Parcerias para projetos sociais em favelas devem ir além do apoio financeiro
Por: GIFE| Notícias| 24/11/2003MÔNICA HERCULANO
Repórter do redeGIFE
Pesquisa lançada recentemente pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) mostra que, de 1999 a 2001, houve um crescimento de cerca de 150% no número de domicílios nas favelas brasileiras, presentes em 79% das regiões metropolitanas. Dados como esses têm levado empresas e organizações da sociedade civil a apoiar projetos sociais que promovam o desenvolvimento integral da população nessas comunidades.
“”As favelas surgem como solução original daqueles que têm de trabalhar, ganham péssimos salários, mas precisam morar perto dos locais de trabalho e com escolas para seus filhos””, explica Diógenes Pinheiro, pesquisador do Observatório de Favelas. Segundo ele, é preciso que haja uma discussão profunda sobre o que é a cidadania, que não se limita à estrutura física da comunidade, mas envolve educação e saúde de qualidade, segurança, geração de emprego e renda.
O Observatório é uma rede formada por professores universitários, estudantes e organizações comunitárias do Rio de Janeiro, que produz e divulga informações sobre as favelas, monitora políticas públicas dirigidas a esses espaços e forma jovens pesquisadores moradores da própria comunidade. A equipe está produzindo um livro, a ser lançado em 2004, sobre o fenômeno da favelização.
Para a gestora de desenvolvimento institucional da Associação Monte Azul, Renate Keller Ignácio, o trabalho dentro da favela aproxima realidades diferentes. “”A presença diária de pessoas de fora da favela, de outras classes sociais e, no nosso caso, de outros países e culturas, abre a cabeça dos moradores, levanta sua auto-estima e areja o ambiente.””
Fundada em 1979, a Associação Monte Azul atende mais de mil crianças e jovens em três favelas paulistanas, nas áreas de educação, saúde e cultura. Além disso, promove formação para os interessados em atuar na área social e programas de urbanização, além de organizar e acompanhar projetos de desenvolvimento comunitário.
Cristiane Ramalho, editora executiva do portal Viva Favela, afirma que esses projetos ajudam a criar uma nova identidade para os moradores das favelas. “”Isso acontece ao mostrar que há nessas comunidades muito mais que violência e tráfico. E, no nosso caso, também mostrou que há um imenso interesse por parte da opinião pública em conhecer melhor esse universo. Prova disso é que hoje somos fornecedores de pautas para a mídia tradicional””, conta.
O site Viva Favela é produzido pela ONG Viva Rio, com o apoio de diversas empresas nacionais e organismos internacionais, e tem como principais metas a inclusão digital e a democratização da informação. O portal conta com uma equipe de jornalistas e “”correspondentes comunitários”” – moradores de favelas capacitados para atuar como repórteres e fotógrafos.
Aproximação – Segundo Renate Keller, da Monte Azul, para que um projeto em favelas seja bem-sucedido, é preciso visitar a comunidade, conversar com os moradores, tentar descobrir lideranças e perceber o que eles querem e precisam. “”Não se pode ir com um projeto pronto.””
Não ter os moradores como parceiros efetivos, para Diógenes Pinheiro, é o principal equívoco de muitos projetos sociais. “”A primeira coisa a considerar para ter êxito na intervenção é não associar as favelas unicamente à pobreza e à marginalidade. As comunidades populares formam um espaço variado, no qual se entrecruzam diferentes redes sociais. Para nós, a idéia de comunidade carente é equivocada e não contribui em nada para a compreensão desta realidade. Ao contrário, desqualifica seus moradores, que passam a ser vistos como pessoas que precisam ser ajudadas ou como potencias criminosos, que precisam ser vigiados. Não se vê o morador dos espaços populares como uma pessoa ativa, um parceiro na proposição de alternativas para seu próprio destino.””
Para Paulo Ricardo de Souza, coordenador do Instituto C&A no Rio de Janeiro, investir em projetos de origem comunitária proporciona um envolvimento grande dos moradores e garante uma mobilização legítima, com chances de impactos mais duradouros. “”É importante investir em bons projetos, que ofereçam bons processos de formação, mobilização ou desenvolvimento. Dentro ou fora das favelas.””
