África e América Latina devem propor modelo de integração social

Por: GIFE| Notícias| 17/10/2004

MÔNICA HERCULANO
Repórter do redeGIFE

No início de setembro, ao término de uma reunião com 45 organizações da América Latina e da África, em Johanesburgo (África do Sul), foi lançado o Diálogo entre os Povos Africanos e Latino-Americanos. O objetivo é estreitar as relações entre as organizações da sociedade civil do Mercosul e do CDSA (Comunidade de Desenvolvimento do Sul da África).

Durante o encontro, foram debatidas estratégias de ação comum em questões trabalhistas, de gênero, meio ambiente, comunidades rurais, comércio e indústria nas duas regiões. Foi constatado que os problemas são bastante parecidos e que estes países podem aprender muito com a troca de experiência e informações.

Coordenado pelo Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase), no Brasil, e pelo Alternative Information and Development Centre (AIDC), na África do Sul, o Diálogo é lançado num momento em que os governos do Brasil, África do Sul e Índia aprofundam as discussões sobre o Fórum IBSA (Índia-Brasil-África do Sul). A meta é estabelecer acordos comerciais e fortalecer a capacidade política nas negociações com os países ricos do Norte.

Moema Miranda e Maurício Santoro, respectivamente coordenadora e pesquisador do Ibase, falam ao redeGIFE sobre o surgimento da iniciativa, sua importância e os resultados esperados, além das questões comuns na América Latina e na África.

redeGIFE – Quais são as principais semelhanças e diferenças entre o terceiro setor na América Latina e na África?
Moema Miranda e Maurício Santoro – As semelhanças vêm dos problemas comuns: pobreza, exclusão social, degradação do meio ambiente, desigualdades de gênero e raça etc. A principal diferença é que na América Latina a democracia formal se consolidou e a sociedade civil tem uma participação mais ativa na vida política dos países. Na África, muitos países ainda enfrentam regimes autoritários e a sociedade civil precisa lutar por direitos civis básicos, como liberdade de expressão e de associação.

redeGIFE – Quais questões são mais urgentes e comuns aos países dessas regiões e que devem ser tratadas prioritariamente pelo Diálogo?
Miranda e Santoro – De modo geral, a pobreza e a exclusão social. Mas há também questões específicas a cada país, como o autoritarismo político no Zimbábue e na Suazilândia, a epidemia de AIDS nos países africanos, as expectativas em relação aos governos de esquerda eleitos nos últimos anos na América Latina, entre outras.

redeGIFE – De que maneira o estreitamento das relações entre as organizações da sociedade civil do Mercosul e da CDSA pode facilitar as negociações com os países de outras regiões no que diz respeito a estas questões?
Miranda e Santoro – Propondo um modelo de integração regional que leve em conta as questões sociais – e não apenas o comércio – o projeto vai ao encontro das necessidades de outros países em desenvolvimento, nas Américas, na África e na Ásia, contribuindo para a construção de uma agenda comum que se oponha ao atual padrão da globalização.

redeGIFE – Quando e como surgiu a iniciativa do Diálogo entre os povos africanos e latino-americanos?
Miranda e Santoro – Embora já existam diversas iniciativas que estimulam este debate entre sindicalistas, movimentos feministas, ambientalistas etc, consideramos fundamental fortalecer e estreitar os laços de solidariedade entre os povos dos dois continentes. Há muito tempo o Ibase pensava em realizar um projeto de cooperação voltado para a África e a recente aproximação diplomática do governo Lula com o continente serviu como incentivo. Em abril, o Ibase e o Alternative Information and Development Centre (AIDC), uma ONG sul-africana, realizaram a primeira reunião de trabalho no Rio de Janeiro, seguida do seminário de setembro em Johannesburgo. Esta iniciativa conta com o apoio de organizações de cooperação internacional que atuam em ambos os continentes.

redeGIFE – Quantas organizações participam da iniciativa e como aconteceu a reunião de todas elas?
Miranda e Santoro – O seminário reuniu 45 organizações, que foram escolhidas por meio de consultas a redes da sociedade civil na América Latina e na África. O processo foi coordenado pelo Ibase e pelo AIDC.

redeGIFE – Quais são os principais objetivos da iniciativa? Qual a necessidade e a importância dela para estes países neste momento?
Miranda e Santoro – O objetivo é estimular a cooperação e a solidariedade entre as sociedades civis dos dois continentes. Como tema central está o desafio político de construir uma proposta estratégica de integração regional entre os países do Sul, baseada no diálogo entre os povos, como alternativa ao regionalismo regido pelo mercado – centrado na liberalização comercial e nos interesses das grandes empresas -, que caracteriza o modelo neoliberal. É algo vital pensar na retomada do desenvolvimento, com compromisso de enfrentamento das desigualdades e baseado na garantia dos direitos humanos e sociais, especialmente após anos de políticas recessivas e excludentes.

redeGIFE – Quais serão as atividades desenvolvidas pelas organizações participantes?
Miranda e Santoro – Trocas de informação e de experiências, estímulo ao intercâmbio, construção de propostas e alternativas, intervenção no debate público e desenvolvimento de campanhas de solidariedade.

redeGIFE – Na prática, quais resultados são esperados com isso?
Miranda e Santoro – O fortalecimento das ações da sociedade civil em ambos os continentes e uma maior participação dos movimentos sociais e das ONGs nos processos de integração regional, visando construir alternativas baseadas nos princípios acima expostos.

redeGIFE – Organizações de países de fora da América Latina e da África também participam do Diálogo? Qual será o seu papel?
Miranda e Santoro – Sim. Participam organizações da Índia e de algumas agências de financiamento da Europa. Os indianos foram incluídos com base na iniciativa diplomática do Fórum IBSA (Índia-Brasil-África do Sul) e podem enriquecer os debates com sua ampla experiência em movimentos sociais, no combate às desigualdades e discriminações étnico-religiosas.

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