“Tema “”Lula no poder”” não deve impactar pauta do Fórum Social”
Por: GIFE| Notícias| 20/01/2003MÔNICA HERCULANO
Após duas edições, o Fórum Social Mundial já é tão ou mais representativo do que o Fórum Econômico Mundial. Esta é a opinião de Sérgio Haddad, presidente da Abong (Associação Brasileira de ONGs), uma das organizações realizadoras do evento que começa nesta quinta-feira (23/1), em Porto Alegre (RS).
Em entrevista ao redeGIFE, ele fala da importância do Fórum em tempos de Lula e da iminência de uma guerra no Iraque.
redeGIFE – Que tipo de influência o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva pode trazer aos debates do Fórum Social Mundial deste ano?
Sérgio Haddad – Acho que ainda é muito cedo para dizer. Acredito que o tema “”Lula no poder”” pode eventualmente trazer alguma nova perspectiva sobre os debates, ser um elemento a mais nas discussões. Mas não sei se terá um impacto significativo na pauta do Fórum, que já estava com uma agenda anterior levantada.
redeGIFE – Recentemente, alguns organizadores do FSM declararam à imprensa que seriam contrários à participação da equipe econômica de Lula, principalmente de Antonio Palocci (ministro da Economia) e de Henrique Meirelles (presidente do Banco Central), no FSM 2003. Isso é mesmo verdade?
Haddad – Isso é absolutamente falso. Nunca houve nenhum tipo de restrição à participação de ninguém da equipe econômica, da equipe do Germano Rigotto (governador do Rio Grande do Sul) ou da equipe do João Verle (prefeito de Porto Alegre). O convite é feito ao prefeito, ao governador e ao presidente da República, as três instâncias de governo, e extensivo a toda sua equipe. A notícia, como foi dada, é um pouco estranha, até porque era em off e não se conseguiu reconhecer quem tenha falado como comitê organizador. Então, não é verdade. Não há restrição nenhuma e o convite é extensivo, porque essas três instâncias são apoiadoras do Fórum Social Mundial e convidadas a participar como anfitriões.
redeGIFE – O presidente Lula confirmou nesta semana sua participação no FSM e também vai participar do Fórum Econômico Mundial, em Davos (Suíça). O que os organizadores do FSM acham da presença do presidente nos dois fóruns?
Haddad – O Fórum não tem uma posição sobre a participação do presidente Lula em Davos, pois os organizadores não tomam posição em nome do Fórum, são opiniões pessoais. Mas isso é uma decisão de governo sobre aquilo que acha melhor para o presidente. Eu, particularmente, acredito que Lula não está aderindo às teses de Davos. Pelo contrário, ele deve ir lá justamente exercer a crítica ao que representa Davos. No meu ponto de vista, era uma ida desnecessária. Não acho que seja o momento, porque ele vai enfrentar reações muito fortes lá, onde haverá manifestações contrárias à presença de todos os que ali estarão. Não ao Lula em particular, mas ele terá que enfrentar isso. Acho que não é um lugar de negócios, mas de comércio. Não é um lugar de representação do presidente da República. O mais indicado seria enviar os ministros da área econômica, que já são afeitos à participação nesse local. Acho que é dar muita importância a Davos, que no nosso ponto de vista não tem essa importância para que um presidente da República se coloque a dar satisfação a esses homens de negócios que ali estão presentes.
redeGIFE – No ano passado, o FSM ocorreu em um momento no qual a crise argentina atingia seu ápice. Neste ano, o encontro ocorre ao mesmo tempo em que observamos uma crise instalada em outro país sul-americano, a Venezuela, sem falar na iminência de guerra no Iraque. De que forma estas duas crises poderão pautar as discussões do Fórum?
Haddad – Não tenho dúvida de que a questão da guerra no Iraque será tratada muito fortemente no Fórum, particularmente no primeiro dia, quando haverá uma grande massa em favor da paz. E a idéia é repudiar, evidentemente, qualquer ação de guerra, porque nós entendemos que uma ação de guerra é uma negação da política. É o uso da força, é a negação do diálogo, da capacidade de acordo, de negociação, etc. Como nós sabemos que os interesses de guerra por parte dos EUA são muito mais de natureza econômica do que de natureza de justiça social, temos certeza que essa é uma temática que o Fórum Social vai tratar de maneira muito forte. Quanto à crise da Venezuela, não sei se terá a mesma dimensão, mas certamente será tratada como uma das temáticas do Fórum.
redeGIFE – Quais as diferenças deste FSM em relação às duas primeiras edições?
