Administração no terceiro setor pode ser mais complexa do que nas empresas

Por: | Notícias| 17/01/2005

MÔNICA HERCULANO
Repórter do redeGIFE

Sob o ponto de vista administrativo e financeiro, as organizações do terceiro setor – mesmo aquelas já profissionalizadas – enfrentam alguns desafios que aumentam a complexidade de sua gestão e trazem impactos diretos em seus processos e desempenhos. Entre eles, estão a definição de objetivos ou a amplitude dos mesmos, do que dependem o estabelecimento de metas mais claras, o monitoramento de seu desempenho e a utilização de indicadores efetivamente adequados.

Além disso, essas instituições normalmente têm que conviver com diversos tipos de apoiadores – financiadores, voluntários, usuários, equipes remuneradas, etc. -, cada um com sua própria expectativa em relação ao trabalho, o que é bem diferente de uma empresa tradicional, cujo resultado financeiro normalmente é um indicador bastante representativo do sucesso de sua estratégia.

Gabriel Ligabue, gerente de desenvolvimento institucional do GIFE, lembra que, no segundo setor, a relação entre financiadores das organizações (acionistas) e usuários dos serviços (clientes) costuma ser direta e sem rodeios, pois se traduz na remuneração do acionista e no atendimento da necessidade do cliente. “”No terceiro setor, essa relação é muito mais tênue, pois os principais beneficiários das ações geralmente não têm um vínculo direto com os financiadores, que por sua vez não recebem dividendos por isso.””

Por outro lado, uma vez que os indicadores financeiros não são os que melhor expressam o impacto gerado pelo trabalho dessas organizações junto à comunidade, surge a necessidade de pensar em estruturas administrativas mais complexas que no setor privado, que possam aferir e monitorar os resultados, de forma manter o equilíbrio interno das equipes e, ao mesmo tempo, prestar contas de suas ações aos vários envolvidos.

A diretora de administração e relações institucionais da Fundação Volkswagen, Simone Nagai, afirma que o terceiro setor ainda não vê suas atividades como um negócio e costuma gerenciar suas ações com foco exclusivo no atendimento do seu público-alvo e na busca incessante por recursos para cobrir as despesas extras. “”Dessa forma, acaba deixando de lado suas metas, objetivos, avaliação de resultados e de impacto, controle de orçamento, fluxo de caixa, financiamento a médio e longo prazo (captação de recursos), contabilidade, folha de pagamento, etc.””

Para ela, a presença e a expertise de um profissional de gestão financeira assegura a transparência e idoneidade dos processos da área contábil, bem como a legitimação, junto aos órgãos competentes, das organizações que ainda não possuem isenção de impostos e imunidade de tributos, atividades que não são dominadas pelo terceiro setor.

Conhecer bem os aspectos legais que envolvem incentivos fiscais às organizações e pessoas físicas é fundamental para se obter sucesso no quesito sustentabilidade, segundo Jefferson Romon, gerente departamental da Fundação Bradesco e membro do conselho fiscal do GIFE. Por isso, para atuar na gestão administrativa e financeira de uma instituição sem fins lucrativos é necessário, além de experiência em administração contábil e financeira, conhecer a legislação sobre o terceiro setor. Tanto para as questões legais como para que a instituição tenha credibilidade perante a sociedade, a gestão também deve priorizar a transparência. “”Uma organização do terceiro setor deve ser administrada com o mesmo profissionalismo das empresas. As exigências legais e fiscais são complexas para ambas””, explica Romon.

Profissionais – Antonio Luiz de Paula e Silva, coordenador técnico do Instituto Fonte e professor do módulo “”Gestão organizacional, administrativa e financeira em organizações sociais”” do Curso Ferramentas de Gestão, lembra que as pessoas que trabalharam em empresas tendem a ter muita habilidade para lidar com dinheiro e números. Por outro lado, quem vem do terceiro setor tem maior experiência com processos de mobilização e educação. “”Pode ser que as organizações do terceiro setor precisem e queiram trabalhar melhor nesta dimensão. Do ponto de vista da gestão, faz muita diferença se a avaliação dos resultados se restringe somente aos itens financeiros, por exemplo. O mesmo critério usado em organizações de diferentes tipos pode levar a resultados diferentes no longo prazo.””

A gestão no terceiro setor, para ele, pode ser tão ou mais complexa do que em uma empresa. “”Não há apenas um único pré-requisito para que ela seja eficiente, há muitas variáveis em jogo. Eu diria que todo gestor de uma organização da sociedade civil tem que conhecer muito bem a natureza da sua instituição, ter um conceito bem claro de qual é o seu papel no mundo e buscar continuamente formas de fazer isso da melhor maneira possível. Para ser coerente, é necessário um investimento regular em auto-desenvolvimento e aprendizagem. Se uma organização não se renova, dificilmente terá êxito no longo prazo.””

Gabriel Ligabue completa que, com as atuais estruturas absolutamente enxutas, equipes internas reduzidas e demandas cada vez maiores, é preciso fazer com que as pessoas sejam altamente treinadas e formem verdadeiramente um time multidisciplinar e solidário. “”Nesse processo de crescimento, as operações tornam-se mais complexas, o trabalho precisa ser disciplinado, metas de desempenho devem ser adotadas e a equipe passa a contar com pessoas que têm um vínculo menor com a causa original da organização e que precisam ser continuamente mobilizadas para que não se perca o foco.””

Ele atenta para a necessidade de utilizar todas as ferramentas tecnológicas hoje disponíveis para não se perder em processos administrativos burocráticos e muitas vezes ineficientes. “”É preciso lembrar que burocracia não é sinônimo de controle e que controle não é sinônimo de gestão. O controle é e será sempre necessário, mas deve estar absolutamente integrado à estratégia e ao resultado das ações empreendidas””, afirma. Para que isso aconteça, os objetivos devem estar absolutamente claros para todos os envolvidos e as informações precisam circular, sem parar nas gavetas ou em pastas (reais ou virtuais). “”Não se trata de reinventar a roda, mas sim buscar adequá-la, em relação ao seu tamanho e composição, às características e peculiaridades do terceiro setor.””

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