A agenda ESG é uma oportunidade para avançarmos no enfrentamento aos desafios socioambientais e na transformação da sociedade? O Especial redeGIFE de setembro busca responder a essa pergunta, abordando as oportunidades e os desafios na relação entre o investimento social, negócios de impacto e o ESG.
A pandemia de Covid-19 explicitou que é impossível atuar em qualquer área ignorando a necessidade de unir esforços entre setores para enfrentar questões que estruturam a sociedade e reproduzem, diariamente, desigualdades que violam direitos e interferem na qualidade de vida de milhares de brasileiros.
Esse cenário ficou mais evidente, sobretudo, com o protagonismo de empresas na doação de recursos financeiros, itens de higiene, cestas de alimentos e equipamentos de saúde e proteção no enfrentamento à emergência.
De acordo com o Monitor das Doações COVID-19, ferramenta criada pela Associação Brasileira de Captadores de Recursos (ABCR) para apurar o montante doado para combater os efeitos da pandemia no Brasil, o setor empresarial foi responsável por 85,41% dos mais de R$ 7 bilhões contabilizados até o mês de setembro de 2021.
Tal protagonismo vem ao encontro do fato de que essas instituições têm sido cada vez mais tensionadas por consumidores, acionistas, investidores e demais stakeholders por uma maior responsabilidade social corporativa. São cobranças que demandam uma atuação não apartada dos desafios presentes na sociedade, em uma busca que alie o lucro a soluções que, além de afirmativas, promovam reais transformações.
A pandemia, portanto, intensificou e expandiu um debate antigo, dando a ele o nome de ESG. Da sigla em inglês Environmental, Social and Governance, a agenda reúne o tripé Ambiental, Social e de Governança da pauta da sustentabilidade e converge com outras, como a dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e a dos Investimentos e Negócios de Impacto.
Investidores que buscam atuar de acordo com os pilares do ESG observam as ações das empresas a partir de uma lente socioambiental e de governança para tomar decisões sobre seus aportes.
Especialistas apontam que uma empresa que segue critérios claros da agenda ESG tende a correr menos riscos associados à sua imagem o que, aos olhos de um investidor, pode significar a junção entre retorno financeiro e impacto positivo.
Por outro lado, as empresas buscam se adequar ao ESG modificando ou adaptando práticas já existentes e/ou adotando novas estratégias e ações na direção de um ambiente corporativo que considere não apenas seu impacto no meio ambiente – como a geração de resíduos ou emissão de gases -, mas também o bem-estar e a saúde de todos os colaboradores e fornecedores, além de questões relacionadas à governança empresarial, como o aumento da representatividade de mulheres e pessoas negras, por exemplo, em conselhos e posições de liderança.
Iniciativas como Capitalismo Consciente e Imperative 21 mostram que as corporações que estão se reinventando encorajam outras instituições a repensarem suas ações e a sociedade civil a se engajar cada vez mais, preocupando-se com a ética e o modo como opera toda sua cadeia de valor.
Movimento global criado nos Estados Unidos. A prática baseia-se em quatro pilares: propósito maior, cultura consciente, liderança consciente e orientação para stakeholders.
Coalizão global formada por mais de 72 mil empresas em 80 países e 150 indústrias, com a visão de que a economia nunca estará funcionando em seu pleno potencial de geração de valor em um sistema em que os incentivos e a cultura vigente não estão alinhados a uma visão mais sustentável.
Desde 2020, muito tem se discutido sobre a importância de uma recuperação econômica mais verde, que considere as necessidades e os cuidados com o planeta. Entretanto, a complexidade da agenda ESG não se limita ao meio ambiente e à redução de emissões de carbono como uma estratégia para controlar as mudanças climáticas. A pandemia reforçou, principalmente, o pilar ‘social’ da sigla, com claras mostras de que é necessário mirar e combater as desigualdades para que o país prospere e avance.
