A aposta do investimento social privado na educação

Por: GIFE| Convidado| 22/06/2016

Artigo de Ana Lima publicado no Censo GIFE 2014. Confira outros artigos e os resultados da pesquisa, aqui.

A educação tem sido, já há vários anos, a área temática com maior participação dos investidores sociais do campo privado no Brasil. De acordo com o Censo GIFE 2014 apenas 17 dos 113 (15%) associados que participaram do estudo declararam não atuar nesta área.

O desafiador cenário da educação brasileira e a aposta dos investidores sociais nas oportunidades geradas pela educação para o desenvolvimento individual e social, bem como sua potencial contribuição para a redução das desigualdades, estão entre os principais fatores mobilizadores da decisão das 96 organizações que declararam atuar nesse campo.

Apesar da alta prioridade dada pelos investidores sociais privados à educação, sua legitimidade como ator relevante neste cenário ainda não é unanimemente reconhecida. As iniciativas promovidas por fundações, institutos e empresas, em especial quando vinculadas à educação pública, não raramente enfrentam resistências que limitam sua potencial contribuição.

Muitas vezes esta resistência tem suas origens em falsos estereótipos sobre as concepções e motivações que levariam o investidor social privado – ainda mais recorrentemente quando vinculado a grupos empresariais – a destinar recursos financeiros e humanos à educação dos “menos favorecidos”.

Por outro lado, a visão do mundo privado por vezes desconhece e subestima a complexidade das questões da esfera pública e tende a propor caminhos pouco aderentes à realidade, que não respeitam a cultura, as práticas e a trajetória de quem atua cotidianamente no enfrentamento dos grandes desafios presentes na educação brasileira.

Produzir conhecimento sobre a atuação dos investidores sociais privados no campo da educação é uma forma de torná-la mais transparente, permitindo melhor compreender e mais claramente caracterizar as múltiplas abordagens adotadas e como estas se materializam em parcerias e em estratégias estruturantes das várias iniciativas em curso. Esta é a proposta deste artigo, ao consolidar informações detalhadas coletadas no Censo GIFE 2014.

É, no entanto, bastante difícil generalizar a forma de atuação dos investidores sociais privados na educação, em virtude de sua grande diversidade, a começar pelo volume de investimentos, que varia entre orçamentos de algumas centenas de milhares de reais até programas cujo investimento está na casa das centenas de milhões.

Outra distinção importante se dá entre as 48 organizações (50% das 96 que declaram atuar na área de educação) que tem como estratégia predominante a execução de seus próprios projetos, as 22 (23%) que predominantemente apoiam iniciativas de terceiros e as 26 organizações (27%) que atuam de ambas as maneiras.

Um terceiro critério distingue os 96 dos respondentes do Censo que incluem a educação entre suas áreas de atuação: enquanto 22 organizações não têm a educação como foco prioritário de seus principais programas, 77 têm pelo menos um de seus programas com foco prioritário nesta área temática.

Essas 77 organizações são a referência para, a partir das informações fornecidas sobre programas específicos, construir um panorama mais apurado das questões que envolvem a atuação dos investidores sociais privados no campo da educação.

Quase a metade (45%) dos 77 respondentes que tem programas com foco em Educação atuam na educação regular enquanto 35% deles promovem atividades que envolvem atividades extracurriculares. Menos frequentes são as iniciativas que envolvem a educação não regular (20%) e atividades de mobilização e apoio às famílias dos estudantes (19%). É ainda interessante notar que estas organizações costumam atuar em mais de uma modalidade, em média 1,8 modalidades por organização.

Os 77 respondentes que têm pelo menos um programa com foco em educação atuam em média em 2 etapas da educação básica: 62 (55%) nas séries finais do Ensino Fundamental, 58 (51%) nas séries iniciais e 53 (47%) no Ensino Médio. Esta proporção se reduz significativamente quando se considera a pré-escola, na qual atuam 25 associados (22%), e as creches, com 18 organizações (16%).

