11 de setembro contribuiu para manter diminuição de investimento social

Por: GIFE| Notícias| 08/09/2003

MÔNICA HERCULANO
Repórter do redeGIFE

Na próxima quinta-feira, o atentado de 11 de setembro em Nova Iorque completará dois anos. Por conta desse acontecimento, especulou-se que os investimentos de organizações internacionais na área social diminuiriam fora dos EUA, entre outros motivos, devido à mobilização de recursos para a reconstrução do que foi perdido. Apesar disso, poucas foram as organizações que reduziram suas contribuições para outros programas. O episódio, na verdade, só contribuiu para a manutenção de um período de estagnação de recursos, que teve início em 1999 com as sucessivas perdas das bolsas de valores internacionais.

De acordo com um levantamento da Foundation Center, organização norte-americana sem fins lucrativos que desenvolve pesquisas sobre o terceiro setor, feito em setembro do ano passado, apenas 15,8% das instituições financiadoras diminuíram suas contribuições a outros programas depois do 11 de Setembro.

A pesquisa envolveu 333 fundações, sendo que 240 delas atuaram em ações de reestruturação pós-atentado. Do total, 94,6% afirmou que também não houve mudança de foco e estratégias de atuação. Elas enfatizaram que a queda do mercado de ações – que começou antes de setembro de 2001 -, e não a crise gerada pelos atentados, ditou as mudanças na prática de grantmaking e gerou incertezas com relação às perspectivas de financiamentos.

“”Se houve alguma queda nos investimentos de organizações internacionais na América Latina, ela ocorreu não apenas em razão do acontecimento de 11 de setembro. A economia americana já estava em declínio naquele momento e a Bolsa de Valores de Nova Iorque já sofria uma queda. Temos recuperado um pouco, mas não ainda no nível que estávamos em 1999 e 2000″”, afirma Elizabeth Leeds, assessora de programas da Fundação Ford.

Cristina Murachco e Elisa Larroudé, respectivamente presidente e vice-presidente da Associação Brasileira de Captadores de Recursos (ABCR), apontam para o fato de que, apesar das poucas quedas abruptas de financiamentos americanos a partir do atentado, o episódio reforçou uma tendência que já existia anteriormente. “”A capacidade financiadora das fontes de recursos vem sofrendo diversas complicações, e isso diminui as chances de renovação e prorrogação de financiamentos.””

Além das questões financeiras, para algumas organizações, as mudanças políticas também são preocupantes. A Care é um exemplo disso. Vânia Ferro, diretora executiva da organização no Brasil, conta que o maior problema enfrentado atualmente pelas instituições da sociedade civil é o posicionamento político. “”O governo norte-americano lançou uma lista penalizando explicitamente a Care e outras organizações por sua posição contrária à guerra.””

Ela explica que o plano de financiamento inicial das organizações internacionais que apóiam a Care Brasil segue normalmente, mas em relação a futuros financiamentos, o acesso não é tão aberto quanto antes. “”O governo Bush tem uma visão muito particular em relação aos países em desenvolvimento, que não confere com a visão das ONGs que já trabalham nesses locais há algum tempo. Existe um embate político e uma aplicação de recursos nas organizações e ações que têm mais afinidade política com o governo atual.””

Para o diretor regional para América Latina e Caribe da Fundação Kellogg, Francisco Tancredi, hoje os ideais norte-americanos são menos favoráveis ao multilateralismo e à universalidade das causas. Contudo, isso não se reflete na política de atuação das grandes fundações. “”Depois do 11 de setembro e da guerra do Iraque, a sociedade americana voltou-se mais a si própria e tornou-se mais uma potência militar do que uma líder de idéias. Isso é muito perigoso. Porém, não acredito que as grandes fundações deixem de investir na América Latina e na África por causa disso.””

Recursos locais – Privilegiar a África, inclusive, é uma das atuais tendências no financiamento a continentes do hemisfério Sul. Segundo Cristina Murachco e Elisa Larroudé isso ocorre em virtude dos quadros mundial e regional de distribuição de riquezas. “”Nas classificações do Banco Mundial e organizações coligadas, há muitos países da América Latina, inclusive o Brasil, que não se enquadram na categoria de baixa renda. Isso demonstra que a região sofre menos pela escassez de recursos do que pela desigualdade na sua distribuição.””

Onde há recursos mal distribuídos, a tendência é favorecer a mobilização de recursos locais. As dirigentes da ABCR afirmam que a diminuição dos investimentos estrangeiros obriga as organizações a buscar recursos de outras fontes, o que, de certo modo, acaba levando a uma maior mobilização de recursos locais. “”Se por um lado isso representa um desafio maior para aqueles países nos quais o investimento em causas sociais ainda não é tradição, por outro, esse desafio é benéfico, na medida em que estimula a diversificação das fontes de recursos, prática que fortalece a sustentabilidade das organizações e do terceiro setor.””

Além disso, o acesso aos investimentos norte-americanos e europeus está mais rigoroso e existe uma crescente preocupação em distribuir recursos onde houver maior falta deles. “”Além de medidas de mobilização de recursos locais, em caso de países ricos e extremamente desiguais, como o Brasil, os financiadores buscam apoiar as regiões com maior escassez de recursos””, explicam Cristina e Elisa.

Elizabeth Leeds, da Fundação Ford, acredita que a diminuição dos investimentos internacionais pode mesmo ser uma forma de incentivar os financiamentos nacionais, desde que essa diminuição seja feita gradualmente. “”Estimular as contrapartidas é uma maneira de incentivar o investimento nacional de maneira mais gradual. Isso dá oportunidade das organizações pensarem em estratégias diferentes de captação de recursos.””

Vânia Ferro conta que a Care tem como obrigação moral captar mais recursos no Brasil do que no exterior. “”Somos um país desigual, com renda mal distribuída. Os investimentos nacionais, do setor privado e das famílias mais ricas do país precisam, de fato, entrar num processo que se assemelhe ao dos países mais avançados, com maior distribuição dos recursos.””

Francisco Tancredi acredita que, quanto mais preparadas as organizações brasileiras estiverem para captar recursos aqui mesmo, mais seguras estarão para enfrentar qualquer sobressalto que ocorra. “”Depender demasiadamente lá de fora é arriscado. O Brasil é o país mais inovador, criativo e dinâmico na área social na América Latina e isso não deixa de ser um fator de atração de recursos. O doador precisa reconhecer uma base institucional segura para apoiar””, afirma o diretor da Fundação Kellogg.

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