O redeGIFE ouviu especialistas e mergulhou nos principais estudos sobre cultura de doação para mapear desafios, avanços e tendências para o futuro da agenda no país, além das possibilidades de atuação do investimento social e da filantropia.
“Da mesma maneira como devo me envolver com a política, indo para a rua, escolhendo em quem eu voto e exigindo e acompanhando os trabalhos do legislativo e do executivo, esperamos que as pessoas possam ter uma relação semelhante com a sua doação, a partir da ideia de que eu escolho minhas causas e contribuo para fortalecer as organizações da sociedade civil, que são a última linha de defesa da sociedade e representam nossos interesses de maneira mais específica do que o Estado consegue. Hoje, a doação ainda está em um lugar moral, relacionada a conceitos de solidariedade e generosidade.”
Completando 10 anos de atuação, o MCD formalizou um movimento que é bem mais antigo: o de entes da sociedade civil que se dedicam a angariar fundos para as mais diversas causas socioambientais em inúmeros formatos.
É o caso do Fundo Casa Socioambiental, cuja história teve início no final da década de 1980, quando a Fundação Damien – radicada nos Estados Unidos, mas comandada por um brasileiro – decidiu iniciar um relacionamento com pequenos grupos ligados às causas socioambientais no Brasil. Esse contato foi a semente responsável por consolidar o primeiro fundo socioambiental brasileiro, em 1994, composto pelas mesmas lideranças locais apoiadas pela Damien. Nascia ali a Fundação Francisco, embrião do que é hoje o Fundo Casa.
Maria Amália Souza, fundadora e diretora de desenvolvimento estratégico da organização, menciona essa origem ao apontar uma trajetória no enfrentamento às desigualdades que marcam o Brasil há séculos.
“Eu comecei a pensar formas de gerar recursos para os povos indígenas e da floresta em 1985. E como eu, existem outras pessoas que há muito tempo se dedicam a estruturar formas de fazer com que os recursos cheguem nas mãos de grupos de base comunitária de forma sistêmica e coordenada. Seria interessante que esse movimento, que é mais novo, mapeasse atores como nós – para além das fundações internacionais e as grandes fundações e institutos brasileiros -, que há décadas têm mobilizado e se especializado em fazer os recursos chegarem nas mãos dos grupos de base, para sejam eles os protagonistas das suas próprias soluções. Por não terem uma estrutura institucional, esses grupos são invisíveis.”
O potencial do varejo para ações de impacto, especialmente em um momento em que os consumidores estão mais conscientes e a responsabilidade social se revela uma prioridade dentro das empresas, tem sido debatido por uma parte do setor que atua para a ampliação da cultura de doação no Brasil.
Pensando nisso, Grupo MOL, Movimento Arredondar e CAUSE lançaram uma pesquisa inédita que mapeou mecanismos de doação no varejo e o comportamento do consumidor em relação a doações no momento da compra. Ao lado de redes varejistas, MOL e Arredondar já ultrapassaram R$ 50 milhões doados para mais de 130 organizações da sociedade civil.
Os resultados mostram um claro potencial de crescimento desse gesto. Confira as principais conclusões do levantamento:
Os consumidores estão apreensivos com os problemas sociais e se enxergam, junto com as marcas, como parte da solução.
O varejo pode ser um lugar para apoiar causas por meio da doação, e há um oceano de oportunidades para se atuar.
A maioria dos consumidores gostam ou não se importam em receber um convite para doar no fechamento da compra.
Quem doa no varejo, doa mais: inserir esse hábito na rotina de consumo aumenta as possibilidades de doar.
Não-doadores apontam a falta de renda como motivo para não se engajar, seguido pela desconfiança com pedidos de doação financeira. Mas estão abertos a mudar de hábito.
A comunicação boca a boca, tão essencial para o varejo, também é importante para popularizar as doações no caixa.
Doar faz bem para a marca: ser um varejo solidário traz retorno na preferência até entre os consumidores menos engajados.
A pesquisa completa está disponível neste link.
A pandemia iluminou a grande capacidade da ação cidadã e da sociedade civil, responsável, talvez, pela maior mobilização de doações da história do país.
A doação virou manchete nos principais veículos de comunicação e tema das conversas entre amigos e familiares. Um movimento que gerou mudanças, inclusive, no perfil dos doadores, em suas prioridades e padrões de pensamento e comportamento.
Foi possível notar, por exemplo, uma inversão, com as classes de maior poder aquisitivo doando mais do que os segmentos mais populares que, historicamente, são os que mais doam (Pesquisa Doação Brasil 2020). A causa que recebeu maior atenção dos recursos repassados também mudou: o combate à fome e à pobreza são prioridades, enquanto idosos e crianças ocupavam os primeiros lugares do ranking na edição de 2015 da pesquisa. Os doadores passaram a reconhecer mais o valor do seu gesto, tanto para o outro como para si mesmo, e a falar mais sobre o ato de doar.
