Brasileiro já colocou na agenda pública a questão do meio ambiente
Por: GIFE| Notícias| 13/01/2003ALEXANDRE DA ROCHA
Subeditor do redeGIFE
Lançada no final de 2002, a pesquisa O que o brasileiro pensa do meio ambiente e do desenvolvimento sustentável entrevistou empresários, gestores de agências governamentais, parlamentares, pesquisadores e lideranças ambientalistas e da sociedade civil sobre o tema. Realizada também em 1992 e 1997 pelo Iser (Instituto de Estudos da Religião), o levantamento atual mostra que cresceu a consciência ambiental do brasileiro desde a conferência Eco 92, no Rio de Janeiro. A coordenadora da pesquisa, Samyra Crespo, fala dos resultados ao redeGIFE.
redeGIFE – O que o brasileiro pensa do meio ambiente e do desenvolvimento sustentável?
Samyra Crespo – A agenda dos pesquisados está prioritariamente preocupada com os problemas que a gente chama de ambientais urbanos, principalmente o passivo do saneamento básico e as questões da poluição industrial, dos recursos hídricos e da energia. As nossas elites têm uma consciência ambiental globalizada e sabem que o tema é uma questão sistêmica. Não adianta cuidar apenas de uma parte e não cuidar de outra. Nós temos uma elite que já colocou na agenda pública a questão do meio ambiente como um fator importante.
redeGIFE – Quais são os principais avanços apontados por estas lideranças entre 1992 e 2002?
Samyra – O primeiro avanço foi conceitual. Claramente o conceito de desenvolvimento sustentável, que foi pautado no final dos anos 80, é operado pela maioria das elites. Hoje, você não lê nenhum discurso do setor empresarial ou governamental no qual não apareça o conceito do desenvolvimento sustentável que, em simples palavras, significa desenvolver com conservação do meio ambiente. Outro ganho foi institucional. Sem dúvida alguma, há dez anos não tínhamos o nível de institucionalização que o meio ambiente tem hoje. Praticamente não há um município que não tenha ou uma secretaria de meio ambiente ou um departamento que cuida especificamente da área. Há também o ganho institucional no nível federal, com a criação do Ministério do Meio Ambiente. Até 93, tínhamos apenas uma secretaria. Além disso, esses ganhos institucionais se refletem na legislação. Nesses dez anos houve uma renovação da legislação ambiental brasileira, que hoje é considerada sofisticada, comparável às que existem internacionalmente. Por fim, há também outro avanço: o aumento do número de organizações não-governamentais que cuidam do meio ambiente. Tivemos nesta década um verdadeiro boom de ONGs depois da Eco 92. Temos organizações respeitadas internacionalmente, além da implantação de organizações globais aqui no Brasil, como o WWF, o Greenpeace e a Conservation International.
redeGIFE – Qual foi o papel da Eco 92 para o desenvolvimento de uma consciência ambiental no Brasil?
Samyra – Há uma unanimidade na pesquisa ao reconhecer que a Eco 92 foi a grande alavancadora da consciência ambiental no Brasil e a grande responsável pela importância que a agenda ambiental passou a ter. Os nossos ambientalistas dizem: “”nós éramos considerados uns hippies, uns alternativos, uns ecochatos e, dez anos depois, nós estamos de terno e gravata, em Brasília, sentados em reuniões””. Ou seja, eles eram desqualificados e hoje são prestigiados. Houve toda essa valorização da militância e das pessoas que se ocupam do meio ambiente.
redeGIFE – E o papel das ONGs? Qual a importância das organizações não-governamentais na construção desta consciência?
Samyra – A elas cabe o papel de protagonista também, sem dúvida alguma. Vamos pegar o exemplo da Fundação SOS Mata Atlântica. Na Eco 92, o grande interesse do mundo era pela Amazônia. Tanto é que o dinheiro para a conservação de florestas só contemplava a Amazônia, que, embora seja importante, não é um bioma tão ameaçado como a Mata Atlântica, da qual só restam menos de 7%. Graças à militância da Fundação é que foi reconhecida a importância de se fazer programas na Mata Atlântica.
redeGIFE – E quais as dificuldades mais citadas pelos pesquisados para um maior desenvolvimento do movimento ambiental brasileiro?