Haddad – Nessa terceira edição o Fórum é muito maior, em termos de participação. E isso tem repercussões do ponto de vista da ocupação dos espaços da cidade. Não será mais em um único lugar. Será, além da PUC, nos armazéns do cais, no (ginásio) Gigantinho e no Parque Harmonia, onde há o acampamento da juventude. Haverá atividades nesses quatro lugares ao mesmo tempo. A segunda diferença é que haverá uma novidade do ponto de vista da metodologia, que são as mesas de diálogo e controvérsias, nas quais temas polêmicos serão tratados por diversos olhares. E também a idéia de que em todos os debates, painéis e conferências se possa avançar do ponto de vista das estratégias, ou seja, além das propostas alternativas de construção de um novo mundo, como é que nós podemos chegar lá, quais são as estratégias para que se possa implantar essas propostas.
redeGIFE – O FSM foi criado para se contrapor ao Fórum Econômico Mundial. Hoje ele pode ser considerado tão importante quanto o Econômico?
Haddad – Não tenho dúvida. No primeiro ano, o Fórum Social começou a dividir os espaços de mídia com o Fórum Econômico. No ano passado, o Fórum Social ganhou importância na mídia nacional e internacional, frente ao Fórum Econômico, na medida em que esse também teve que ir para Nova Iorque, por causa de todos aqueles conflitos que ocorreram em Davos. E neste ano há uma grande expectativa. Já são quase 3.000 jornalistas inscritos no Fórum Social, então acreditamos que terá grande impacto de mídia.
redeGIFE – Qual a importância do crescimento da representatividade do FSM?
Haddad – Acho que a gente já marca várias coisas. Primeiro, os temas sociais passaram a ser pautados na mídia em geral, inclusive no próprio Fórum Econômico. Se olharmos no site, veremos que os temas sociais são dominantes ao próprio tema econômico. Hoje há uma diversidade em relação ao que se estabelecia como pensamento único. Questionou-se muito fortemente as idéias propostas pelo modelo de globalização atual, há um impacto de natureza organizativa dos movimentos sociais e das organizações da sociedade civil, sua capacidade de organização, articulação e mobilização. Então, não há dúvida nenhuma de que a existência do FSM contribuiu tanto para o debate sobre alternativas quanto para a organização da sociedade civil na sua luta por implantar um mundo mais justo, mais democrático.
redeGIFE – Na Carta de Princípios está estabelecido que o FSM não pretende ser uma instância representativa da sociedade civil mundial, embora somente reúna e articule movimentos e entidades da sociedade civil. Isso não é controverso?
Haddad – Não. A idéia básica é que o FSM seja um espaço para todos aqueles que, dentro de duas linhas gerais – contrários a esse modelo de globalização e contrários às políticas neoliberais – possam discutir, seorganizar, mobilizar, etc. O Fórum não é um espaço de direção. Isso não quer dizer que as entidades presentes não possam se articular entre elas, criar documentos, cartas, definir o futuro de organizações, o que tem ocorrido de maneira mais natural. O grande problema é se isso entra no espaço do Fórum como um todo, porque implicaria desqualificar alguns para valorizar outros, ou algumas posições em detrimento de outras, e seria o fim do Fórum Social como um espaço eclético, com múltiplos olhares e que não quer, em nenhum momento, substituir o pensamento único anterior por um novo. E não fazer do Fórum um espaço de luta política.
redeGIFE – Este deve ser o último FSM a ser realizado em Porto Alegre? Por quê? Algo está sendo feito para que ele continue sendo no Brasil?
Haddad – A decisão definitiva será tomada na reunião do Conselho Internacional, dois dias antes do início do Fórum. Há um indicativo de que ele pudesse ser feito na Índia, a partir da experiência desse país na organização de um encontro regional asiático, que ocorreu no começo do ano. Será feita uma análise e tomada a decisão. Isso não quer dizer que o Fórum não volte ao Brasil, porque existe um indicativo que se faça um fora e retorne. Então, seria um na África, um no Brasil, um na Ásia, um no Brasil, e assim por diante, de maneira a garantir os princípios do FSM e esse, digamos, valor de origem que o Brasil tem pelo fato de ter organizado as três primeiras edições.