Um indicativo desse cenário de diferenças entre brancos e pretos, ricos e pobres, homens e mulheres está no relatório O Vírus da Desigualdade, da Oxfam Brasil, que aponta que as mil pessoas bilionárias do mundo levaram apenas nove meses – entre março e dezembro de 2020 – para recuperar-se financeiramente do que perderam na pandemia, enquanto os mais pobres podem levar ao menos 14 anos.
Pesquisas apontam que, durante a pandemia, morreram mais negros do que brancos em razão da Covid-19.
14,6 milhões de pessoas estão desempregadas no Brasil, segundo dados do IBGE.
Se homens e mulheres estivessem representados igualmente, cerca de 112 milhões de mulheres não estariam sob o risco de perder sua renda e sustento. O sub-emprego é maior entre elas, assim como a execução de trabalhos precarizados.
125,6 milhões de brasileiros passaram por situação de insegurança alimentar no último trimestre de 2020. Os dados são da pesquisa "Efeitos da pandemia na alimentação e na situação da segurança alimentar no Brasil".
Além de serem as maiores responsabilizadas por tarefas da casa e cuidado com os filhos, as mulheres são as que mais desempenham o trabalho de cuidado, em muitos casos não remunerado e que pode retirá-la do mercado de trabalho formal.
Diferentemente de empresas que buscam adotar critérios ESG para, entre outras motivações, reduzir possíveis efeitos negativos no planeta em decorrência de sua atuação, os negócios de impacto já são criados com a intenção de propor soluções e caminhos a desafios como educação, saúde, segurança, acesso à água e saneamento, entre tantos outros.
A temática é dedicada a uma das redes temáticas do GIFE, criada em 2016 com o propósito de aproximar os investidores sociais privados de uma nova estratégia para solucionar desafios, gerando valor social e ambiental, além do econômico.
A interface com esses negócios na busca por soluções condizentes aos pilares ambiental, social e de governança pode trazer inúmeros benefícios e novos olhares sobre desafios antigos.
Leonardo Letelier, fundador e CEO da SITAWI Finanças do Bem, explica que em todas as ocasiões em que há uma interação entre diferentes setores e áreas, há a possibilidade de aprendizado, que é potencializada quando os atores em questão contam com objetivos semelhantes.
“Se você, dentro da sua empresa, está querendo incorporar questões de impacto socioambiental e conversa com alguma organização que faz isso como core business, acredito que as oportunidades de aprendizagem são muito mais relevantes e tangíveis.”
Do lado das empresas, ele defende que adotar princípios ESG não se limita a ‘escrevê-los em um papel e colar na parede’, mas sim usá-los como norteadores na alteração de ações internas e externas. No âmbito externo, uma das opções é buscar novos parceiros, sejam organizações da sociedade civil, negócios ou investidores de impacto. No caso deste último, eles encontram nas empresas que estão buscando adotar critérios ESG, figuras que desejam mover o mundo em uma mesma direção, como explica Leonardo.
“Essa relação tem muitos ganhos, mas também precisamos falar dos riscos. Não deve-se enxergar OSCs ou negócios de impacto como meros fornecedores. Além disso, outro risco é tentar fazer com que o setor social se comporte como negócio. Principalmente com a pandemia de Covid, ficou evidente que o setor social tem um papel importante para desempenhar na sociedade.”
O alinhamento entre o investimento social e o negócio é uma tendência percebida pelo menos desde 2009. Desde então, é possível notar uma maior aproximação e diálogo entre os movimentos de responsabilidade social empresarial e sustentabilidade na atuação de institutos e fundações, principalmente entre organizações de origem empresarial.
De acordo com dados do Censo GIFE 2018, 44% dos respondentes perceberam que o alinhamento entre o Investimento Social Privado (ISP) e o negócio das empresas mantenedoras aumentou nos últimos anos. Segundo a pesquisa, ainda que 43% dos respondentes orientem seu planejamento e atuação pela percepção de que há um crescimento na cobrança na sociedade sobre a atuação das empresas, uma parcela menor de organizações (39%) o faz a partir do entendimento de que o investimento social favorece e qualifica a aproximação de empresas com causas e demandas da sociedade, influenciando decisões de negócio.
