Série “O que o Investimento Social Privado pode fazer por…” chama atenção para o papel do ISP no tema de Direitos das Mulheres

Por: GIFE| Notícias| 15/06/2020

Apenas 31% dos cargos de gerência e 13% dos cargos do quadro executivo das 500 maiores empresas do Brasil são ocupados por mulheres. No poder legislativo, elas representam 10,5% das cadeiras da Câmara dos Deputados e 16% dos assentos do Senado Federal. O público feminino também sofre com a disparidade salarial: em 2018, o rendimento médio das mulheres ocupadas equivalia a 79,5% do recebido pelos homens. 

As diferenças vivenciadas no âmbito profissional também multiplicam-se em casa. O tempo médio dedicado pelas mulheres aos afazeres domésticos é de 18,1 horas semanais, enquanto os homens gastam cerca de 10,5 horas. É também no ambiente doméstico que acontece a maior parte dos assassinatos de mulheres (55,3%), sendo que 50,3% são cometidos por familiares. Desafios grandes ficam ainda maiores se aplicada a lente de raça: o desemprego afeta 15,9% das mulheres negras, taxa que cai para 10,6% no caso das mulheres brancas. Além disso, entre 2005 e 2015, o homicídio de mulheres não negras apresentou redução de 7,4%, enquanto o de mulheres negras subiu 22%. 

Esses são alguns dados que retratam a realidade alarmante vivida pelas mulheres brasileiras, relatada no guia O que o Investimento Social Privado pode fazer por… Direitos das Mulheres?. Lançada no dia 10 de junho, a publicação é a sexta da série O que o Investimento Social Privado pode fazer por…?, concebida para tratar de temas da agenda pública nos quais o Investimento Social Privado (ISP) pode ser ampliado, além de apresentar casos de sucesso para apoiar investidores interessados em iniciar ou fortalecer sua atuação nesses temas.

O evento de lançamento, realizado pela primeira vez de forma online em razão da pandemia de Covid-19, contou com a participação de Mafoane Odara, gerente do Instituto Avon; Amália Fischer, coordenadora geral e cofundadora do Fundo ELAS; e Neca Setubal, presidente do Conselho de Governança do GIFE e da Fundação Tide Setubal. A apresentação panorâmica do guia ficou a cargo de Gabriela Brettas, líder de projetos da Move Social, organização responsável pela criação da metodologia, facilitação e sistematização dos workshops com especialistas, pesquisa complementar e redação dos guias. 

Relacionado ao Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) 5 – que versa sobre a meta de alcançar a igualdade de gênero, um direito humano fundamental, e empoderar todas as mulheres e meninas, erradicando práticas como discriminação, todas as formas de violência e promovendo a participação plena das mulheres, o tema tem entre as organizações copromotoras Instituto Avon, Fundação Tide Setubal, Agora É Que São Elas e Fundo ELAS.

Histórico e desafios  

A linha do tempo apresentada pelo guia, com marcos importantes no debate sobre os direitos das mulheres, tem início em 1791, com a Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã – em resposta à Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão, elaborada no contexto da Revolução Francesa -, composta por pedidos de direito ao voto e à propriedade e de acesso às instituições políticas. 

Em um avanço rápido pela história, destaca-se, no contexto brasileiro, a aprovação da Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006), que tem como objetivo estipular punição adequada e coibir atos de violência doméstica contra a mulher; a Lei do Feminicídio (Lei 13.104/2015), que tipifica o crime como assassinato de mulheres em função do gênero – crime hediondo que envolve violência doméstica e familiar, menosprezo ou discriminação à condição de mulher; a Lei de Importunação Sexual (Lei 13.718/2018), que tipifica os crimes de importunação sexual e de divulgação de cena de estupro; entre outras legislações criadas para proteger as mulheres. 

Apesar de o Brasil ter avançado no quesito leis protetivas, situações de violência e discriminação em razão do gênero ainda estão longe de chegar ao fim. Para Amália Fischer, além das medidas legais, é necessário trabalhar as mentes e corações de mulheres e homens. A coordenadora afirma que mulheres e meninas devem aprender mais sobre a importância de seus direitos e, para isso, é necessário mudar a educação formal e informal para que a transformação nas relações entre homens e mulheres comece ainda na infância. 

“Homens e mulheres têm que ter consciência sobre sua humanidade, sobre o respeito aos outros, e os homens, especialmente, têm que ter consciência da força que eles estão exercendo sobre uma mulher a partir do uso do poder. Isso precisa mudar”, defende Amália.  

Segundo ela, são necessários movimentos para fornecer mais informações – tanto ao público masculino, quanto ao feminino – e gerar conscientização de que a violência é apenas uma das violações dos direitos das mulheres. Trata-se de um desrespeito contra a segurança e o direito de transitar livremente, por exemplo. 

Além disso, a especialista também reforça a importância de reconhecer os inúmeros anos de luta para que as mulheres contassem com direitos que, se hoje parecem óbvios, um dia lhes foram negados. “É muito importante o amplo conhecimento dos movimentos feministas que impulsionaram essas leis. Não é por obra e graça de alguém ou do acaso que hoje as mulheres estão ocupando cargos importantes, que têm acesso a uma propriedade ou que podem estudar o que quiserem. Se, hoje, filhas, irmãs, mães, tias têm direitos é porque  mulheres lutaram.” 

