Organizações da sociedade civil se mobilizam em torno de ações de apoio às comunidades de Brumadinho

Por: GIFE| Notícias| 25/02/2019

Um mês após o rompimento da barragem de rejeitos de minério da Mina do Córrego do Feijão, em Brumadinho (MG) – que vitimou mais de 300 pessoas entre mortos e desaparecidos e já é considerado um dos maiores desastres provocados por vazamento de minério do mundo -, organizações da sociedade civil (OSCs) de todo o país se mobilizam no atendimento e apoio às comunidades da região.

Seja no apoio imediato via trabalho voluntário ou doação de recursos financeiros, mantimentos, água, entre outros, seja nas ações de reestruturação e amparo, o papel dessas organizações tem se mostrado imprescindível, especialmente no longo prazo.

É o caso do Todos Pela Educação, organização que trabalha para assegurar o direito à educação básica de qualidade para todos os cidadãos, que foi acionada pelo governo do estado de Minas Gerais imediatamente após o rompimento para contribuir com um plano de apoio moral e psicológico voltado às comunidades escolares do município de Brumadinho.

“Naquele momento não havia ainda muita clareza sobre se as escolas do município haviam sido afetadas em termos de infraestrutura, mas já se sabia que numa cidade pequena como Brumadinho, que possui 40 mil habitantes, o número de vítimas faz com que praticamente todo mundo tenha perdido alguém próximo e isso por si só já afeta as comunidades escolares”, explica João Marcelo Borges, diretor de estratégia política do Todos Pela Educação.

A primeira iniciativa da instituição foi acionar um conjunto de organizações que atuam com o tema da educação para um diagnóstico da disponibilidade para a ação. Essas organizações foram então diretamente convidadas pelo governo do estado para uma reunião cujo objetivo foi apresentar informações atualizadas sobre a dimensão do desastre.

João Marcelo explica que o coletivo entendeu a necessidade de realizar a ação de apoio à região atendendo à demanda mais emergencial, mas também construindo uma iniciativa de longo prazo. “Nós não queremos realizar apenas um plano rápido e de aplicação única no caso de Brumadinho. Queremos produzir algo que seja como um protocolo de resposta imediata a situações traumáticas em comunidades escolares, extraindo do desastre algo para oferecer a todo o país, já que infelizmente tragédias que afetam a comunidade escolar não são incomuns”, observa Borges.

O diretor conta que apesar da prontidão de todas as organizações envolvidas em colocar seus programas institucionais à disposição e buscar outros recursos, o coletivo tinha a preocupação de não ‘inundar’ a cidade com ofertas, já que em uma situação de catástrofe, a comunidade já tem que lidar com uma gama enorme de atores externos. “Nós acordamos que a primeira coisa a ser feita seria o levantamento das necessidades da comunidade e nosso papel seria apoiar a prefeitura de Brumadinho a qualificar essa demanda por meio da elaboração de termos de referência para a contratação de um levantamento de qualidade, técnico, metodologicamente rigoroso e que chegue a todas as escolas e comunidades da região.”

Paralelamente, o Todos Pela Educação elaborou um questionário a ser respondido pelas organizações envolvidas na ação cuja finalidade é mapear a disponibilidade de programas, serviços e recursos para apoio ao município no curto, médio e longo prazo. Em parceria com a iniciativa, após a conclusão desse mapeamento e do diagnóstico das necessidades da região, o GIFE realizará uma chamada junto a seus associados com o objetivo de cobrir possíveis lacunas em termos de recursos humanos, técnicos e financeiros necessários para implementar a ação.

“O que já sabemos está ligado ao próprio convite do governador que é desenvolver algum tipo de programa ou serviço de apoio socioemocional às comunidades escolares afetadas. Esse levantamento é o que nos permitirá ter os insumos para desenvolver uma ação que responda às reais necessidades de Brumadinho e não uma oferta baseada apenas em suposições. Ainda que a gente demore um pouco mais para ter uma resposta, queremos produzir uma ação robusta e de longo prazo”, conclui João Marcelo. 

