Em meio a mudanças, Lei de Incentivo à Cultura brasileira é apontada como exemplo pela ONU
Por: | Notícias| 02/08/2004MÔNICA HERCULANO
Repórter do redeGIFE
No último dia 15 de julho, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) lançou o Relatório de Desenvolvimento Humano 2004. Publicado anualmente, o documento apresenta uma avaliação do progresso econômico e social dos países, com base no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), e propõe uma agenda sobre temas de relevância para este desenvolvimento. (veja no final desta matéria link para os números do IDH)
Neste ano, o tema é Liberdade Cultural num Mundo Diversificado. O relatório defende que, para que o mundo atinja os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio e erradique a pobreza, deve primeiro formar sociedades culturalmente diversificadas e inclusivas. Para isso, destaca a importância da preservação da identidade cultural local e da maior possibilidade de acesso aos bens culturais.
O Brasil é apontado como um dos países com experiências mais bem-sucedidas de subsídios ou de incentivos fiscais para a indústria cultural. No entanto, o país vive um momento de debate a respeito da política nessa área. O Ministério da Cultura têm, desde o ano passado, promovido encontros com a sociedade civil, visando discutir sobre os rumos a serem tomados para o aperfeiçoamento da legislação brasileira neste âmbito.
Para Cláudio Lins de Vasconcelos, gerente jurídico da Fundação Roberto Marinho, a Lei de Incentivo à Cultura brasileira – Lei Rouanet – vem exercendo um papel crucial na produção e difusão cultural no país na última década, com uma nova forma de atuação política, capaz de envolver governo, sociedade civil e iniciativa privada no desafio de garantir a todos o direito à participação na vida cultural.
“”Os reflexos positivos dessa política se fazem sentir internacionalmente, não apenas pelo sucesso de produções culturais brasileiras em outros países, mas também pela sua crescente participação em segmentos do mercado, antes totalmente dominados por produções estrangeiras. Em tempos de massificação cultural, essa postura é um exemplo a ser seguido””, afirma Vasconcelos.
Porém, ele acredita que as atuais propostas do governo para mudanças na legislação não fazem com que ela atenda melhor aos aspectos defendidos no relatório do Pnud. Além disso, o projeto de decreto apresentado deixa transparecer um certo desconforto com as instituições culturais ligadas a empresas privadas. “”Muitas de suas disposições estão desalinhadas com princípios constitucionais básicos e desrespeitam a trajetória de boa parte das instituições culturais brasileiras, cuja contribuição para o fortalecimento da cultura nacional, especialmente naquelas áreas de pouco interesse comercial, não pode ser subestimada.””
Desenvolvimento – Leonardo Brant, diretor do Instituto Gtech Cidadania e Cultura, também acredita que não existe mudança na Lei Rouanet capaz de atender aos aspectos levantados pelo Pnud. “”O que nos falta é uma arquitetura clara de desenvolvimento social a partir da cultura. O mecanismo de incentivo seria apenas uma ferramenta para colocar essa política nos trilhos. Aí sim, acredito na possibilidade dele se tornar útil a esse processo.””
Brant afirma que os debates promovidos pelo MinC não permitem avaliar o que é bom e o que é ruim no processo de mudança da lei. Para ele, o fato de o Brasil ser apontado como um exemplo de incentivos fiscais para a cultura demonstra que quem está de fora não consegue avaliar as distorções do sistema, apenas seus benefícios.
Já Danilo Miranda, diretor regional do Sesc São Paulo, entende que a própria existência das leis nos níveis federal, estadual e municipal, o que muitos países não tiveram condições de fazer, é o que causa o reconhecimento internacional da legislação brasileira para essa área. A partir daí, segundo ele, a diversidade do patrimônio cultural nacional pôde ser mais conhecida. “”A existência de uma política cultural brasileira, por mais que possa ser aperfeiçoada, já é um reconhecimento de que os bens desse patrimônio imaterial precisam de incentivos para que os seus criadores tenham melhorias concretas em suas condições de vida.””
O objetivo do relatório do Pnud, de acordo com Miranda, foi criar condições para que os detentores desse patrimônio imaterial – cultura – se beneficiem dele para a melhoria de suas condições socioeconômicas. Neste sentido, entender o papel do Estado é fundamental. Miranda explica que a função pública no campo da cultura prevê um compromisso do Estado no incentivo à produção e ao consumo de bens que, dotados de alto significado simbólico, podem ser aperfeiçoados e colocados em circulação para o maior número de pessoas, gerando renda e qualidade de vida. “”O Estado deve incentivar tanto artes como entretenimento ou iniciativas tipicamente sociais. O critério é o da efetividade social da iniciativa, que envolve quantidade de pessoas beneficiadas em sua renda, relevância cultural e educacional e contribuição para a construção da cidadania.””
Diferenciação – Apesar da forte produção regional brasileira, Leonardo Brant lembra que os recursos estão concentrados num sistema que não afere prioridades e diferenças. “”Um único mecanismo não pode dar conta de todas as necessidades da cultura brasileira””, alerta. Cláudio Vasconcelos, da Fundação Roberto Marinho, tem opinião semelhante. Para ele, seria importante definir com clareza os macro-objetivos da política cultural brasileira e diferenciar a produção cultural voltada para o mercado daquela que não tem finalidade de lucro.
“”A falta de uma política de incentivos sensível às diferenças naturalmente provoca uma concentração excessiva de investimentos nas modalidades de patrocínio mais voltadas aos anseios do mercado. Assim, atividades ou regiões tidas como menos visíveis acabaram sendo menos atendidas””, afirma Vasconcelos. Ele defende a criação de incentivos diferenciados para áreas menos atendidas pelo mercado de consumo, seja em função da localização geográfica, seja em razão da natureza da atividade.
Outra questão é que o fato de serem menos demandadas pelo mercado não torna tais produções menos relevantes do ponto de vista cultural. “”Diante do gigantesco apelo comercial das produções culturais dos países desenvolvidos, preservar as raízes se tornou fundamental para a própria sobrevivência das nações como o Brasil, que teriam muito a perder com o enfraquecimento, ou mesmo desaparecimento, de manifestações como essas””, completa.
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