Samyra – Algumas já são velhas conhecidas nossas, como a descontinuidade das políticas públicas. Outro problema é a falta de recursos. A área ambiental ainda é periférica em termos de orçamento e até da importância política quando se monta o governo. É um setor que sempre tem poucos recursos, ou porque o Estado está falido, ou porque o governo federal precisa cumprir suas metas econômicas. Além disso, o Ministério do Meio Ambiente não age sozinho. Ele precisa de uma parceria e de uma relação com outras áreas do governo. De nada adianta uma campanha contra agrotóxicos se o Ministério da Agricultura tiver uma linha de financiamento para o plantio intensivo. A necessidade de articular mais as políticas ambientais às demais políticas apareceu com intensidade na pesquisa. Mais uma dificuldade é que o Brasil não possui uma produção sistemática de informação. Tivemos todo um sucateamento das instituições que produziam os dados nacionais. O IBGE só começou a se recuperar nos anos 90. Há muita dificuldade de fazer intervenções estratégicas porque, para você identificar os problemas mais críticos, é preciso fazer diagnósticos. Para isso, é preciso dados. Não adianta produzir dados de um ou dois anos. No meio ambiente você precisa de uma série histórica. É preciso dados de energia de dez anos, de vinte anos.
redeGIFE – Nestes últimos dez anos, muitas empresas passaram a desenvolver projetos na área ambiental. Muitas criaram fundações e institutos com este propósito. Como é vista a participação do setor privado nesta área?
Samyra – O empresariado é considerado o setor que mais evoluiu nesta última década. Eles partiram de uma consciência muito incipiente, reativa à legislação, para um papel no qual eles são pró-ativos. Existem empresas atuando na linha de frente desta atitude, como a Vale do Rio Doce e o Unibanco. Há um reconhecimento por parte dos empresários de que se esgotou um ciclo, que era o do comando e controle, que significava que a legislação ambiental vinha e as empresas tinham que se adequar. Agora não. Neste novo ciclo, que chamamos dos instrumentos voluntários, a empresa vai além da legislação porque ela tem outros critérios que pautam sua atuação ambiental, tais como competitividade, certificação, reconhecimento, imagem e legitimidade.
redeGIFE – Mas há um clima favorável ou de desconfiança à atuação dos empresários? As ONGs, por exemplo, se sentem ameaçadas?
Samyra – Quando se fala em ONGs, nem todas pensam do mesmo modo. As organizações mais à esquerda, politicamente mais ideológicas, têm uma desconfiança histórica do setor privado, que é visto como poluidor e espoliador. Essas organizações vêem com certo ceticismo a participação empresarial. Já as ONGs que têm um crivo mais ambientalista do que social vêem com mais otimismo as organizações privadas e os programas ambientais das empresas porque elas entendem que, se o setor produtivo não responder, não há desenvolvimento sustentável.
redeGIFE – E o inverso? As empresas muitas vezes optam por realizar seus próprios projetos, contratando às vezes consultores de mercado, e não as ONGs?
Samyra – Exatamente. É uma via de mão dupla. A gente pergunta se os empresários trabalham com as ONGs e se fazem parcerias. Eles sempre respondem que “”há ONGs e ONGs. Procuramos trabalhar com aquelas que não são ideológicas, que não fazem tanta gritaria e que são mais técnicas””. Então, há uma preferência dos empresários em trabalhar com organizações que têm um perfil mais técnico do que político.
redeGIFE – Há como superar esta desconfiança de ambas as partes?
Samyra – Acredito que sim e acho que o caminho tem sido dado pela própria área ambiental. Durante esta década, por recomendação da Agenda 21 e da ONU, foram formados os conselhos de desenvolvimento sustentável nos níveis federal, estadual e municipal. Esses conselhos são sempre mistos. Eles têm representantes do governo, da sociedade civil e dos empresários. Nessas mesas há muita interação entre estes setores, que antes não se falavam, nem sequer sentavam juntos. Este tipo de interação está fazendo com que os lados vejam justamente que há um certo equilíbrio. Os empresários observam que há por parte dos ambientalistas propostas viáveis, factíveis e que nem todos querem apenas criar problemas, assim como os ambientalistas vêem que muitos empresários são sérios e que há alianças possíveis com esse setor.