Mais de 1400 lideranças mundiais em filantropia estiveram presentes na Conferência Anual da Council on Foundations, de 08 a 12 de abril, em Washington (EUA), com a proposta de trocar experiências e disseminar novos instrumentos necessários para que as organizações filantrópicas possam melhorar e sustentar a sua capacidade de promover o bem comum.

O foco do evento deste ano foi o de chamar a atenção para o papel da filantropia como um ator fundamental no esforço coletivo para abordar alguns dos principais desafios da atualidade.

O GIFE esteve presente mais uma vez no encontro e pode acompanhar de perto as várias discussões que aconteceram nos workshops, palestras e plenárias ao longo da semana. Marisa Ohashi, gerente de Planejamento e Operações do GIFE, destaca que foi um momento relevante para encontrar atores do campo e fazer conexões, parcerias e compartilhar a experiência do GIFE.

“Para nós, é essencial estarmos atento ao que está acontecendo no universo da filantropia e investimento social em todos os lugares. Essa importância reside tanto do ponto de vista de ter acesso a novos conteúdos – com as principais discussões, tendências e preocupações do campo – como também saber de que forma a COF – que é uma organização de fundações – está propondo as discussões no setor e para seus associados, a fim de que possamos conhecer novas experiências e melhorar nossa forma de operar aqui no Brasil”, destaca Marisa, lembrando que o evento é reconhecido justamente por pautar as principais questões do campo.

A conferência deste ano teve como tema central o “Futuro da Comunidade – Identidade, Propósito e Lugar”,  e discutiu estratégicas, investimentos e colaborações que possam impactar as comunidades de amanhã. A proposta foi debater e compreender os limites contemporâneos que compõem as comunidades, assim como as motivações para atuação conjunta, independentemente da proximidade, além do impacto direto que três questões têm sobre a saúde e o bem-estar das comunidades globais:  educação e conhecimento aplicado ; mudanças climáticas e reforma da justiça.

Em relação ao primeiro tema, as sessões da conferência analisaram os esforços que fundações e institutos tem feito em investir em iniciativas que visam preparar a juventude, principalmente, para o desenvolvimento e aquisição de competências essenciais para os desafios atuais, bem como melhorar as instituições de ensino existentes.

Já no que diz respeito às mudanças climáticas, as atividades buscaram discutir a capacidade do setor filantrópico em catalisar a inovação, desenvolver parcerias público-privada e engajamento cívico para combater os desafios colocados nesta área. E, por fim, sobre a temática de reforma da justiça, os olhares estiveram voltados para a possibilidade dos investidores sociais em apoiar ações que possam alterar de forma significativa o atual sistema de justiça, sobretudo criminal que faz dos Estados Unidos a maior população carcerária do mundo.

Nos debates e análise de estudos de caso, foram discutidas também questões como: investimento de impacto, desafio migratório, modelos tributários, governança digital, implementação dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), poder das organizações comunitárias, o papel dos Conselhos na construção de conexões, entre outras.

Filantropia para a mudança

Vikki Spruill, presidente e CEO da Council on Foundations, em seu discurso de abertura, ressaltou a importância da filantropia para ajudar a superar os desafios colocados às comunidades, não importando o tamanho, a missão ou interesse da instituição, tendo em vista que todos compartilham de um denominador comum, que é o desejo de promover o bem comum.

“A filantropia é especialmente adequada para promover as ligações e não as divisões. Sem as pressões de uma eleição ou ciclo de negócios, temos a oportunidade de oferecer soluções que outros não podem. Acredito que ela faz uma verdadeira mudança possível em um mundo em mudança, e, ao mesmo tempo, fornece a vitalidade para o longo prazo das comunidades. A filantropia é levada a criar um impacto significativo, usando uma grande variedade de ferramentas. Nós somos capazes de resistir a pressões partidárias e interesses privados passados. Essa independência proporciona benefício social indispensável e faz da filantropia um alicerce da sociedade, uma força crítica civil por uma mudança positiva nas comunidades em todo o mundo. O lugar de filantropia é entre aqueles que querem construir um mundo que seja sustentável, seguro e mais justo”, disse.

Vikki Spruill destacou ainda a importância das fundações e institutos em reconhecer as diferenças e trabalhar desta forma, atuando de uma forma cada vez mais transparente e clara para gerar confiança na sociedade, com a responsabilidade de um olhar focado nas comunidades com as quais se relaciona.

Ao final, convocou os líderes a atuarem juntos para fortalecer a filantropia, encontrando pontos em comum para determinar o caminho a seguir. “É preciso estabelecer comunhão na promoção do bem e reconhecer o papel singular que você exerce para promover harmonia com os seus beneficiários. Encontrar comunhão no sentido de garantir a sustentabilidade da filantropia, ao mesmo tempo que sofre mudança. Encontrar comunhão em cultivar novos e diversos líderes, para o nosso campo. E talvez o mais importante, temos de encontrar comunhão na luta contra problemas difíceis e sistêmicos da nossa sociedade”, convocou.

