Estudo sugere pontos a serem revistos nos mecanismos da Lei Rouanet
Por: GIFE| Notícias| 07/04/2003MÔNICA HERCULANO
Repórter do redeGIFE
A partir de uma pesquisa feita no Ministério da Cultura, a advogada Cristiane Olivieri defendeu, como tese de mestrado na USP (Universidade de São Paulo), um diagnóstico sobre a lei federal nº 8.313, mais conhecida como Lei Rouanet.
Instituída em 1991, essa lei tem como objetivo fomentar e promover a produção cultural brasileira em diversas áreas e possui três mecanismos de apoio a projetos: o Fundo Nacional de Cultura (FNC), o Fundo de Investimento Cultural e Artístico (Ficart) e o Mecenato.
Foi feito um levantamento de todos os projetos culturais apresentados, aprovados e realizados no período de 1996 a 2000, para as modalidades Mecenato e Fundo Nacional de Cultura (FNC). O estudo verificou a utilização dos recursos financeiros entre as diversas áreas de atividades culturais em todo o país, a forma de aplicação do dinheiro e o impacto das mudanças nos procedimentos e valores de incentivo da Lei Rouanet no período.
A autora concluiu que, se por um lado houve aumento do número de produções culturais, de parcerias com a iniciativa privada e da profissionalização do setor, a lei apresenta excesso de burocracia e permite a concentração de recursos na região Sudeste do país, a exclusão de artistas amadores e a idéia de que os incentivos fiscais seriam suficientes para atender a todo tipo de demanda.
“”É fato que os patrocinadores se aglomeram em torno de produções mais massivas, de gosto popular e com grande impacto na mídia. E os produtores mais profissionalizados conseguem patrocínio com mais facilidade, visto que têm domínio dos trâmites burocráticos e da linguagem dos envolvidos – artistas e diretores de empresas. Assim, é preciso adequar os procedimentos do mecenato, regulamentar o Fundo Nacional de Cultura e criar outras políticas públicas para viabilização da diversidade e da experimentação””, explica Cristiane.
Leonardo Brant, conselheiro do Instituto Pensarte, explica que o aspecto comercial é um elemento fundamental para nortear o investimento em cultura, mas lembra que já existem modelos centrados no benefício social. “”O retorno de mídia nunca deixará de ser um elemento importante, mas está deixando de ser o único benefício procurado.””
Isenção fiscal – Para Márcio de Almeida Prado, consultor na área de cultura, as leis de incentivo são uma ferramenta importante de sensibilização dos empresários para o investimento em cultura. “”A isenção fiscal estimula aqueles que nunca investiram nessa área e muitos deles, após as primeiras experiências positivas, aumentam a verba destinada aos projetos.””
Ele acredita que um dos pontos positivos da Lei Rouanet é a possibilidade de isenção de 100% do valor investido, definida pela medida provisória 2.228-1/01. “”Acho que isso pode ser mais um estímulo para que as empresas comecem a investir em cultura. Mas existe um certo consenso entre os agentes culturais de que esse apoio vicia os patrocinadores””, conta Prado.
Para Cristiane, a concessão de 100% de incentivo foi como um retrocesso. “”Antes dela, as empresas eram obrigadas a custear parte do projeto, o que significa dispêndio real de verba e decorrente comprometimento com escolhas e resultados. Agora, elas buscam o custo zero no seu patrocínio. O mecenato transformou-se em repasse de verbas e a parceria da iniciativa privada com o Estado se perdeu””, diz.
A advogada explica que o mecenato deve ser revisto de forma a induzir investimentos para regiões e atividades artísticas menos favorecidas, bem como ser adequado para que a população tenha mais acesso aos bens culturais, por meio de concessão de ingressos gratuitos para escolas públicas e de formação artística e preços populares em produções incentivadas.
“”A definição de preços populares é essencial. O logo do Ministério da Cultura poderia ser usado como evidência para que a população procurasse ingressos mais baratos naquela produção. Ademais, o percentual de incentivo fiscal também deveria ser modificado, estabelecendo teto máximo em 80% e escalonando seu valor conforme os objetivos da política cultural do governo, o que reduziria concentrações regionais e por setor.””
Cristiane também defende que o Fundo Nacional de Cultura poderia se tornar um selo de qualidade, ou seja, ser visto pela sociedade como um financiador apenas de projetos bons e de repercussão no meio cultural. Isso se daria com a definição de uma política consistente para a distribuição de verbas, a formação de conselho de experts na seleção dos projetos e com acompanhamento, medição e divulgação de resultados.
“”Desta forma, o FNC poderia dar parte da verba e o restante do financiamento seria conseguido com outras instituições, empresas ou ainda outras esferas públicas. O NEA (National Endownment of Arts) tem esse papel nos EUA. Financia parte de projetos e seu histórico de boas realizações dá credibilidade às suas escolhas””, explica a advogada.
Política cultural – Prado diz que o Brasil precisa de um plano de desenvolvimento cultural ou uma política cultural consistente e coerente. “”Já existem leis suficientes no Brasil, o que falta é um conjunto de princípios, valores, objetivos, metas e estratégias, ou seja, uma política para o setor.””
Para Brant, o discurso do ministro da Cultura, Gilberto Gil, indica um avanço na direção da estruturação dessa política cultural. “”Resta saber se esse discurso se transformará num conjunto de ações e normas em favor do desenvolvimento do setor e da ampliação do número de pessoas atendidas. Por outro lado, o mercado está se profissionalizando e os captadores de recursos começam a se dar conta da importância do seu papel na sociedade, desenvolvendo um trabalho mais responsável””, avalia.
Com a definição de uma política cultural mais clara, Brant afirma que será possível fazer um alinhamento das leis de incentivo com as intenções do governo. Ele explica que a política de aprovação de projetos deve ser substituída por uma de programas de longo prazo.
“”As produções de cunho regional, experimental ou com menor visibilidade, devem ter apoios mais diretos. Incentivos à profissionalização e à experimentação e descentralização do alcance das leis são capazes de gerar a real expressão da diversidade cultural brasileira e de fomentar o fazer artístico.””