Especialistas discutem sobre o papel do jornalismo em sociedades democráticas

Por: GIFE| 9º Congresso GIFE| 28/03/2016

A importância e o papel da comunicação na construção de uma sociedade livre e democrática é fundamental. Ter acesso à informação e à possibilidade de se expressar é essencial para exercer uma participação ativa na sociedade, garantindo também o controle social.

Mas, diante de tantas mudanças que vem ocorrendo nas últimas décadas na forma como nos comunicamos, com a chegada das novas tecnologias e novos modelos de negócios, que impacto temos sobre a imprensa? Qual tem sido a postura da mídia frente a esta nova perspectiva em que qualquer indivíduo é potencial produtor de conteúdo? A sociedade tem tido acesso a um jornalismo de fato de qualidade, que fortaleça essa democracia?

Atento a este cenário e aos diversos questionamentos que têm circulado neste campo, o GIFE estabeleceu a comunicação como uma das suas agendas estratégicas para os próximos anos, a fim de chamar a atenção do setor para a relevância da discussão. Isso gerou, inclusive, a criação de um Grupo de Trabalho de Comunicação, que tem reunido alguns associados para debater a respeito do tema.

Os questionamentos têm sido tão relevantes que o grupo traz ao Congresso GIFE um painel específico para debater O papel do jornalismo em sociedades democráticas”. A ideia é reunir especialistas e representantes de organizações que têm atuado para fortalecer o jornalismo de qualidade e possam discutir sobre os desafios e as oportunidades para o campo, a partir de um olhar de que uma sociedade mais bem informada é mais forte e estável.

À frente do painel estarão Pedro Abramovay, diretor para a América Latina & Caribe da Open Society Foundations – organização que apoia diversas iniciativas de jornalismo independente; Bruno Torturra, criador do Estúdio Fluxo e coordenador do estudo “Jornalismo em Fluxo”, um raio-X do atual estado da imprensa nacional e diretrizes para que recursos filantrópicos possam ajudar na renovação do ecossistema de imprensa no Brasil; Natalia Viana, criadora da Agência Pública, agência de reportagem e jornalismo investigativo; Leandro Beguoci, diretor editorial e de produtos da Associação Nova Escola, pertencente à Fundação Lemann; e Ricardo Gandour, membro da diretoria do Grupo Estado.

Cenário atual

Para esquentar o debate, o RedeGIFE conversou com alguns dos debatedores do painel a fim de identificar pontos de atenção para o tema.

Segundo Pedro Abramovay, um ponto importante a ser observado nesta discussão é o fato de que a imprensa sempre teve um modelo de negócio no qual era possível ser independente, pois a única maneira das empresas chegarem a seus públicos era por meio dos anúncios nos veículos de comunicação, mas estas anunciavam independentemente do conteúdo das matérias.

Porém, hoje, a imprensa não é o melhor meio de se chegar ao grande público, pois há várias outras maneiras de se estabelecer essa aproximação. “Com isso, temos uma crise de financiamento, que vira uma crise de independência. A imprensa hoje não parece ser um negócio viável, mas ela ainda tem muito poder e isso vale dinheiro. Temos aí o maior perigo, que é a imprensa ser comprada, seja pelo Estado ou por setores econômicos que querem se proteger”, ressalta.

E é neste contexto, segundo Abramovay, que se torna essencial o financiamento da imprensa independente para que ela possa desempenhar o seu papel no fortalecimento da democracia. Outro ponto fundamental na opinião do especialista é o apoio ao jornalismo investigativo, algo que tem se tornado cada vez mais raro na grande imprensa, que se dedica a uma produção mais rasa ou muito opinativa.

“O jornalismo investigativo é essencial para expor a transparência e traduzi-la em conhecimentos politicamente relevantes para a população. A imprensa tem o papel de mostrar o que as instituições não estão mostrando, algo que está sendo ameaçado se percebermos que mudou-se o cenário. Antes, os escândalos surgiam na imprensa e depois as empresas corriam para responder a eles. Agora, é o contrário. E isso é preocupante, pois não podemos ter a ilusão de que as informações divulgadas pelas instituições são completas e imparciais”, comenta.

Para o diretor da Open Society, este é um campo, inclusive, que os investidores sociais podem ajudar a fortalecer, ou seja, apoiar o fortalecimento de organizações que atuam numa produção investigativa de qualidade, como a Agência Pública e a Ponte Jornalismo, por exemplo. A primeira tem como missão produzir o que chama de “reportagens de fôlego pautadas pelo interesse público, sobre as grandes questões do país do ponto de vista da população”. Com isso, pretende fortalecer “o direito à informação, a qualificação do debate democrático e a promoção dos direitos humanos”.

O segundo exemplo é a Ponte, um portal de reportagens voltadas para a temática dos direitos humanos da desigualdade social e da violência do Estado. Além de uma equipe com nomes consagrados do jornalismo investigativo, conta com os trabalhos de uma série de colunistas. Ambas as instituições são financiadas graças ao dinheiro de fundações.

“Se achamos que a imprensa é relevante para o fortalecimento da democracia e se queremos que as nossas iniciativas tenham impacto na sociedade, precisamos investir nestes novos modelos de negócios a fim de que sejam sustentáveis”, opina Abramovay.

Leandro Beguoci, da Fundação Lemann, concorda e ressalta que os investidores sociais podem colaborar muito para o fortalecimento destes novos modelos de negócios, principalmente pela expertise que têm na implementação de iniciativas de impacto social.

“Esse apoio é essencial, principalmente porque o jornalismo não tem esse conhecimento e não atua até então desta forma. São as fundações e institutos que têm trabalhado com investimento de impacto e podem nos iluminar e ajudar a pensar no melhor modelo de negócio de jornalismo de impacto social. Isso, inclusive, traz mais transparência, pois agrega metas e controle por parte da sociedade à comunicação”, acredita Leandro.

Para o diretor editorial, outro ponto essencial neste debate é conseguir fomentar na sociedade a importância de termos cada vez mais informação de qualidade e não apenas abundância de informação. “Ainda é pequena, mas crescente, a parcela da população que agora já consegue perceber que não basta quantidade, mas é preciso confiabilidade no que está sendo disponibilizado pela imprensa”, ressalta.

Segundo o especialista, hoje, algumas áreas do jornalismo – como moda, gastronomia, games, por exemplo – conseguem gerar informação para seus públicos e é possível encontrar produção qualificada a respeito. No entanto, em áreas extremamente importantes para a sociedade, como política, economia e educação, há pouca oferta de informação qualificada.  “O debate sobre educação no Brasil – área na qual atuamos na Fundação, por exemplo – é muito ruim e se restringe a poucos espaços e sem o aprofundamento necessário e urgente. Além disso, não tem escala para chegar a todas as pessoas a fim de que se torne uma pauta nacional da maneira que deveria ser”, comenta.

E completa: “E neste campo do jornalismo de educação, por exemplo, precisamos ainda levantar uma outra discussão que é: como criar valor para as pessoas num momento que elas têm muito acesso à informação? O que mais eu posso oferecer além de informação? Algumas perguntas tabus precisam ser colocadas: a cobertura feita ajuda a entender o que está acontecendo de fato? Ajudou aquela pessoa a ver o assunto de forma diferente? Tem aplicação prática na sua vida? É o jornalismo de impacto, senão não conseguimos avançar. Estamos aqui encarando esse desafio”, pondera.

A mesa do congresso será “o papel do jornalismo em sociedades democráticas“, e acontece no dia 31, às 11:30.

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