Encontro discute os “Cenários Transformadores da Educação Básica”

Por: GIFE| Notícias| 23/05/2016

Quais caminhos a educação no Brasil irá tomar e como estará em 2032, justamente 100 anos após o “Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova”, documento que enfatizava a importância da reconstrução educacional no país?

Difícil de responder a essa questão? Um grupo diverso, formado por professores, alunos, diretores, gestores, diretores de institutos e fundações que atuam na área, entre outros atores sociais, tomou para si essa tarefa e construiu quatro possíveis cenários futuros para a educação do Brasil.

O material conhecido como “Cenários Transformadores da Educação Básica” foi apresentado em mais um encontro em São Paulo, promovido no dia 17 de maio, com investidores sociais e interessados no tema, para debater as oportunidades e desafios na área.

O material foi produzido a partir uma metodologia inovadora, utilizada há 20 anos em diversos locais do mundo na abordagem de realidades e questões complexas, com a proposta de reunir pessoas para que possam construir, juntas, histórias de futuro sobre algum sistema. Para a elaboração dos Cenários, foi formado um Grupo Convocador, formado por representantes do GIFE, Todos Pela Educação, Ação Educativa, Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed) e União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), que norteou as discussões iniciais.

O grupo foi o responsável por indicar 71 pessoas da área que foram entrevistadas e contribuíram com vários insumos para o processo. Além disso, num segundo momento, as oficinas de construção coletiva dos cenários para a Educação Básica reuniram um grupo de 41 pessoas, formados por diferentes atores sociais, como apontado anteriormente.

Ao final do processo, foram elaboradas quatro histórias possíveis de cenários para a educação. “Eles não são previsões ou desejos, mas expressam possibilidades, desafios, alertas e riscos para a educação brasileira. São insumos de perspectivas que qualificam o debate, dá abertura para refletir sobre que tipo de educação que se quer para o país e ajudam as organizações a traçarem melhores estratégias para a área, olhando o campo de uma forma mais sistêmica”, comentou Christel Scholten, diretora da Reos.

Andre Degenszajn, secretário geral do GIFE, lembrou no início do encontro, que os “Cenários” são pontos de partida para instigar reflexões, a fim de enriquecer e estimular o debate público sobre a educação básica no Brasil, podendo gerar muitos outros desdobramentos.

Para a construção dos quatro cenários, foram definidos critérios principais. Assim, eles precisavam ser: relevantes, desafiadores, plausíveis e claros. Além disso, cada um dos cenários trata alguns temas a partir de perspectivas diferentes. Os elementos diferenciadores são: diversidade e desigualdades; papel do Estado; modelo de gestão; participação e controle social; balanço público-privado; e concepção de educação.

“O grupo elencou muitas incertezas até lá. Mas, entre as certezas que o grupo identificou para 2032 e que impactará na educação, estão: a desigualdade continuará existindo no Brasil; haverá um rápido envelhecimento da população; muitas mudanças climáticas irão ocorrer; e a tecnologia e a conectividade só irão aumentar”, explicou Christel.

Cenários

A Equipe de Cenários os batizou inspirada por pássaros encontrados no Brasil: Canário-da-TerraBeija-FlorFalcão-Peregrino e Tico-Tico. Durante o encontro, os participantes puderam conhecer um pouco mais sobre cada um dos cenários, apresentados por especialistas convidados.

André Lázaro, diretor da Fundação Santillana, compartilhou com os presentes o cenário Canário-da-Terra. Ele lembrou que esse cenário combinou a satisfação da construção do PNE (Plano Nacional de Educação), com os limites que um plano coletivo possa ter. Nesse futuro traçado, há uma diminuição sensível das desigualdades educacionais, mas persistem as demais. Não se consegue superar a descriminalização e o preconceito. Há um processo de inclusão educacional, mas o modelo continua muito eurocêntrico.

Além disso, a participação e o controle social existem e o Estado exerce um papel importante, conseguindo superar a descontinuidade das políticas por conta do PNE. Mas, a concepção da educação é muito formal e ela não se alimenta das inovações. Há regras claras para o setor privado, com o aumento da demanda da classe média na escola pública. “Acredito que o que nos faltou mapear é essa visão conservadora que vem ganhando força no legislativo. Não captamos essa tendência. Mas, ela tem mostrado vigor”, comentou André Lázaro.

Denise Carreira, coordenadora da área de Educação da Ação Educativa, apresentou o cenário Beija-Flor, destacando que a palavra-chave é “inovação”, com a capacidade de experimentação pedagógica, na diversificação do conhecimento, tendo os estudantes como sujeitos. “Trata-se de um futuro muito ligado às novas tecnologias e à sustentabilidade, por isso aponta para uma escola mais enraizada no território, mais parceira da comunidade e antenada às mudanças”, explicou.

Essa inovação valoriza o conhecimento e os diferentes saberes, que partem de todos os lugares. Porém, não considera o país desigual e a necessidade de se enfrentar isso. Neste contexto, há um Estado forte, com políticas públicas estatais e não estatais, e que reconhece o papel da sociedade civil.

Entre os riscos estão a fragmentação, com várias experiências que não dialogam, e podem acirrar as desigualdades. Além disso, a relação público-privada exige uma forte regulação para que as instituições públicas não sejam dominadas por interesses privados.