Analisando a atuação dos respondentes que realizam ou apoiam programas com foco em educação dirigidos a públicos mais velhos, identificamos 22 organizações (19%) que atuam na educação profissionalizante e 14 (12%) no Ensino Técnico. Ações voltadas para o ensino superior e a pós-graduação envolvem respectivamente 12 (11%) e 5 (4%) respondentes. A educação de jovens e adultos (EJA) é espaço de atuação para 15 (13%) organizações e a alfabetização de adultos interessa apenas 8 (7%) respondentes.

Vale ainda registrar que são apenas 3 (3%) as organizações que têm programas voltados para a educação especial.

As organizações que têm programas com foco específico na área da educação adotam uma ampla gama de linhas de ação, sendo a formação de professores a mais frequentemente presente (53%). Em segundo lugar, mas com uma representatividade bem mais baixa, aparecem as oficinas de arte-educação, que são realizadas por 35% dessas organizações. A contribuição para a melhoria da estrutura física das escolas é uma linha de ação menos frequentemente utilizada: 17% disseram instalar bibliotecas, 14% fazem doações de equipamentos, 12% fazem construção/ reforma/ manutenção de escolas e 4% instalam laboratórios de ciências.

Convidados a elencar seus 5 principais programas, as 77 organizações destacaram, em seu conjunto, 137 programas cujo foco principal é a educação. Diferentes dimensões destes programas são descritas a seguir.

Parcerias

Para o investidor social privado que atua no campo da educação, as parcerias com as redes e escolas públicas e com as organizações da sociedade civil (OSCs) que trabalham com crianças, adolescentes e jovens são um elemento essencial desde a concepção dos programas. O acesso a educadores e educandos bem como o reconhecimento da importância do papel destas instituições e de seus profissionais são fatores determinantes para essas parcerias.

Responsável por cerca de 80% das matrículas na educação básica e atendendo cerca de 45 milhões de crianças, adolescentes e jovens, a grande maioria no segmento de “baixa-renda”, a escola pública é o foco da maioria das iniciativas desenvolvidas pelos respondentes que implementam ou apoiam programas na área da educação:

  • 53% dos programas têm algum tipo de parceria com órgãos da administração pública direta, tais como as Secretarias Estaduais ou Municipais de Educação, diretorias regionais de ensino ou mesmo o Ministério da Educação;
  • 44% tem parceria direta com escolas e instituições de ensino;

Outro tipo de parceiros frequente são as organizações da sociedade civil: 40% dos programas com foco em educação atuam em parceria com OSCs / organizações comunitárias / de base e 25% tem como parceiros outras fundações e institutos do campo privado.

Ainda em relação às OSCs, são menos frequentes nesta área temática as alianças com os movimentos sociais e coletivos ou com associações de moradores (9% em cada caso).

Instituições acadêmicas e indivíduos pesquisadores são parceiros em 23% e 21% dos programas elencados. Caberia questionar se esta proporção não deveria ser mais alta exatamente por tratar-se de organizações que também têm, na educação, sua razão de ser. Essa mesma estranheza se faz presente ao se verificar que são ainda menos frequentes os programas que têm parceria com o Sistema S (4%).

Vale ainda notar que apenas 9% dos 137 programas com foco prioritário em educação não contam com nenhum tipo de parceria.

Beneficiários

Mais da metade (52%) dos programas com foco em educação definem seus beneficiários diretos como sendo as crianças, os adolescentes, os jovens e os adultos educandos que participam das iniciativas realizadas ou apoiadas pelas organizações respondentes do Censo.

Por atenderem prioritariamente crianças e adolescentes em idade escolar, a maior parte dos programas com foco em educação prioriza as faixas etárias de 0 a 11 anos e de 12 a 17 anos (respectivamente 27% e 31%). Os programas destinados aos jovens entre 18 e 29 anos representam 18% do total enquanto adultos de 30 a 64 são foco prioritário para 12% e os idosos acima dos 65 anos para apenas 3% deles.