O assunto é perpassado por uma multiplicidade de desafios, como as diferentes interpretações sobre o que significa alinhar o ISP ao negócio, a discussão sobre os papéis e os lugares institucionais de institutos e fundações no ambiente empresarial, bem como indagações sobre as motivações do investimento social, como aponta a publicação Alinhamento entre o investimento social privado e o negócio, volume que integra a série Temas do Investimento Social, produzida pelo GIFE.
Outro ponto de atenção é o papel que as organizações do ISP e também da sociedade civil podem, em alguns casos, passar a desempenhar nessa interface com o negócio. A ideia não é encarar institutos, fundações e OSCs como executoras de projetos, mas sim como instituições que têm conhecimentos, experiências acumuladas e expertise para debater e propor os melhores caminhos de ação junto às empresas mantenedoras.
Para Leonardo, um risco é deixar de ser uma parceria para se tornar uma relação entre cliente e fornecedor, abrindo mão de todo ganho que essa interface poderia trazer. “É necessário ter cuidado e respeito e não tratar a outra organização como objeto do seu objetivo ou como uma peça dentro da sua lógica, mas sim como um ator que tem sua própria dinâmica para poder construir junto.”
Os mais de 25 anos de trajetória do GIFE como plataforma que reúne representantes do investimento social privado brasileiro não deixam mentir: o ISP tem longa experiência com uma atuação em prol da melhoria de indicadores ambientais, sociais e de governança. O Censo GIFE, realizado a cada dois anos, mostra as diversas áreas de interesse e atuação de institutos, fundações e empresas.
No atual cenário de ascensão do debate sobre ESG, especialistas reforçam que os conhecimentos acumulados pelo setor podem ajudar a direcionar a atuação e, em muitos casos, a adequação aos critérios de sustentabilidade.
Para isso, entretanto, é importante considerar a importância e o protagonismo de processos colaborativos entre diferentes setores que podem compartilhar experiências entre si e, assim, criarem novas soluções e oportunidades.
Esse foi um dos assuntos debatidos no quarto episódio do Podcast GIFE, que aborda a relação do investimento social privado com a pauta ESG e de Investimentos e Negócios de Impacto (INIs). O debate foi mediado por Leonardo Letelier, fundador e CEO da SITAWI – Finanças do Bem, e contou com a participação de Luana Maia, diretora de operações e planejamento estratégico do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS); Angela Dannemann, superintendente do Itaú Social; e Danielle Fiabane, consultora em filantropia familiar e empresarial.
“Se você, dentro da sua empresa, está querendo incorporar questões de impacto socioambiental e conversa com alguma organização que faz isso como core business, acredito que as oportunidades de aprendizagem são muito mais relevantes e tangíveis.”
Do lado das empresas, ele defende que adotar princípios ESG não se limita a ‘escrevê-los em um papel e colar na parede’, mas sim usá-los como norteadores na alteração de ações internas e externas. No âmbito externo, uma das opções é buscar novos parceiros, sejam organizações da sociedade civil, negócios ou investidores de impacto. No caso deste último, eles encontram nas empresas que estão buscando adotar critérios ESG, figuras que desejam mover o mundo em uma mesma direção, como explica Leonardo.
“Essa relação tem muitos ganhos, mas também precisamos falar dos riscos. Não deve-se enxergar OSCs ou negócios de impacto como meros fornecedores. Além disso, outro risco é tentar fazer com que o setor social se comporte como negócio. Principalmente com a pandemia de Covid, ficou evidente que o setor social tem um papel importante para desempenhar na sociedade.”
A seguir, confira destaques do bate-papo:
Natália Passafaro
COORDENAÇÃO DE COMUNICAÇÃO
Leonardo Nunes
ASSISTÊNCIA DE COMUNICAÇÃO
Estúdio Cais
REPORTAGEM/TEXTO
Estúdio Cais
PODCAST
Marina Castilho
DESIGN & DESENVOLVIMENTO