Campanha Abrace Minas Gerais

Outra iniciativa de acolhimento e apoio às comunidades de Brumadinho está sendo realizada pela United Way Brasil em parceria com a BrazilFoundation. Após o desastre, as duas instituições se uniram no apoio à campanha Abrace Minas Gerais, cujo objetivo é mobilizar recursos para financiar projetos de organizações da sociedade civil locais.

Serão selecionados entre quatro e seis projetos por meio de edital. As doações podem ser realizadas em qualquer valor via PayPal no site da United Way Brasil. Assim como o Todos Pela Educação, as duas instituições se preocupam com o período pós desastre no longo prazo e com a realidade da população afetada.

“A gente percebe que essa ajuda vem muito facilmente num primeiro momento, mas desaparece também muito rapidamente assim que o caso sai da mídia e nós sabemos que para quem está lá, o problema perdurará por anos. Então, o primeiro grande alinhamento com a BrazilFoudantion nessa ação foi pensar no apoio a ações de longo prazo. Um segundo aspecto diz respeito ao investimento em soluções propostas pela própria comunidade, que melhor do que ninguém conhece sua realidade”, explica Gabriella Bighetti, diretora executiva da United Way Brasil.

A diretora da organização reforça a importância de que mais pessoas doem para a campanha Abrace Minas Gerais. “Essa é uma ação de toda a sociedade, e não da United Way Brasil ou da BrazilFoundation. O recurso será integralmente repassado aos projetos selecionados pelo edital, então, de alguma forma, é um trabalho voluntário dessas instituições. Quanto mais recursos conseguirmos captar, mais projetos vamos conseguir apoiar. Apesar de ser uma iniciativa dessas duas organizações, cabem quantas mais quiserem”, ressalta.

Controle social e participação

Cristina Orpheu, diretora executiva do Fundo CASA – instituição que desde 2005 apoia grupos de Brumadinho na esfera do trabalho de controle social realizado pela sociedade civil em torno dos processos de licenciamento ambiental e também no âmbito do fortalecimento dos grupos para viabilização de alternativas econômicas para a região – reforça a importância de garantir o protagonismo das comunidades na construção de caminhos e soluções.

“Na ânsia de querer ajudar, muitas organizações acabam indo para o território e atropelam processos locais e isso acaba complicando ainda mais a situação e gerando conflitos. Então, nesse momento, nós fomos para lá para entender do que essa comunidade precisa. Ouvi-los e fortalecê-los é a prioridade do Fundo CASA”, afirma.

A diretora conta que a instituição já começou um trabalho de apoio direto aos grupos e também de mobilização de recursos juntos a parceiros com a intenção de garantir subsídio para a continuidade do trabalho realizado por esses grupos na região. Ela diretora também reforça a importância da participação da comunidade local nos processos de negociação com a iniciativa privada e com o poder público.

“Infelizmente, o que aconteceu com Mariana gerou aprendizados para esses grupos, que já têm uma atuação no controle social dos processos de licenciamento, que, inclusive, continuam acontecendo. Ter os grupos locais participando ativamente na mesa de diálogo junto com a empresa e com o Ministério Público é super importante para que de fato as comunidades sejam atendidas. Eles precisam de apoio para seguir com esse trabalho no longo prazo.”

O papel das OSCs

Ambas as iniciativas demonstram que a atuação da sociedade civil organizada em situações de calamidade não exime o poder público de seu papel, mas é fundamental, especialmente nas etapas de médio e longo prazo e no diagnóstico e empoderamento das comunidades.

Para Oscar Vilhena, professor de Direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV), as OSCs são protagonistas na organização das populações afetadas garantindo que estas possam se articular em torno de seus direitos e interesses. “Nesses casos, há uma tendência de o Estado querer estabelecer um tipo de conduta, mas que não necessariamente é a que atenderá à real demanda daquela comunidade. É necessário que a população se organize e entenda quais são os seus direitos e que expresse isso de maneira tangível. Em Mariana, por exemplo, a Cáritas ocupa esse papel de fazer a coordenação dos anseios daquelas comunidades. Esse é um papel muito importante e que nem o Estado, nem as empresas podem ocupar”, explica.