Com relação ao perfil sociodemográfico dos beneficiários diretos dos programas com foco em educação aqui analisados, pode-se afirmar que em sua grande maioria os programas atendem universalmente os educandos nos diferentes contextos – escolares ou extraescolares – em que atuam. Com efeito, nenhum dos programas com foco em educação elencados pelos respondentes do Censo GIFE 2014 leva em consideração o gênero dos educandos como critério de participação, apenas 2 consideram o fator cor/raça e somente 3 levam em conta a condição física e mental na definição de seus beneficiários.

Já para 29% dos programas mencionados no Censo, os beneficiários diretos são os profissionais envolvidos nas iniciativas promovidas pelos programas: professores (20%), gestores escolares (12%), equipes técnicas ou de gestão das secretarias de educação (9%), gestores de organizações sociais (4%), técnicos e educadores sociais ou comunitários (8%), bibliotecários, etc.

Para 5% dos programas com foco em educação, os beneficiários seriam as próprias instituições da administração pública, secretarias de educação, unidades escolares e outras instituições de ensino, uma proporção semelhante (4%) àqueles que consideram as organizações da sociedade civil do campo privado (tais como associações, redes sociais e comunitárias) como os beneficiários diretos das ações. Já para 9% dos programas elencados – ações de comunicação, mobilização, advocacy, produção de conhecimento e pesquisa, entre outras – consideram seus beneficiários como sendo a sociedade de um modo geral.

Distribuição geográfica

Do ponto de vista da distribuição no território nacional dos programas com foco prioritário em educação 33 (24%) atuam em todo o território nacional, sem distinção. São programas que disponibilizam metodologias, tecnologias ou conteúdos educacionais por meio de diferentes plataformas de comunicação, oferecem prêmios em reconhecimento a escolas, professores ou estudantes de destaque, promovem a produção de conhecimento sobre educação ou ainda asseguram o apoio a organizações que atuam em advocacy nesse campo.

Os 104 restantes atuam, em média, em 1,7 regiões, sendo 88 (85%) no Sudeste, 34 (33%) no Nordeste, 27 (26%) no Sul, 15 (14%) no Norte e 12 (12%) no Centro-oeste. Quando comparada a distribuição geográfica dos programas de educação àquela dos programas de outras áreas temáticas verifica-se que a região Sul concentra uma maior proporção relativa enquanto as áreas Norte e Centro-oeste são proporcionalmente ainda menos atendidas.

As estratégias

Uma grande multiplicidade de estratégias – em média, 5,6 das 21 opções elencadas – vem sendo usada na concepção e implementação dos programas realizados ou apoiados pelos respondentes do Censo: oferecimento de cursos de capacitação e treinamento é a estratégia mais comumente usada. 55% dos programas o fazem, seguido por atendimento direto, promoção de eventos, seminários e palestras e publicações, estratégias usadas por cerca da metade das iniciativas.

Aproximadamente 4 em cada 10 programas fazem assessoria técnica, articulação de redes e campanhas de mobilização enquanto 3 em 10 produzem conhecimento, apoiam produções e formam lideranças.

Monitoramento e avaliação

Em que pese uma possível imprecisão na compreensão dos respondentes com relação às especificidades de cada uma das modalidades de monitoramento e avaliação, os programas com foco prioritário em educação vêm sendo acompanhados com intensidade mais alta do que os das demais áreas temáticas: 84% deles têm monitoramento e 64% têm avaliação de resultado e 24% são objeto de avaliações de impacto.

A ampla disponibilidade de dados públicos no campo da educação parece ter viabilizado a realização de uma etapa de diagnóstico inicial (definição de marco zero ou linha de base), presente em 35% das iniciativas, uma proporção bastante superior àquela encontrada em programas não voltados à educação. Por outro lado, parece faltar investimento na etapa de planejamento já que a definição a priori de um marco de resultados ou matriz de indicadores ou ainda a construção de uma teoria da mudança só foi realizada em 31% dos casos.

