Cursinhos populares abrem as portas do ensino superior a jovens da periferia

Por: Fundação FEAC| Notícias| 29/04/2024

A educação é um direito garantido pela Constituição, mas chegar ao ensino superior ainda é um desafio para os jovens brasileiros. Três quartos da população de 18 a 24 anos estão fora das universidades e faculdades, mostra o levantamento mais recente do IBGE sobre o tema, a Síntese de Indicadores Sociais. O número, por si só desalentador, ainda embute uma intensa desigualdade. Entre os mais pobres, menos de um em cada dez jovens está no ensino superior; entre os mais ricos, a proporção sobe para quase seis em cada dez.

Uma das estratégias para reduzir essa diferença são os cursinhos populares, que oferecem vagas gratuitas aos vestibulandos de baixa renda. A Fundação FEAC apoia cinco deles em Campinas, com recursos que ajudam a:

  • Pagar professores
  • Comprar materiais (como projetores e impressoras)
  • Custear o transporte e a alimentação dos alunos, para evitar que abandonem os estudos

O primeiro universitário da família

Só até fevereiro deste ano, nas primeiras chamadas dos convocados, os cursinhos da região haviam ajudado a colocar cerca de 70 vestibulandos em universidades. Quase todos passaram em instituições mais concorridas, como Unicamp, USP, Unesp e algumas federais.

São jovens como Victor Hugo Vinícius dos Santos (na foto abaixo), de 18 anos, que mora no Jardim Esmeraldina, em Campinas, com o pai, a mãe, dois irmãos e a avó. Em fevereiro, ele começou a cursar Letras na Unicamp. Também passou na Unesp, em biologia, e em enfermagem, na Universidade Federal Fluminense. É o primeiro da família a entrar numa universidade: o pai, motorista de ônibus, concluiu o ensino médio; a mãe, merendeira, nem chegou a terminar essa etapa. “Se dependesse só de mim mesmo para estudar, não teria passado. Minha família nunca teria condições de pagar um cursinho particular”, diz ele.

Iniciativas desse tipo surgiram ainda nos anos 1950, afirma Josely Rimoli, idealizadora e coordenadora do Colmeias, programa da Unicamp para cursinhos populares. Eles cresceram na década de 1990 e ganharam mesmo força a partir dos anos 2000. “Enquanto o ensino médio não for de qualidade, eles são necessários”, avalia.

O problema, porém, não se limita à qualidade do ensino. Desigualdades sociais e aspectos geracionais também ajudam a afastar alguns jovens das universidades. “Os filhos de pais e mães que cursaram ensino superior veem que eles conseguem emprego, os parentes estimulam o estudo”, observa Rimoli. “Já a grande maioria dos estudantes dos cursinhos populares não tem um familiar que passou na universidade. Alguns anos atrás, o nosso maior problema era obter apoio das famílias, porque os pais queriam tirar os filhos do cursinho para trabalhar”, contrapõe.

A trajetória de Victor indica que os cursinhos podem contribuir para transformar não só a história dos jovens. “Depois que fui aprovado, minha mãe e uma prima também querem fazer faculdade. Já estão procurando um supletivo para terminar o ensino médio.”

Como é a rede de cursinhos populares da Unicamp?

Victor estudou no cursinho popular Marielle Franco, que integra o Colmeias, projeto nascido pequeno em Limeira, em 2010, por iniciativa de professores da Unicamp, e que chegou a Campinas em 2022, quando se tornou um programa de extensão da universidade. Desde então, conta com o apoio da FEAC.

  •  A estrutura – Dez cursinhos, entre pré-vestibulares e pré-vestibulinhos (voltados à aprovação em colégios técnicos).
  • O público-alvo – Estudantes de escola pública com renda familiar de até 1,5 salário mínimo por pessoa (R$ 2.118,00 em 2024).
  • Os professores – Quase todos são alunos de graduação ou pós-graduação da Unicamp. Alguns, aliás, entraram na universidade por meio dos cursinhos populares.
  • A verba – A Unicamp destina R$ 853 mil anuais aos cursinhos. “O programa está no orçamento da universidade, então é uma atividade contínua”, destaca Rimoli.

  • O acolhimento: O trabalho envolve não apenas ensino, mas também respaldo emocional — é o que a coordenadora chama de “modo Colmeias”. Algo crucial para adolescentes que frequentemente se deparam com notas ruins nas primeiras avaliações. Victor, por exemplo, destaca a importância de uma professora de Literatura, Cecília Marcon, que lhe estimulou muito. “Ela disse que me ajudaria no que precisasse e que tudo ia dar certo. O cursinho foi fundamental para os estudos, com informações e, principalmente, apoio emocional”, comenta.
  • Os resultados – Em 2023, o programa atendeu 595 estudantes nos cursos pré-vestibulares presenciais. Até fevereiro, eram 66 aprovados e 97 aprovações (um aluno pode passar em mais de um curso, como aconteceu com Victor). Isso significa um aprovado a cada nove matriculados (no último vestibular da Unicamp, havia uma vaga para cada 25 inscritos).

Como a FEAC apoia os cursinhos populares?

“A gente sempre soube que em Campinas havia um número expressivo de cursinhos populares, iniciativas de pessoas do bairro, de jovens estudantes e professores. Então, procuramos potencializar e fortalecer esses projetos”, diz Rafaela Canela, analista de projetos da FEAC.

O apoio tem as seguintes características:

  •  O ponto de partida – Os alunos não precisam apenas de cursinhos gratuitos – precisam também de condições para se manter neles.
  • A parceria – Em novembro de 2022, a FEAC firmou acordo com a Fundação de Desenvolvimento da Unicamp (Funcamp) e a Pró-reitoria de Extensão e Cultura (Proec), responsável pela gestão do Colmeias.
  • O objetivo – Ampliar o acesso e a permanência de jovens periféricos nos cursinhos populares. “A evasão nesses cursos é muito grande”, reconhece Rafaela Canela. Por isso, a parceria inclui dinheiro para passe e alimentação.
  • O investimento – São R$ 387 mil ao longo de 24 meses.
  • A abrangência – Cinco cursinhos pré-vestibulinhos e pré-vestibulares do Colmeias em Campinas: Herbert de Souza, Proceu, Malunga, Marielle Franco e Responsa.
  • O efeito multiplicador – A ideia é que a Funcamp possa transferir para outros cursinhos as lições aprendidas: metodologia de ensino, modos de acessar recursos, como fazer uma gestão mais eficiente.

Esse apoio foi fundamental para o futuro universitário Victor. Estudante do Colégio Técnico Bento Quirino em período integral, ele conta que sua rotina começava às 6h, quando saía de casa, e terminava às 23h, após as aulas no cursinho. “Eu não seria aprovado sem as aulas gratuitas e sem o apoio com o passe e a comida. Para chegar ao cursinho e depois voltar para casa, pegava dois ônibus. Meus pais não teriam como pagar esse transporte. Como passava o dia todo fora, minha janta era a refeição que ofereciam lá.”

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