da comunicação e informação é uma oportunidade de atuação para fazer avançar essa agenda no país.”
TAmara Terso
integrante do Conselho Diretor do
Intervozes - Coletivo Brasil de Comunicação Social

Expediente

Natália Passafaro
COORDENAÇÃO DE COMUNICAÇÃO

Leonardo Nunes
ASSISTÊNCIA DE COMUNICAÇÃO

Estúdio Cais
REPORTAGEM/TEXTO

Estúdio Cais
PODCAST

Marina Castilho
DESIGN & DESENVOLVIMENTO