Número de organizações que atuam contra a violência sexual infantil é irrisório

Por: GIFE| Notícias| 02/02/2004

MÔNICA HERCULANO
Repórter do redeGIFE

Recentemente disponibilizado para dowload no site www.wcf.org.br, o Relatório de Avaliação de Metodologias de Intervenção Social junto a Crianças e Adolescentes em Situação de Violência Sexual (Amis) é resultado de uma oficina feita pelo Instituto WCF-Brasil (representante brasileiro da World Childhood Foundation, organização fundada pela rainha Sílvia, da Suécia) e o Banco Mundial.

O documento apresenta indicadores para a avaliação de ações desenvolvidas por organizações não-governamentais no enfrentamento da violência sexual contra crianças e adolescentes. Em entrevista ao redeGIFE, a diretora executiva do WCF-Brasil, Ana Maria Drummond, fala sobre a sistematização de indicadores para este tipo de ação e o número reduzido de instituições que trabalham com o tema.

redeGIFE – Podemos dizer que o número de organizações trabalhando contra a violência sexual infanto-juvenil é insuficiente diante do número de crianças que passam por isso?
Ana Maria Drummond – O número de organizações que atuam no tema da violência sexual infanto-juvenil é irrisório diante da dimensão e extensão desse fato social no Brasil. Embora não existam estatísticas abrangentes, uma vez que se conhece apenas parte do número de registro de denúncias, os números divulgados são significativamente superiores ao correspondente de respostas de atuação por parte de organizações não-governamentais. Após a divulgação do Plano Nacional de Enfrentamento da Violência Sexual Infanto-Juvenil, em 2001, surgiram mais algumas instituições dispostas a atuarem no tema. Todavia, o problema torna-se mais grave quando se identifica que o atendimento aos vitimados concentra-se apenas numa categoria de violência sexual: o abuso sexual. A razão desta opção é que, apesar de ser uma categoria com alta complexidade no atendimento, trata-se de um tipo de problema que chega à ONG por meio dos órgãos de Segurança Pública, do Ministério Público e da Justiça.
No caso do atendimento aos vitimados pela exploração sexual comercial, por exemplo, os técnicos teriam que buscá-los em espaços públicos e em espaços clandestinos. No que se refere à categoria pedofilia na Internet, o Brasil ainda não se conscientizou do problema. O custo de equipamentos e de técnicos capacitados a operar em programas para rastrear os sites de pedofilia e a ausência de uma cultura de utilização de tecnologia, atualmente inviabilizam essa abordagem. Além disso, outro aspecto que reflete na dificuldade das organizações atuarem nesse tema é o problema da captação de recursos. A sociedade brasileira doa pouco a essas organizações e há clientelismo por parte do governo na distribuição dos fundos públicos.

redeGIFE – Como surgiu a proposta de elaboração do relatório?
Ana Maria – A partir de uma reunião entre o Instituto WCF-Brasil e o Grupo de Pesquisa sobre Violência e Exploração Sexual Comercial da Universidade de Brasília (Violes/Ser-UnB). Constatamos que a maior parte dos recursos disponíveis para a temática da violência sexual contra crianças e adolescentes era canalizada para apoiar as intervenções sociais em si. Porém, pouco se alocava para provocar um debate entre os profissionais que atuam no terreno sobre a eficácia de instrumentos de avaliação e o acompanhamento das ações e do impacto das metodologias aplicadas. Para criar este debate, precisávamos construir um processo de aprofundamento em relação ao grupo de indicadores, que estaria alinhado à realidade das organizações. Não estávamos buscando mais um modelo teórico, que não se aproximasse do seu dia-a-dia. O Banco Mundial acreditou na inovação desta proposta e participou ativamente de todas as fases de discussão técnica, desde o planejamento até a realização de uma oficina, no primeiro semestre de 2003, que contou com a participação dos principais representantes do banco no Brasil e no exterior.

redeGIFE – Como foi o processo de desenvolvimento do relatório?
Ana Maria – O primeiro passo foi a identificação das referências básicas que norteariam a dinâmica e a estrutura do estudo: as normativas nacional e internacional e o Plano Nacional de Enfrentamento da Violência Sexual Infanto-Juvenil. Na seqüência, foi organizada a Oficina de Avaliação de Metodologias de Intervenção Social Junto a Crianças e Adolescentes em Situação de Violência Sexual, que reuniu, durante três dias, representantes de 12 ONGs, jovens, setores públicos e agências internacionais envolvidas com a temática. A principal finalidade desse evento foi a criação de um espaço para troca de experiências no qual os participantes analisassem sua prática de trabalho e seu papel sócio-político e que culminasse na construção de uma cesta de indicadores de avaliação de resultados e processos. Coube à coordenação técnica elaborar o relatório final sob a apreciação das organizações.

redeGIFE – De modo geral, o que se pôde observar das experiências de intervenção social desenvolvidas?
Ana Maria – Podemos observar que as organizações da sociedade civil estão sendo cada vez mais desafiadas a alocar recursos para o desenvolvimento de um projeto institucional efetivo, que não seja reinventado anualmente em função das demandas por recursos, ressaltando a importância de se investir em modelos de gestão sustentáveis e na capacidade de demonstrar o trabalho realizado em contrapartida aos recursos mobilizados. Percebe-se que a alocação integral dos recursos mobilizados para a intervenção social em si não está mais garantindo a sustentabilidade dessas organizações. A expressiva participação em fóruns sobre planejamento e gestão participativa, além da contribuição dada pelas organizações presentes à Oficina Amis, demonstram uma preocupação latente e uma busca por respostas consistentes a novos desafios.

redeGIFE – Falta às organizações da sociedade civil mais mecanismos para avaliar suas ações?
Ana Maria – O que percebo é a ausência de uma cultura de monitoramento e avaliação sistemática e contínua, que permeie todos os processos desenvolvidos pelas organizações da sociedade civil. No entanto, vale ressaltar que elas percebem a necessidade de suprir essa lacuna, demonstrada no interesse em participar de discussões de desenvolvimento de metodologias de avaliação e no desejo de trocar informações e experiências na área. Não acredito que as organizações optem por não avaliar suas ações, o que vemos muitas vezes é que as agências financiadoras não disponibilizam recursos para processos de avaliação, priorizando as ações de intervenção e atendimento direto.

redeGIFE – O que será feito para que os indicadores sejam realmente utilizados pelo maior número de organizações?
Ana Maria – Como desdobramento da oficina realizada em maio de 2003, foram realizadas, no 2º semestre do mesmo ano, cinco outras oficinas, uma em cada região geográfica brasileira. A partir desses encontros regionais, uma matriz orientadora das ações de enfrentamento a violência sexual está sendo organizada. Organizações de todas as regiões já estão aplicando a matriz de indicadores e, em março deste ano, um encontro nacional será realizado pelo Violes/Ser-UnB, no qual esse documento deverá ser lançado, com o apoio do governo, como estratégico para o exercício das políticas regionais de enfrentamento à violência sexual contra crianças e adolescentes.

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