Falta de prevenção levou escola a não ser mais um local seguro

Por: GIFE| Notícias| 27/05/2002

A Unesco lançou recentemente o estudo Violência nas Escolas, primeiro levantamento feito no país sobre a questão. Em entrevista ao redeGIFE, a coordenada da pesquisa, Miriam Abramovay, fala sobre o crescimento das ocorrências nas escolas brasileiras e como combater este problema.

redeGIFE – Como foi feito o estudo?
Miriam – Ele foi realizado em 14 capitais e envolveu mais de 50 mil entrevistas em todas as etapas. Em cada um dos estados conversamos com grupos de alunos, pais, professores, diretores de escola, policiais, agentes de segurança e membros do corpo técnico-pedagógico das escolas.

redeGIFE – Quais foram os resultados da pesquisa que mais surpreenderam a senhora?
Miriam – Eu nunca sei responder a esta pergunta, pois o fenômeno da violência na escola é tão surpreendente que todos os dados chamam muita atenção. O número de pessoas que andam armadas, de agressões e de roubos dentro e no entorno das escolas é grande. Outro tipo de violência que a gente observou, e que cria um ambiente nada saudável, é a questão das incivilidades. Como as pessoas são racistas impunemente, se tratam mal, se xingam e se empurram. Tudo isso foi muito surpreendente para mim.

redeGIFE – Por que estamos presenciando um crescimento da violência nas escolas brasileiras?
Miriam – A questão da violência não é exclusiva das escolas. Ela está em todo lugar. Nós presenciamos em nosso cotidiano a violência física e a simbólica a toda hora. Eu acho que a escola passou a não ser mais um espaço seguro. Nós todos temos uma representação social sobre a questão da infância e da escola como quase sagrada e protegida. Eu mesmo ouvi isso durante a pesquisa: a escola é um espaço sagrado. Evidentemente que, em uma sociedade na qual as relações não são iguais e na qual as pessoas não se respeitam, isso vai entrar na escola. E foi exatamente isso que aconteceu, além de existirem poucas medidas preventivas para evitar que isso ocorresse. Mas a violência não está só nas mortes que vêm acontecendo. Ela está nas relações de poder entre o professor e o aluno, no relacionamento entre os jovens e nas ameaças recebidas pelos funcionários. O medo entre todos é muito grande. Encontramos professores e diretores que tiveram que mudar de escola e de cidade em razão das ameaças recebidas. Esse clima todo não é de civilidade.

redeGIFE – O que levou a escola a não ser um lugar seguro?
Miriam – A escola não é um lugar protegido da sociedade. Ela faz parte dela. Nós não vivemos em uma sociedade modelo de tranqüilidade, paz e calma. Existem nas escolas tráfico de drogas, gangues, falta de policiamento, iluminação insuficiente e inexistência de faixas de pedestres e passarelas para evitar o alto número de atropelamentos. Além disso, elas são malcuidadas, com salas e mesas rabiscadas, paredes sem pintura e bibliotecas sem livros. Existe uma teoria, chamada Janelas Quebradas, que afirma que quanto mais a escola é maltratada – e algumas que visitamos tinham até esgoto a céu aberto – mais vão maltratá-la. Como é que vamos ter um lugar calmo assim? O mínimo é termos um espaço no qual todos se sintam bem. Isso sem citar as relações pessoais. O que sentimos é que ninguém gosta de ninguém. Existe um clima constante de medo e insegurança.

redeGIFE – Por que as relações interpessoais entre alunos, professores e funcionários estão tão tensas e deterioradas?
Miriam – Acho que isso não é uma coisa nova. Existem estudos feitos há algum tempo que já mostravam este problema. Só que eles apenas retratavam isso do ponto de vista pedagógico, de como elas se refletem no nível de aprendizado, e não da violência. As relações estão tão tensas porque nossas escolas são pouco democráticas. Os alunos não têm nenhum tipo de protagonismo. Além disso, há uma grande frustração dos jovens com relação à exclusão escolar. Quando eles vão chegando no final do segundo grau, a maioria sente que não vai conseguir ingressar na universidade pública porque o nível de ensino oferecido não é suficiente. Esta é uma frustração muito grande que os revolta. Já os professores e funcionários reclamam dos baixos salários e da agressividade dos alunos. A sensação que você tem ao ler os relatos da pesquisa é que todos vivem em um pequeno inferno.

redeGIFE – Medidas como o aumento de policiais nas escolas e a revista de alunos podem solucionar o problema?
Miriam –Eu acho que tem que colocar policiamento na frente da escola. Esta é uma coisa que todos pediram na pesquisa. Mas os alunos querem uma polícia cidadã, que os proteja, e não repressiva. Por outro lado, a questão das revistas e da instalação de dectores de metais na porta das escolas não consegue diminuir o grau de violência. Pelo contrário. Em muitos lugares, como nos Estados Unidos, isso só aumentou os níveis de violência. Ser revistado é uma coisa ultrajante. Em São Paulo mesmo começaram, mas tiveram que parar, pois os professores e os alunos protestaram. Acho que devemos pensar em um novo modelo no qual as relações interpessoais sejam boas, que os jovens compareçam e não faltem, que os alunos tenham espaço de protagonismo, que a violência seja discutida e que a escola seja aberta à comunidade. Isso sim são medidas preventivas. Durante a pesquisa, eu recebi um questionário que apontava uma escola em uma região barra-pesada de São Paulo como uma das mais violentas e deterioradas do bairro. De tantos móveis velhos entulhados, apareciam até ratos. Um ano depois eu voltei lá e o diretor tinha mudado. Encontrei uma escola aberta à comunidade, com uma gestão democrática, onde os alunos discutiam as regras, com paredes pintadas, uma quadra de esportes, professores oferecendo atividades multidisciplinares como aulas de xadrez e de artes. E hoje ela é considerada a melhor do bairro e a menos violenta.

redeGIFE – Além destas, quais são as outras formas de reduzir o número de ocorrências de violência nas escolas?
Miriam – A pesquisa traz uma série de recomendações para as secretarias de educação. Colocar iluminação ao redor das escolas, instalar faixas e sinais de pedestres, deslocar policiais, evitar pessoas estranhas no interior dos estabelecimentos, incentivar a participação dos pais e promover a cultura de paz. Também é importante rever as relações entre professores e alunos e valorizar a organização dos jovens, promovendo o protagonismo. É preciso sensibilizar os professores e os diretores para a questão da juventude. Apenas olhar os adolescentes com uma visão negativa não leva a nada. Não se pode achar apenas que eles ou são aqueles que vão fazer o futuro ou aqueles de que se deve ter medo. Eles têm que ter voz na sociedade. Precisamos incentivar políticas públicas para essa faixa da população. Com todas estas medidas o problema da violência com certeza terá solução.

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