Estratégias de atuação 

O documento aponta quatro âmbitos de desafios no que tange aos direitos das mulheres. Um deles é a compreensão social do tema, considerando que existem, por exemplo, confusão conceitual e disputa política em torno dos significados dos termos machismo e feminismo e a influência da conjuntura nacional de ampliação do conservadorismo na esfera pública. 

A esses somam-se desafios relacionados ao aparato institucional, com leis que não respondem a questões atuais como violência virtual; ações afirmativas insuficientes; a própria violência contra mulheres, com altos índices de feminicídio; e a flexibilização do uso de armas no país, que agrava o índice de crimes contra mulheres; além dos desafios relacionados ao mercado de trabalho. 

Para combater essa realidade e criar um cenário onde mulheres tenham seus direitos assegurados, o guia apresenta cinco linhas de atuação possíveis para o ISP: inclusão transversal da perspectiva de gênero na atuação das organizações, fortalecimento de lideranças e organizações de defesa dos direitos das mulheres, enfrentamento às violências contra as mulheres, equidade de gênero no mercado de trabalho e sensibilização da sociedade e mudança cultural para a equidade de gênero. 

O material segue o mesmo modelo dos guias das temáticas já lançadas: apresenta cada linha de atuação juntamente com seus objetivos, dicas de como o ISP pode atuar na agenda e exemplos de cases. O objetivo da linha de atuação C, sobre enfrentamento às violências contra as mulheres, por exemplo, é construir oportunidades para a prevenção e o enfrentamento da violência contra as mulheres, o que pode ser feito a partir de campanhas educativas, instrumentalização dos operadores de políticas públicas, desenvolvimento de soluções inovadoras voltadas à segurança das mulheres, financiamento de equipamentos públicos voltados ao cuidado de mulheres vítimas de violência e produção de dados abertos sobre violência contra a mulher. 

A atuação do investimento social privado 

A série ISP Por foi criada com o objetivo de proporcionar um espaço para o debate de temas nos quais a atuação do ISP ainda é tímida e pode ser potencializada.

Para Mafoane, o olhar deve ser mais direcionado em algumas questões, sobretudo os recortes de gênero e raça. Segundo o Censo GIFE 2016, apenas 4% dos investidores sociais levam em conta as diferenças de gênero como características dos beneficiários de seus programas. “Quem atua com todo mundo, não atua com as mulheres, não atua com a população negra, não atua com a população indígena. Olhar para essas questões estruturais é fundamental para que possamos chegar em todo mundo”, explica a gerente do Instituto Avon.

Mesmo que o índice de investimento tenha subido para 19%, de acordo com o Censo GIFE 2018, a gerente reforça que ainda há um grande desafio quando o assunto é interseccionalidade entre gênero e raça e a baixa contribuição do ISP. 

Para Amália, investimento e responsabilidade social podem contribuir muito para a construção de uma sociedade diferente, onde as mulheres tenham possibilidades e oportunidades iguais aos homens. Com um papel central na transformação das relações sociais e econômicas entre homens e mulheres, institutos, fundações e empresas devem envolver processos de sensibilização de homens e mulheres sobre os direitos do público feminino, além do apoio financeiro e técnico a organizações e coletivos de mulheres. 

“Especialmente durante a pandemia, fica claro que as mulheres são o agente central da proteção social. Não é por acaso, por exemplo, que a CUFA [Central Única das Favelas]  vai fazer uma campanha de Mães da Favela. Isso porque, no Brasil, quase 40% dos chefes de família são mulheres. A crise tem provado que se pode e deve confiar nas organizações e nos coletivos de mulheres e na força e na potência do público feminino.” 

Mafoane concorda ao afirmar que, para solucionar desafios já existentes e que a pandemia apenas intensificou, é necessário o trabalho conjunto. “O momento atual exige um processo ainda maior de colaboração entre as organizações e de compreensão de que existem alguns temas, que são estruturantes da sociedade brasileira, que a gente não pode deixar de considerar na construção da nossa iniciativa.”

Para Amália, mais do que investir ou até mesmo criar projetos próprios que tenham a lente de gênero, o investimento social privado deve passar a confiar e a fortalecer as organizações da sociedade civil que priorizam a luta pelos direitos das mulheres e todos os outros. “Sem as OSCs, não temos democracia e avanço de direitos. E todos os direitos são muito importantes, desde os básicos, os individuais e coletivos, civis e humanos.” 

Próximos passos 

Depois de Cidades Sustentáveis, Equidade Racial, Mudanças Climáticas, Água e Gestão Pública, o guia sobre Direitos das Mulheres é o sexto da série O que o ISP pode fazer por…?. Migrações e Refugiados e Segurança Pública são os próximos temas a ser lançados, completando o conjunto de oito assuntos onde a atuação do investimento social privado ainda é insuficiente para responder às demandas colocadas pela sociedade. 

O vídeo de lançamento está disponível neste link, enquanto o vídeo-manifesto pode ser acessado neste link. O guia na íntegra está disponível aqui


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