Estado tem dificuldades de experimentar tecnologias de ensino
Por: GIFE| Notícias| 05/11/2001Refletir sobre a área, produzir novas experiências, avaliá-las e sistematizá-las. Estes são os principais papéis do investimento social privado em Educação, segundo o coordenador do Grupo de Avaliação de Níveis Educacionais da Universidade Federal de Minas Gerais, José Francisco Soares. Ele foi um dos participantes do seminário sobre o tema organizado pelos associados do GIFE no dia 23 de outubro.
redeGIFE – Que áreas o investimento social privado pode desenvolver para a melhoria da educação brasileira?
José Francisco Soares – Acredito que o papel dos recursos privados investidos com fins públicos é o de atuar em duas frentes: a gestão das escolas e as metodologias pedagógicas. Nesses dois itens existe um espaço muito grande para novas experiências que o setor público têm dificuldades de fazer. O Estado sabe implementar uma política única e igual nas escolas, mas nós precisamos de iniciativas diferenciadas. Dessa forma, esse capital privado pode ter o importante papel de aumentar essa diversidade.
redeGIFE – Que contribuições o senhor acha que podem ser feitas na área de gestão?
Soares – Geralmente um diretor de escola com mil problemas para resolver não tem condições de criar novas tecnologias de gestão ou tempo para experimentá-las. E isso o setor privado pode fazer perfeitamente. Além disso, as organizações sociais têm a opção de envolver a comunidade em seus projetos. É um mau sinal quando um projeto não tem o apoio local. Ainda mais em um país como o Brasil, onde as pesquisas mostram que a família tem grande importância no desempenho escolar de seus filhos.
redeGIFE – E na área pedagógica, como o senhor vê a contribuição do investimento social privado?
Soares – As opções pedagógicas que o Estado pode adotar são múltiplas. Existem várias maneiras que dão certo. Não é legítimo, na minha forma de pensar, o Estado ter um único projeto a ser aplicado em todo o sistema. Os professores, as organizações, as famílias e os valores são diferentes em cada localidade. Acredito que aqui o investimento privado pode trabalhar no intuito de sistematizar as mais diversas opções, mostrando quais os resultados de cada uma. Por exemplo, há o debate dos ciclos versus séries. Ora, isso é uma opção. É secundário. O que a gente precisa é que o diretor que optou por um ou outro sistema tenha apoio consistente para sustentar sua escolha.
redeGIFE – A aliança entre a iniciativa privada, com suas novas experiências, e o Estado, com seu poder de replicar estes projetos, é ideal para a melhoria da educação no Brasil?
Soares – Essa é uma aliança proveitosa. Claro que você poderia ter o capital privado investido em outras áreas, como a de infra-estrutura. Muitos estabelecimentos têm carências de bibliotecas e de equipamentos escolares. Mas estaríamos abordando uma área mais filantrópica de contribuição e noto que este não é o intuito das organizações que realizam investimento social privado.
redeGIFE – Este diálogo entre Estado e iniciativa privada vem ocorrendo?
Soares – Ainda há a questão técnico-burocrata do Estado, que observa a participação do setor privado e toda sua flexibilidade como uma ameaça. Acho que estamos no início dessa interação que esperamos que seja muito frutífera. Ela é muito importante em razão da flexibilidade que esse capital privado traz. Não é legítimo o Estado introduzir mudanças únicas em todas as escolas. Temos que introduzir mudanças diversas, pensadas e testadas.
redeGIFE – O senhor acredita que o papel das organizações da sociedade civil seria o de sistematização e divulgação destas experiências?
Soares – Sim. Porém não seria apenas como um alardeador de experiências. Imagino iniciativas concretas de treinamento. Workshops, seminários e visitas de campo com diretores de escolas, por exemplo.
redeGIFE – Quais os próximos desafios da educação brasileira?
Soares – Por muito tempo tivemos uma exclusão enorme no sistema de ensino brasileiro. Tínhamos um grupo grande de alunos com zero de participação e outro com conhecimento médio. Nos últimos anos, trouxemos uma massa enorme para dentro da escola, principalmente das camadas mais pobres da população. Estamos em um momento crucial de transição e nos dando conta de que o nosso sistema de ensino público tem que ter uma organização diferente. Não há nada que justifique o estado de má qualidade em que a gente está. Este é o novo desafio e não podemos relaxar. Não adianta o governo ficar chateado e dizer “”puxa, foi tão difícil colocar as crianças na escola e agora está todo mundo batendo, pois elas não sabem nada.”” Claro que é importante termos a certeza que todos estão na escola usufruindo os benefícios que ela traz, como a socialização e até mesmo o direito à merenda. Porém não podemos parar por aí. Nós estamos criando cidadãos de fato. Cooperativos, que conseguem resolver conflitos pela via pacífica, respeitam o meio ambiente, têm uma apreciação artística e sabem ler e calcular. Educação não é como agricultura. É uma ação continuada. Não é apenas plantar, molhar e colher.
redeGIFE – O desafio da avaliação da qualidade do ensino neste momento se faz presente?
Soares – Claro. Avaliação é fundamental. Ela diz o tempo todo onde a gente está. Se há erros, precisamos ver se é na gestão da escola, no processo pedagógico ou na relação com a família. O Brasil é um país extremamente diverso e nós vamos ter momentos diferentes do processo acontecendo ao mesmo tempo e em lugares diversos. Por isso a avaliação é muito importante. Não é para sacrificar.
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