O Instituto C&A apóia o Projeto Crescendo, desenvolvido pela Escola Stella Maris a partir de uma pesquisa feita junto aos moradores das comunidades atendidas. A iniciativa atende crianças de 1ª a 7ª série do ensino fundamental, moradoras das favelas cariocas do Vidigal, da Rocinha e da Chácara do Céu. Elas participam de oficinas de informática, esportes, cultura e artes, em espaços tradicionalmente utilizados por alunos de classe média alta da cidade.
A coordenadora do projeto, Vera Lúcia Perillo, conta que o estudo preliminar consistiu em entrevistas, visitas às instituições e consulta aos moradores mais velhos da comunidade, para conhecer as necessidades e expectativas em relação às atividades. “”A iniciativa trouxe uma satisfação muito grande. As ações complementares à educação satisfizeram plenamente as famílias, os alunos e o corpo docente da escola.””
Souza diz que as empresas e organizações da sociedade civil devem ter um envolvimento crítico e criativo no cenário político do país, consolidando espaços de negociação com o poder público e construindo articulações consistentes entre si e com as comunidades. “”Talvez o melhor resultado de um projeto dentro de favelas seja a construção coletiva da legitimação daquele espaço como um espaço digno. Isso pode alavancar uma boa ação de mobilização e, por conseqüência, atitudes de mudanças.””
Exemplos – Lançado na última semana, em São Paulo, o livro Da Favela para o Mundo conta a história dos 10 anos do Grupo Cultural Afro Reggae, um dos mais bem-sucedidos projetos em favelas do país. Apoiado por instituições públicas e privadas, como a Fundação Ford, o grupo nasceu da iniciativa de pessoas que estavam sem expectativa de vida e uniram esforços para promover o desenvolvimento social e cultural nas favelas cariocas.
José Júnior, coordenador do Afro Reggae e autor do livro, conta que as pessoas que atuam no projeto são formadas dentro do próprio grupo, que tem como uma de suas principais metas buscar a auto-sustentação, criando produtos de qualidade. “”O que nos dá força para buscar isso é nossa ideologia e nossas parcerias. Parcerias essas que não querem dizer, necessariamente, dinheiro. Muitas vezes, elas significam troca de experiências.””
Ele acredita que o caminho para mudar a realidade das favelas é a atuação conjunta da sociedade civil, de empresas, da mídia e do governo. “”Muitos empresários querem contribuir, mas não conhecem os projetos, porque estão em uma espécie de redoma. Não temos acesso a eles, e eles não têm acesso a nós.””
O Hospital Israelista Beneficente Albert Einstein e os institutos Xerox e Unibanco são exemplos de organizações que foram contra isso. Os dois primeiros têm ações reconhecidas internacionalmente, respectivamente, em Paraisópolis (SP) e na Mangueira (RJ). Já o Instituto Unibanco acabou de firmar parceria com Ação Comunitária do Brasil do Rio de Janeiro (ACB-RJ), no projeto Construindo o Futuro, que envolverá a capacitação de jovens da Cidade Alta e o encaminhamento ao mercado de trabalho.
Para Diógenes Pinheiro, do Observatório de Favelas, a principal dificuldade neste tipo de atuação é conseguir que as ações tenham impacto significativo na transformação da realidade destas comunidades. “”O papel das organizações da sociedade civil é muito importante nesse processo, pois são elas que sinalizam iniciativas inovadoras, nascidas da maior proximidade com os atores locais, as comunidades.””
Com relação à possível interferência de traficantes, ele diz que é um equívoco achar que um jovem morador de favela que não tem oportunidade de estudar ou de trabalhar vai necessariamente ingressar no tráfico. “”A maioria das pessoas que habitam as favelas está fora das redes criminosas. São trabalhadores, estudantes e donas de casa, pessoas como outras quaisquer. Os projetos sociais têm um papel importante, não são ameaça para o tráfico e, geralmente, não são ameaçados por ele. A discussão sobre o tráfico requer uma reflexão profunda sobre nossos próprios valores como sociedade.””