Partilhando impressões do Congresso Gife: construindo pontes.
Por: Instituto Sabin| Notícias| 06/04/2016Fábio Deboni[1]
A ponte não é de concreto, não é de ferro
Não é de cimento
A ponte é até onde vai o meu pensamento
A ponte não é para ir nem pra voltar
A ponte é somente pra atravessar
Caminhar sobre as águas desse momento
(A Ponte – Lenine)
Assim com muitos colegas de ISP, tive a grata oportunidade de participar do 9º Congresso Gife, realizado recentemente em São Paulo. Para mim, foi a melhor edição do Congresso[2]. Conteúdos relevantes e densos, coragem de tocar pontos polêmicos e prioritários no contexto atual brasileiro e ótimo ambiente de reencontrar amigos e construir/reforçar relacionamentos.
Talvez a expressão mais utilizada ao longo do Congresso foi a da necessidade de “construção de pontes” entre os vários mundos, entre as forças que se encontram polarizadas no contexto político-social atual. A expressão esteve em diversos painéis e diálogos, e a considero bastante aderente ao contexto do ISP.
Afinal, “construir pontes” tem a ver com as fronteiras nas quais transitamos (entre a filantropia e o negócio, entre a empresa e a comunidade, entre o com e o sem fins lucrativos, entre ganhar dinheiro e transformar o mundo). Considerando o caráter de “meio”, a ponte deve ser encarada como um método e não como um fim em si mesmo. Entretanto, como lidamos com realidades complexas e diferentes, é necessário que esta ponte tenha estrutura suficiente para suportar e sustentar esta aproximação e, portanto, cumprir seu papel de conexão e interligação.
Daí decorrem questionamentos que tem me perseguido desde antes do Congresso e se intensificaram após:
- Temos conseguido perceber estas várias realidades do contexto atual (mundial e brasileiro)?
- Temos percebido a complexidade destas realidades para além do “fla-flu” que parece imperar no cenário político brasileiro do momento?
- Temos empreendido esforços e estratégias para viabilizar estas várias pontes necessárias? As pontes já existentes estão bem sinalizadas e suportam o fluxo atual? Quais são as outras pontes ainda não existentes? Temos condições de erguê-las e qual prazo?
Decorre desta reflexão e também se falou muito no Congresso sobre o tão falado alinhamento ao negócio. Tema também da vez e que vem tirando noites de sono de profissionais do ISP. Taí um exemplo didático de uma destas “pontes”, que vem conectando duas realidades. Creio que a passagem que expressa de forma mais didática este tema é que “o ISP saiu do anexo e foi para a sala principal: e agora?”.
Faço uma lista de várias questões que me chamaram atenção durante o Congresso:
- Estamos dispostos a enfrentar a questão da desigualdade/equidade?
- Temos enfrentado questões estruturais da nossa sociedade? (ex: racismo, violência…)
- Como temos reconhecido novas formas de organização da sociedade civil (coletivos, redes, etc)
- Como manter investimentos (no ISP) em tempos de crise?
- Temos conseguido contribuir com a multiplicidade de atores e de soluções das questões sociais no Brasil?
- Como lidar com os dados abertos na era da transparência? Que uso temos feito com eles?
- Estamos dispostos a ampliar os temas de atuação para além da educação?
- É possível estabelecer métricas, ter uma gestão eficiente e orientada a resultados atuando com temas mais polêmicos e com fortalecimento da sociedade civil?
Como se nota, cada uma destas questões traz consigo um debate de fundo bastante importante e denso. Não cabe aqui, portanto, qualquer tentativa de resposta a estas reflexões. Por enquanto me cabe a tarefa tão somente de resgatar parte das diversas perguntas que foram feitas ao longo do Congresso. Que elas possam ficar registradas para não as perdermos de vista e para seguirem orientando nossa atuação cotidiana. Assim, passamos cada vez mais a trazer para o palco principal as conversas sempre produtivas que costumamos ter nos cafezinhos e corredores dos eventos. Ao menos no Congresso GIFE tanto os corredores e cafezinhos, quanto os painéis principais e atividades paralelas foram igualmente ricos e densos de reflexões e aprendizados.
E agora, José?
A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José?
(…)
Com a chave na mão
quer abrir a porta,
não existe porta;
(…)
você marcha, José!
José, para onde?
(José – Carlos Drummond de Andrade)
[1] Gerente Executivo do Instituto Sabin (www.institutosabin.org.br). Atualmente coordena com outras duas organizações as Redes Temáticas de Saúde e de Negócios de Impacto Social, no âmbito do Gife (Grupo de Institutos, Fundações e Empresas – www.gife.org.br).
[2] Participei também da 7ª e 8ª edições (2012 e 2014, respectivamente).