Já no cenário Falcão-Peregrino, apresentado por Ricardo Henriques, superintendente do Instituto Unibanco, o Estado se apresenta como regulador e organizador muito forte e o campo tradicional da participação é remetido para a resistência.

Neste futuro, se radicaliza a noção de desenvolvimento: o que é fundamental para a mobilidade da sociedade é a preparação para o mercado de trabalho. Há uma visão produtivista e redução dos direitos, girando em torno de métricas que são isoladas no campo da proficiência. Assim, a ideia de uma educação de qualidade para todos passa a ser secundária. O que interessa é a qualidade para os que lá estão: a dimensão da equidade deixa de ser relevante.

Por fim, a Anna Penido, diretora executiva do Inspirare, trouxe para o debate o cenário Tico-Tico, fazendo uma relação deste com o pássaro, que pula pula e não sai do lugar: “Ou seja, não é que não aja movimento neste cenário, mas ele não impulsiona para avanços importantes. E porque isso vai acontecendo? Pois trata-se de um ensino desinteressante, que gera um afastamento dos próprios professores, ao mesmo tempo que afasta os alunos, e estes vão se descolando da realidade da escola”, ressaltou.

Há também uma distância da comunidade, pois esta percebe que as instâncias formais são mais figurativas do que ativas. O resultado é o acirramento das desigualdades.

Nesse cenário, as forças contrárias e conservadoras ganham espaço e a parceria público-privada é funcional, no qual o privado é vendedor de sistemas, materiais didáticos etc e não há construção conjunta. Há uma preocupação em relação ao papel do Estado neste cenário: ele é refém dos interesses econômicos?

Impactos

 Mas, afinal, como ficam estes cenários, que começaram a ser construídos em 2014, diante da nova conjuntura política, econômica e social do país em 2016? Qual cenário tem prevalecido? Quais os riscos eminentes se optarmos por determinados caminhos?

Os especialistas ressaltaram que, de fato, valores pelos quais o grupo tomou como ponto de partida para a elaboração dos cenários como, por exemplo, a ‘educação de qualidade é direito de todos’, estão sendo colocados em cheque e com extrema radicalidade.

Na opinião de Ricardo Henriques, essa dimensão de retrocesso de alguns valores não é uma questão somente de conjuntura, mas que vem se apresentando em várias situações cotidianas, o que demonstra que numa sociedade tão desigual como o Brasil nenhum direito parece ser irreversível. “Essa ideia da irrelevância da educação está tanto na ‘esquerda’ quanto na ‘direita’. Mas, se mantivermos a discussão assim tão polarizada vamos perder o debate”, acredita.

Para Anna Penido, diante deste quinto cenário inesperado que se coloca atualmente, é preciso que, inspirados pelos riscos e oportunidades dos quatro cenários criados, dizer qual é o projeto que a sociedade não quer abrir mão, independente de qualquer crise. “Precisamos dizer o que queremos tornar irreversível, por mais difícil que possa ser. Estamos no momento de buscar o inegociável”, apontou.

ISP

E quais seriam então as oportunidades, riscos e implicações que esses cenários apresentam para as estratégias e ações dos institutos, fundações e organizações que trabalham com a educação no Brasil?

Para Denise Carreira, diante de tantas incertezas vivenciadas pelo Brasil, é essencial que investidores sociais tenham um posicionamento muito preciso da necessidade de defender a manutenção das políticas e dos direitos constitucionais, como o  PNE.

“Os institutos e fundações têm um lugar estratégico de incidência política junto ao Estado e é muito importante que essa influência seja em defesa dos direitos já conquistados. Além disso, é fundamental que os investidores façam parte também das institucionalidades participativas para que tenham ainda mais força na tomada de decisões”, ressaltou.

Anna Penido lembrou ainda que os institutos e fundações são, muitas vezes, as instituições que conseguem dialogar com o poder público, as empresas e as comunidades, e, portanto, têm um papel decisivo na construção de pontes de diálogo, ajudando a traduzir e conectar os diversos atores neste processo.

“Precisamos pensar em algo concreto, como as  pequenas oportunidades diante de tantas crises. Outra boa aposta é dar potência e ajudar essa juventude que está aí e que tem ocupado espaço, que já diz o que não quer, mas tem dificuldade de dizer o que quer. Podemos ajudá-los a também dizer qual a educação que essa nova geração deseja e que precisa ser incluída nas conversas”, ponderou.

Caminhos

Entre os possíveis caminhos a se seguir, a coordenadora da Ação Educativa lembrou que o cenário Beija-flor é muito promissor, com o destaque para a inovação, que se apresenta em todas as instituições, sejam elas institutos e fundações, movimentos sociais ou escolas.

Além disso, se faz necessário, acredita Denise Carreira, a valorização do que é público, acabando com o discurso da desqualificação, e estabelecendo um projeto de fato para que a educação do país ajude na conquista de uma sociedade mais justa e plural.

Materiais

No site dos Cenários é possível conferir com detalhes diversos materiais a respeito, como vídeos, folhetos e cartazes, que podem ser baixados e utilizados em novos debates e reflexões. Confira aqui.

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