Espaço público é fundamental para formação da criança cidadã

Por: GIFE| Notícias| 03/02/2003

MÔNICA HERCULANO

A utilização do espaço público é fundamental para o desenvolvimento da cidadania nas crianças. É o que defende a arquiteta Cláudia Oliveira, no estudo O ambiente urbano e a formação da criança, apresentado na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, no ano passado.

Em entrevista ao redeGIFE, ela conta quais características identificam o espaço ideal para o crescimento saudável da criança.

redeGIFE – Como surgiu a idéia do estudo?
Cláudia Oliveira – O ponto central do estudo foi a ótica das crianças para o seu próprio lazer nos espaços públicos que a cidade lhes põe à disposição e onde todas elas assumem o papel de elaboradoras, participantes e consumidoras de suas próprias invenções e descobertas. Pretendi responder às seguintes questões: por que algumas crianças não utilizam o espaço público e outras fazem dele a sua moradia ou perambulam entre os carros nas esquinas? Como projetar uma cidade saudável e funcional para todos, dando às crianças a formação adequada e necessária ao seu desenvolvimento, com locais onde elas possam conviver, aprender, brincar e se socializar?

A falta de espaços, de solidariedade, de segurança e de respeito, as limitações e o excesso de horas que as crianças assistem à televisão ou utilizam o computador são hoje, equivocadamente, considerados normais na sua formação. É claro que o incremento do radicalismo, da segregação, do individualismo e da conseqüente violência nos dias atuais se deve a uma série de fatores. Mas também é certo que a adequação do ambiente urbano para ser utilizado por todos, inclusive pelas crianças, minimiza tais problemas.

redeGIFE – Qual foi a metodologia utilizada?
Cláudia – Para verificar a influência do ambiente urbano na formação da criança, fez-se necessário, por meio de pesquisa bibliográfica, estudo de caso, pesquisa qualitativa ou análise de dados, estudar o espaço pessoal da criança. Identifiquei o porquê da necessidade de a criança conhecer e se movimentar no espaço público e constatei, no município de São Paulo, como os espaços públicos podem colaborar com a formação das crianças, ensiná-las a respeitar e compreender as diferenças, socializá-las, formar sua autonomia e ajudar no aprendizado da cidadania.

redeGIFE – Quais as principais conclusões que o estudo traz?
Cláudia – Entre todos os tipos de espaço, o público é o que proporciona uma fonte de estímulos, riquezas, conhecimentos, aprendizados e inter-relacionamentos. Além disso, desempenha um importante papel no processo da formação da criança. Hoje as crianças apresentam mudanças na percepção e exploração dos espaços, pois não os vivenciam. Todas elas precisam vivenciar o espaço público de seus bairros. Elas necessitam do espaço próximo às suas casas para poderem realizar o lazer no seu tempo disponível e construir sua autonomia, a qualquer dia e hora. O espaço tem papel fundamental na formação das crianças, de modo especial o espaço público urbano de uso multifuncional.

redeGIFE – No que mais a arquitetura pode influenciar a formação da criança?
Cláudia – A criança cidadã surge com o exercício da liberdade, em espaço e ambiente adequados, pois o modelo cívico forma-se da cultura e do espaço. Como formar um ser humano saudável, rico em suas relações sociais, se os espaços oferecidos à criança são coalhados de restrições? Elas necessitam de um espaço público de liberdade para poder desenvolver sua autonomia. Um dos aspectos a serem cuidados no ambiente urbano refere-se à sua adequação às necessidades da criança. Este ajuste é básico para a formação das nossas futuras gerações.

redeGIFE – Como a sociedade civil organizada pode atuar nesse sentido?
Cláudia – Todos nós precisamos utilizar os espaços públicos que a cidade nos oferece e fazer deles o nosso espaço, reivindicando os nossos direitos e cumprindo os nossos deveres como usuários. É necessário conscientizar a população da importância e do direito do uso dos espaços públicos. A sociedade civil poderá também colaborar com o Estado na divulgação e aplicação de soluções, aquisição, utilização e conservação desses espaços.

redeGIFE – Como identificar se um determinado espaço não é o ideal ou está interferindo no desenvolvimento de uma boa formação infantil?
Cláudia – Crianças que não utilizam o espaço público e fazem seus itinerários sempre dentro de veículos têm dificuldade de elaborar seus mapas mentais e desenvolvem uma percepção diferente daquelas que circulam a pé. A noção de espaço físico da criança é bastante recortada. Ela faz composições entre o imaginário e a realidade, com soluções que a eximem de construir uma percepção do espaço e do movimento nele. Apresentam indícios de perda de noção dos espaços físico e público e da socialização.

redeGIFE – Com a atual situação de violência e insegurança, e os pais evitando que as crianças saiam na rua, qual a melhor maneira de suprir a pouca convivência em espaços públicos, além da escola?
Cláudia – Jane Jacobs nos diz que, quanto mais diversificado for o uso da rua, maior será a sua segurança. A apropriação do espaço público pelas pessoas faz com que mil olhos o construam e protejam. A cidade é entendida e sentida através de seus espaços de uso comunitário. Não freqüentar o espaço público faz com que a criança deixe de ter contato com o local aberto, de uso comum e com diversidade de pessoas, e de observar as mudanças que ocorrem e que influem na cidade como um todo. Para podermos viver na cidade, num ambiente de uso comum, precisamos aprender a conviver, ou seja, viver com os outros e no espaço de todos.

redeGIFE – Quais características deve ter o espaço ideal para o desenvolvimento de uma criança saudável?
Cláudia – É trabalhando o corpo no espaço público que a criança conhece e participa da dinâmica do viver na cidade, do encontro com a natureza. Na relação com esse espaço ela aprende a medir, em cada movimento, distância, força e velocidade. A cultura da sociedade é aprendida pela criança no espaço e no tempo por observação e imitação, brincando, trocando experiências, criando vínculos com outras crianças e com adultos de diversas classes sociais, eliminando barreiras segregacionistas, desenvolvendo a solidariedade e promovendo a socialização. Estes espaços precisam ser estimulantes, vivos, com diversos tipos de materiais, cores, alturas, formas e texturas. O ambiente prazeroso propicia a socialização. Num espaço adequado, as crianças se sentirão respeitadas enquanto suas usuárias e futuras cidadãs e também o respeitarão, pois ele é o seu espaço. Um espaço público bem projetado criará nas crianças o gosto pela cidade.

redeGIFE – Como o governo pode atuar para melhorar o espaço público, afim de atender essas condições ideais?
Cláudia – O poder público precisa disponibilizar áreas para o lazer, espaços que sob a ótica da criança estimulem os sentidos e o movimento, enriqueçam a mente e a criatividade, permitam o contato com a natureza e com outras crianças. Todas as crianças têm direito à saúde, à liberdade, ao lazer, à dignidade, ao respeito, à educação e à convivência comunitária. Por essa razão, a cidade deve fornecer espaços públicos apropriados a elas, que levem em conta suas dimensões físicas e o número de crianças que o utilizarão.

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