Confira no infográfico os dados mais recentes sobre doação no âmbito do investimento social privado (ISP).
Ainda não é possível saber se tais mudanças trarão impactos à cultura de doação dos brasileiros mas, certamente, elas suscitaram o debate sobre o papel estratégico da doação para o exercício da cidadania, para o fortalecimento da democracia e da responsabilidade de todos os setores da sociedade pelo enfrentamento das desigualdades.
Roberta analisa esse fenômeno a partir da conjunção entre contexto e oportunidade. Para a presidente do Instituto MOL, a pandemia encontrou terreno fértil e os resultados disso, como o fortalecimento das doações entre empresas e famílias de alta renda e uma maior legitimidade das organizações da sociedade civil e do próprio ato de doar, são fruto da trajetória trilhada nos últimos anos pela articulação. Por outro lado, o cenário de emergência se configura como uma oportunidade para o avanço da cultura de doação no Brasil.
“Dez anos atrás, as doações se davam via captação por telemarketing ou mala direta impressa. Hoje, a tecnologia oferece mais possibilidades para os doadores abraçarem a causa de acordo com seu perfil, estilo de vida e possibilidades financeiras. Mas, o cenário de emergência também trouxe uma nova perspectiva de valorização do terceiro setor porque ficou evidente a incapacidade do Estado de dar conta sozinho dos problemas e das empresas, que, por mais bem intencionadas que possam ser, não conseguem chegar na ponta e dependem das OSCs para responder às questões sociais mais urgentes. Sem contar a valorização da doação em si, frente a tantas histórias de doação de dinheiro, alimentos, trabalho voluntário, entre outros recursos.”
Roberta e Tati concordam que a tendência é de crescimento da cultura de doação no Brasil nos próximos anos, que os caminhos já estão colocados e são uma oportunidade para a atuação do ISP na agenda.
Perspectiva de recuperação socioeconômica
Aumento da digitalização do terceiro setor e maior empatia (saldos da pandemia)
Maior engajamento das novas gerações com causas socioambientais
Criação e disseminação de novas narrativas relacionadas a doação (mentalidade cívica)
Ampliação de oportunidades e incentivos para a doação (tanto quanto ou mais que para o consumo)
Valorização e legitimação das organizações da sociedade civil;
Aumento da transparência sobre a utilização dos recursos doados
Aprimoramento do ambiente legal para fundos patrimoniais (Endowments)
“Qual é o montante que realmente tira uma comunidade da situação de extrema vulnerabilidade? É importante que esses grupos desenvolvam suas próprias soluções e se empoderem dessas ferramentas. Isso para mim é mudar a sociedade. É preciso ter um olhar macro para obter resultados no micro.”
A reflexão da diretora de desenvolvimento estratégico do Fundo Casa Socioambiental parte de sua preocupação em relação à efetividade das diversas iniciativas em curso país afora. Para Maria Amália, além de um olhar amplo e sistêmico – incluindo os fundos filantrópicos comunitários, como o próprio Fundo Casa -, é necessário partir dos aprendizados dessas experiências, acumulados ao longo das últimas décadas.
“As respostas estão nas comunidades. São elas que precisam das ferramentas para poder expressar essas respostas e se sentirem parceiras, sentirem que são vistas. Isso muda muito suas capacidades de melhorarem as próprias vidas. E essa foi a grande pergunta que fizemos desde sempre: como fazer a diferença apoiando vários projetos pequenos? A partir dela, criamos ferramentas e estruturas, que, inclusive, podem ser compartilhadas. Aliás, essa troca é outro ponto que seria fundamental para avançarmos”, explica Maria Amália Souza.
Um exemplo nesse sentido é a Aliança entre Fundos, iniciativa lançada em agosto deste ano que reúne o próprio Fundo Casa Socioambiental, Fundo Baobá para Equidade Racial e Fundo Brasil de Direitos Humanos com o objetivo de ampliar a captação de recursos para fortalecer populações quilombolas e indígenas no enfrentamento dos impactos da pandemia de Covid-19.
Uma ação que, para Maria Amália, é fruto do compartilhamento de visões comuns sobre enfrentamento às desigualdades, incluídas as que marcam o acesso aos recursos filantrópicos pelas camadas mais vulnerabilizadas da sociedade e em temas ligados às causas da injustiça social no país.