O professor menciona ainda outro momento em que a atuação das OSCs é fundamental. “Depois, há uma série de necessidades dessas comunidades que vão desde saúde, educação, saneamento, reconstrução da cadeia econômica com processos indenizatórios, etc. e as organizações da sociedade civil vão poder ajudar nessa reconstrução nas diversas áreas. Por exemplo, no Haiti, isso é muito forte desde a atuação da Cruz Vermelha internacional até as organizações locais na reconstrução do sistema educacional.”

João Marcelo observa que o aceno do governo de Minas Gerais à sociedade civil em um momento tão delicado legitima a importância do setor. “Esse aceno tem vários significados: ele reconhece a importância e a capacidade da sociedade civil na oferta de diferentes serviços e a própria legitimidade do campo e reconhece um espaço para atuação conjunta entre poder público e organizações da sociedade civil.”

Gabriella observa que as OSCs dispõem de flexibilidade, rapidez e liberdade no uso dos recursos, além da capacidade de alcançar populações e regiões bastante vulneráveis. “Esse é um papel que a gente cumpre de fazer o apoio chegar onde realmente precisa, independente de ser uma organização legalizada, com impostos em dia, três anos de constituição, balanço auditado, etc. Sem desconsiderar questões importantes, mas que a gente pode ir checar, criar critérios para monitorar, enfim, é mais fácil e temos essa prerrogativa. Ao mesmo tempo, ações como essa acabam pressionando o poder público, que também é nosso papel. E por fim, conseguimos apontar soluções inovadoras para problemas complexos que podem ser testadas e aperfeiçoadas em razão da criatividade e flexibilidade características do setor.”

Para Oscar, há uma cisão dentro do próprio Estado que tem por função regular e também aplicar a lei no caso de ela ser descumprida. Nesse sentido, o papel da sociedade civil é o de restabelecer os elos de confiança. “Se a empresa falhou, se o Estado que estava ali para proteger o interesse público também falhou, então a sociedade civil é muito importante na reconstrução desse elo de confiança e as agências de aplicação da lei têm que se mostrar autônomas e defensoras do interesse público.”

A diretora ressalta ainda a necessidade da doação estratégica para garantir a sustentabilidade e autonomia do setor. “A gente viu nas últimas pesquisas sobre cultura de doação divulgadas pelo IDIS [Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social] e outras instituições internacionais que o brasileiro é doador, mas não investidor. Ele faz a doação, mas não enxerga isso como um investimento, ou seja, não faz um diagnóstico, não exige a prestação de contas, não avalia o que aquilo vai gerar de impacto. Se temos 70% da população doadora e esses 70% doassem de maneira estratégica, talvez estivéssemos colhendo frutos muito maiores”, pontua a diretora.

Cristina reforça a importância da participação da sociedade civil organizada nos processos de licenciamento de grandes projetos de infraestrutura para a garantia da própria democracia. “É preciso garantir que todos os cidadãos e cidadãs estejam envolvidos no processo e tenham seu direito a voz reconhecido.”

Para a diretora, os fundos são mecanismos que atendem diretamente aos grupos de base locais para que possam exercer esse papel. “Só quem vive lá e está sofrendo esse impacto pode dirigir as ações de amenização do sofrimento, recriação de novos espaços de vida e proposição de soluções aceitáveis para seu futuro. São pessoas já organizadas há muito tempo e que podem, desde que fortalecidas, reagir de maneira mais assertiva à situação. Muitos dos grupos com os quais o Fundo CASA trabalha há anos têm condições de receber esse apoio diretamente. Com os que ainda não têm essa capacidade, estamos trabalhando para atender a essa demanda. O apoio direto através de estruturas como as nossas serão fundamentais para viabilizar suas ações.”


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