Avaliação responsável aproxima projetos sociais dos resultados e impactos esperados

Por: GIFE| Notícias| 23/08/2004

CARLOS FRAGA
Coordenador de pesquisa e avaliação do Canal Futura

O Brasil vive um boom de projetos sociais. ONGs, fundações e institutos das mais variadas correntes políticas, ideológicas e religiosas realizam trabalhos em praticamente todas as áreas essenciais da atividade humana. E num país com tantos problemas como o Brasil, com altíssimos índices de desemprego, fome e miséria, habita o inconsciente coletivo a certeza de que qualquer tipo de intervenção social bem intencionada gera excelentes resultados. É como se o projeto já viesse acompanhado dos benefícios aos quais ele se propõe, independentemente de sua eficácia, eficiência e efetividade.

Essa postura era compreensível até o final dos anos 80, dado o grande déficit de ações sociais provocado pelo longo período de regime militar que represou boa parte das energias da população brasileira. Com a volta da democracia no plano político, o importante era concentrar todos os esforços no fazer social. Não estava colocada para a sociedade civil naquele momento a necessidade de avaliar o que era feito. Mas a situação agora é diferente. A demanda por resultados concretos e mensuráveis é cada vez maior e vem de todos os segmentos, desde as fontes financiadoras dos projetos até os supostos beneficiados.

É importante garantir, através de avaliações científicas, que os projetos permitam aos agentes financiadores saber até que ponto as suas metas sociais estão sendo atingidas; e possibilitem aos grupos contemplados uma participação efetiva na concepção, elaboração e acompanhamento das ações, dando-lhes condições de nelas interferir e de saber se o esforço empregado e as esperanças depositadas estão valendo a pena.

Apesar de diversas instituições já revelarem preocupação com a avaliação de seus projetos, o tema ainda é um tabu em nosso país. São muitos os motivos para que não se dê a devida importância à avaliação. Mas o principal deles é um grande paradoxo: temos, ao mesmo tempo, excesso de confiança e de insegurança em relação ao que fazemos.

A confiança vem de longos anos de desamparo avaliativo que permitiram o desenvolvimento de grande sensibilidade, por parte dos realizadores de projetos sociais, para enxergar problemas, corrigir rotas e estimar resultados e impactos. Na falta de instrumentos científicos, apurou-se a intuição. Mas essa intuição, de grande valor gerencial, nunca está sozinha. Vem sempre acompanhada de boa dose de prepotência, que faz os agentes sociais se considerarem aptos o suficiente para julgar, sem bases científicas, o próprio trabalho, e conhecedores, ou até mesmo porta-vozes, dos interesses dos grupos que pretendem contemplar.

A insegurança vem da presença no Brasil de uma cultura de avaliação associada aos valores cristãos mais conservadores, que veneram a culpa e foram rapidamente disseminados na vida escolar e no mundo do trabalho. Os fins são, na maioria das vezes, persecutórios e sustentam um movimento pendular entre a punição e a premiação. Historicamente, a avaliação tem servido para identificar culpados e quase sempre recai sobre indivíduos e não sobre processos, princípios, concepções, métodos. O medo da punição, traduzida na descontinuidade dos projetos ou na troca de seus gestores, tem gerado grandes resistências ao trabalho de avaliação.

Mas se, por um lado, os executores de projetos sociais precisam desmistificar a avaliação, por outro, aqueles que avaliam precisam fazer um intenso trabalho de esclarecimento, desanuviando o ambiente e tranqüilizando os interlocutores. É necessário mostrar que a avaliação, mesmo em bases científicas, não pode e não deve prescindir da intuição produzida pela experiência. Ela tem que dialogar permanentemente com os agentes sociais o com os grupos contemplados, desde a sua concepção até a interpretação dos dados que fornece, passando pela definição de indicadores e de instrumentos avaliativos. É fundamental deixar claro que uma avaliação responsável não é feita para punir ninguém, mas para aproximar o projeto de seus objetivos e dos resultados e impactos esperados.

A experiência do terceiro setor, que tem prestado inestimável contribuição para a expansão e descentralização das ações sociais, precisa agora dar um salto de qualidade e voltar-se para dentro. A avaliação científica deve ser vista como parte essencial dos projetos e mecanismo para o estabelecimento de uma relação ética com os parceiros – fontes financiadoras e público participante – e com a sociedade em geral.

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