“Nenhum de nós vai resolver sozinho os problemas do país com o tamanho e a complexidade que eles têm. E não estamos competindo, mas compondo, somando, colaborando para poder chegar mais longe. Nesse sentido, os novos arranjos para mobilização de recursos são importantes, mas falta uma ponte com quem sabe fazer esse recurso chegar na base. E essa é a nossa especialidade, é onde podemos colaborar, inclusive a partir de evidências. Juntos, poderíamos dar um grande salto.”
A seguir, conheça alguns fundos e iniciativas voltadas ao enfrentamento das desigualdades estruturais da sociedade brasileira que podem ser potencializadas – pelo movimento por uma cultura de doação no Brasil, além de oportunidades para quem deseja contribuir com causas socioambientais por meio de doações a projetos e organizações da sociedade civil.
Fundo ELAS+
Primeiro e único fundo brasileiro de investimento social voltado à promoção do protagonismo de mulheres e pessoas LBTT (lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais). Desde 2000, a iniciativa atua para a transformação positiva da sociedade a partir de ações que reconhecem o papel das mulheres no impacto direto sobre a vida de seus filhos e das pessoas à sua volta, que gera resultados diretamente em comunidades, cidades, estados e em todo o Brasil. Conheça.
Potências Periféricas
Ambiente virtual voltado a promover encontros e a qualificar as doações e parcerias direcionadas às periferias no Brasil. A plataforma permite conhecer iniciativas, ajuda a identificar potenciais parceiros e investidores do campo e apresenta ainda uma relação de prestação de serviços na perspectiva da promoção da equidade. Saiba mais.
Fundo Baobá para Equidade Racial
Primeiro e único fundo dedicado, exclusivamente, à promoção da equidade racial no Brasil, atua fortalecendo e investindo em organizações e lideranças negras comprometidas com o enfrentamento ao racismo e a promoção da equidade racial e justiça social. Criado em 2011, o Fundo é fruto de articulações e diálogos iniciados em 2006 entre a Fundação Kellogg e o movimento negro brasileiro. Conheça.
Fundo Brasil de Direitos Humanos
O Fundo tem como missão promover o respeito aos direitos humanos no Brasil, construindo mecanismos inovadores e sustentáveis que canalizem recursos para fortalecer organizações da sociedade civil e para desenvolver a filantropia de justiça social. Criado em 2006, com apoio inicial da Fundação Ford – por meio da constituição de um fundo patrimonial (Endowment) de US$ 3 milhões – a iniciativa é fruto da mobilização de um grupo de defensores dos direitos humanos que assumiu o desafio de encontrar formas alternativas para garantir a sustentabilidade das atuações do campo. Saiba mais.
Fundo Casa Socioambiental
Fundada em 1994, a organização busca promover a conservação e a sustentabilidade ambiental, a democracia, o respeito aos direitos socioambientais e a justiça social por meio do apoio financeiro e fortalecimento de capacidades de iniciativas da sociedade civil na América do Sul. Para isso, conta com uma ampla rede de apoio a pequenas iniciativas da sociedade civil, que mobiliza recursos, fornece suporte e fortalece capacidades, garantindo a autonomia desses grupos. Conheça.
Benfeitoria
Plataforma de mobilização de recursos para projetos de impacto cultural, social, econômico e ambiental. Oferece diversas modalidades e formatos para a contribuição das pessoas por meio do financiamento coletivo – como contribuições pontuais, emergenciais ou recorrentes – e uma ampla variedade de projetos, que contam ainda com consultoria personalizada. Saiba mais.
Arredondar
De doação em doação, o Movimento alimenta o caixa de dezenas de organizações da sociedade civil. O sistema tem uma lógica simples: na hora de pagar a conta, o cliente é convidado a arredondar o valor total e doar os centavos para apoiar causas sociais. Com milhares de lojas oferecendo a opção, milhões de reais se revertem em verbas para dezenas de projetos e causas sociais nas mais diversas áreas. Conheça.
iFood
No app do iFood, há uma área de doação permanente, onde qualquer um pode contribuir com o combate à fome no Brasil. As doações podem ser feitas de três maneiras: 1) Doação de cestas básicas para a ONG Ação da Cidadania; 2) Doação de refeições prontas dos restaurantes do Bom e Barato; 3) Doação de cartões vale-alimentação. Saiba mais.
Polen
A fintech conecta empresas e causas sociais por meio do processo de consumo, permitindo que os clientes transformem sua compra em uma oportunidade de impacto social positivo. A organização usa a tecnologia para descomplicar iniciativas de impacto social, automatizando processos, dados, relatórios e transparência. Conheça.
Natália Passafaro
COORDENAÇÃO DE COMUNICAÇÃO
Leonardo Nunes
ASSISTÊNCIA DE COMUNICAÇÃO
Estúdio Cais
INFOGRÁFICO
Marina Castilho
DESIGN & DESENVOLVIMENTO