Inovação

Iara Rolnik, gerente de conhecimento do GIFE, destaca que entre os pontos-fortes da conferência estão as diversas discussões a respeito do uso da informação e do futuro de dados no terceiro setor. Lucy Bernholz, da Universidade de Stanford, foi uma das debatedoras do tema e, em sua plenária, alertou para o fato das organizações da sociedade civil se utilizarem muito de informações digitais e criarem suas ações baseadas nesses dados, mas não estabelecerem nenhum tipo de política de proteção do que é compartilhado. Na ocasião, ela ressaltou que as organizações sem fins lucrativos precisam aprender a proteger as informações referentes às suas ações, beneficiados, parceiros, programas etc., pois isso têm impacto enorme no universo digital como um todo, sobretudo no uso indevido da informação, sobre o que é preciso cautela.

Pensando em ajudar as organizações a criar as suas políticas de proteção de dados, a Universidade de Stanford, da qual Lucy é pesquisadora, criou o digitalIMPACT.io, uma plataforma para apoiar organizações da sociedade civil na utilização de dados digitais de forma ética, segura e eficaz. O conteúdo e as ferramentas no site, com cases e aplicações práticas, vêm de parceiros sem fins lucrativos e fundações. Entre as várias recomendações, o guia é baseado em três princípios centrais que são: (i) foco nas pessoas e no consentimento; (ii) mínima coleta de dados disponíveis e (iii) plano de disponibilização e compartilhamento de informações (tornar informações e achados disponíveis).

Os organizadores da ferramenta destacam que, embora os dados digitais possam ajudar no trabalho realizado no setor social, eles também levantam novos desafios, pois podem ser vistos tanto como ativos como passivos, mas que estão no centro das grandes discussões atuais.

Outro debate que chamou a atenção das representantes do GIFE durante o evento foi a discussão sobre o modelo jurídico da LLC (Limited Liability Company), utilizado por Pricilla Chan e Mark Zuckerberg – criador do Facebook – para estruturar a ação filantrópica do casal.

Trata-se de uma estrutura jurídica que combina a tributação/repasse de uma parceria ou sociedade unipessoal com a responsabilidade limitada de uma corporação. Este método de filantropia é bastante diferente da estruturação por meio de uma fundação privada tradicional que, aparentemente, não satisfez os desejos do modelo de ação filantrópica imaginado pelo casal.  Além do maior controle sobre ações e resultados por meio de um sistema de governança específico (com menos exigências de diálogo público, por exemplo), maior flexibilidade para criatividade e impacto, o modelo escolhido se difere do modelo das fundações privadas ao permitir uma série de outras potencialidades que se ajustaram ao modelo de filantropia desenhado pela família, tais como melhor capacidade de interferência em ações de advocacy (um dos focos do casal é atuar em advocacy na área de comunicação), parcerias mais flexíveis e amplas, outras formas de accountability entre muitos outros aspectos.

“Foi muito interessante conhecer mais sobre esse modelo, que pode vir a ser uma tendência no universo filantrópico. Apesar de não ser um modelo jurídico novo, ao ser adotado como meio de ação filantrópica, pode pautar toda uma nova geração de investidores muitos menos interessada em benefícios fiscais e na discussão pública de seus projetos e ações e mais sobre o controle, impacto e resultado. Temos que trazer essa discussão para o Brasil”, ressalta a gerente de Conhecimento do GIFE.

Ideias

Confira algumas ideias compartilhadas pelos debatedores ao longo da Conferência:

“Investir na identidade é um investimento no seu lugar” – Nick Tilsen, diretor executivo do Thunder Valley Community Development Corporation.

“Dois terços de todos os trabalhos que estão sendo criados hoje requerem alguma forma de educação pós-secundária” – Jamie Merisotis, CEO da Fundação Lumina.

“É um imperativo moral reconhecer o quanto mais difícil é para entrar na classe média do que foi para as gerações anteriores e criar novos caminhos” – Michael R. Strain, diretor adjunto de Estudos de Política Econômica e Residência Escolar da American Enterprise Institute.

“Nossas comunidades funcionam melhor quando elas atuam em conjunto” – Tammy Morris, CEO da Grand Island Community Foundation.

“Todos nós temos um papel a desempenhar em trazer a próxima geração para a força de trabalho” – Kerry Sullivan, presidente do Bank of America Charitable Foundation.

Informação

A Council on Foundations conta com uma página no Facebook na qual podem ser conferidos todos os vídeos das atividades realizadas durante o evento. Clique aqui para conhecer. Outras notícias podem ser lidas também no site.