Tendências – O futuro imediato

Nada parece indicar mudanças significativas em um futuro próximo com relação à prioridade atribuída à área de Educação pelos respondentes do Censo. Com efeito, apenas 2 organizações (2% dos respondentes) planejam deixar de atuar na área de educação e 2 outras pretendem passar a atuar. Assim, permanece em 14% a proporção de quem não pretende atuar em educação em 2015-2016. Quanto ao volume de investimentos em ações na área da educação, 42% dos investidores sociais declararam, à época em que foi realizado o Censo GIFE 2014 que pretendem mantê-lo constante, 34% previram aumento de investimentos para suas ações nessa área e 7% planejavam permanecer na área de educação mas reduzindo seus orçamentos.

Inovação

A introdução de metodologias, práticas e estratégias de gestão inovadoras tem sido apontada como um dos espaços mais adequados para a atuação do investidor social privado, que teria mais liberdade para experimentações, dada sua atuação em menor escala.

Com efeito, nota-se que a inovação vem tendo uma incidência crescente com a incorporação pelos investidores sociais privados de alguns temas que parecem estar em fase de expansão e consolidação.

Dentre eles, destacam-se a incorporação de plataformas, ambientes e materiais didáticos interativos, que conta com o apoio crescente (passando de 25% dos respondentes que apoiavam esse tipo de proposta em 2014 para 30% no biénio 2015-2016), a educação integral (que passa de 23% para 27% no mesmo período), o desenvolvimento de habilidades socioemocionais (de 20% para 25%), a inovação nos modelos de escola e nas práticas pedagógicas (de 22% para 24%).

Nota-se, também, um crescimento significativo das ações que, alinhadas às iniciativas do poder público, procuram envolver a sociedade na implementação de políticas públicas como a implementação dos planos federal, estaduais e municipais de educação (de 19% para 22%) e o processo de definição e implantação da Base Nacional Curricular Comum, que conta com o envolvimento de 12% dos respondentes no biênio 2015-2016, com forte incremento sobre 2014, quando esta proporção era de 8%.

Já a atuação com programas de aceleração de aprendizagem se mostra mais estável (passando de 12% para 13% no período) e as iniciativas relacionadas à formação inicial de docentes mostram um ligeiro decréscimo, ao passar de 17% para 16% no período.

E com essa projeção de expectativas para um futuro mais imediato concluímos o panorama da atuação dos investidores sociais privados na área da educação, sintetizando alguns elementos que mais fortemente a caracterizam:

  • a ampla diversidade de formas de atuação, com prevalência de programas desenvolvidos pelas próprias organizações;
  • a alta incidência de parcerias com as instituições públicas de ensino, em especial dirigidas à formação de educadores;
  • a presença significativa dos associados GIFE em iniciativas educacionais extraescolares, especialmente voltadas ao atendimento direto a crianças e adolescentes em idade escolar;
  • a produção e difusão de conhecimento sobre educação;
  • a adoção de práticas de monitoramento e avaliação, embora possivelmente limitadas por uma baixa frequência de um planejamento prévio com adequada definição de objetivos e indicadores;
  • a crescente introdução de práticas inovadoras e de novos temas com incidência nas políticas públicas.

Esperando que este artigo tenha contribuído para um melhor entendimento do tema, concluímos afirmando que estes elementos apontam para uma atuação crescentemente amadurecida e qualificada das organizações associadas ao GIFE em sua interação com os desafios educacionais do país. Mas ainda é possível e necessário avançar, de modo a contribuir de maneira mais incisiva para converter em realidade as apostas feitas por todos nós nas potencialidades de uma educação de qualidade para todos os brasileiros.

 

Ana Lúcia é economista. Iniciou sua carreira de pesquisa na Itália e, a partir de 1987, no IBOPE, em São Paulo. Coordenando a área de pesquisa de mídia, ocupou-se da expansão das operações do IBOPE para doze países da América Latina. Atuando desde 2005 como diretora executiva do Instituto Paulo Montenegro (IPM) – entidade sem fins lucrativos apoiada pelas empresas do Grupo IBOPE –, Ana vem unindo sua experiência em pesquisa à vivência no campo do investimento social na produção de conhecimento sobre o setor e na gestão de programas com foco em educação e mobilização social.

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