Resolução traz polêmica à regulação dos fundos para a infância
Por: GIFE| Notícias| 09/04/2007Rodrigo Zavala
O Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) concluiu versão preliminar de uma resolução com novos parâmetros para o funcionamento dos Fundos para a Infância e Adolescência (FIA). O documento, que esteve em consulta pública até o dia 30 de março e será aprovado em Assembléia do Conselho apenas em junho deste ano, traz pontos polêmicos para discussão, principalmente no que tange às chamadas “”doações vinculadas””.
A prática se resume em promover um repasse aos fundos, mediante o direcionamento do recurso a um projeto específico, predeterminado. Isto significa dizer que o doador – seja pessoa jurídica (que pode direcionar 1% do Imposto de Renda devido), seja física (6%) – tenha o direito de decidir para qual ação social o seu dinheiro será enviado.
Atualmente, a responsabilidade sobre toda e qualquer destinação é dos Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente (CDCA), compostos paritariamente por representantes do Poder Executivo e membros da sociedade civil organizada.
Segundo o presidente do Conanda, José Fernando da Silva, falta sistematizar a legislação dos fundos. “”Essa versão preliminar cria as condições para definirmos os parâmetros em conjunto com a sociedade, que deve orientar e controlar a aplicação dos recursos públicos””, afirma Silva.
Os defensores da prática alegam que a doação vinculada ocorre em relação a projetos que foram previamente aprovados pelos conselhos. Assim, eles continuam como órgãos efetivos de deliberação sobre quais as iniciativas que poderão receber essas verbas, seja mediante doações vinculadas ou não.
“”A aplicação destes recursos deve ser efetuada a partir da demanda das crianças e adolescentes e decidida por todos os parceiros envolvidos no processo de doação: o poder público, os conselheiros eleitos pela sociedade, o movimento organizado de defesa dos direitos humanos, os próprios meninos e meninas e, inclusive, as pessoas e empresas doadoras””, afirma Pedro Prata, do instituto Oi Futuro, organização que promove programas sociais para crianças e adolescentes (conheça os projetos).
No entanto, segundo a Promotora de Justiça do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, Luciana Caiado Ferreira, a decisão pode levar, ao contrário, a um enfraquecimento dos conselhos, como gestores das verbas. “”São órgãos para analisar, debater e formular publicamente os planos de aplicação dos recursos, em exemplo concreto do que a Constituição da República chama de democracia direta””.
Bastante crítica sobre a prática (leia entrevista), ela alega ainda que poderá haver distorções no planejamento e na distribuição dos recursos. “”É freqüente a superposição ou mesmo o antagonismo entre ações, fruto da falta de planejamento e coordenação inerente às iniciativas isoladas””. Como exemplo, ela cita entidades que distribuem sopa às crianças em situação de risco nas ruas que, sem articulação, “”atua de forma antagônica àquelas que tentam promover a família para acolher seu filho, afastando-o do risco””.
Outro ponto de discórdia entre defensores e críticos é o possível favorecimento do renomado em detrimento do desconhecido. “”As crianças, iniciativas ou entidades das zonas mais carentes da cidade não têm a mesma visibilidade de suas co-irmãs das zonas mais nobres e, nem por isso, precisam de menos recursos””, considera a promotora.
De acordo com o advogado Eduardo Szazi, especialista em terceiro setor, os CDCA têm “”legitimidade moral, legal e econômica”” para definir políticas de aplicação dos recursos doados aos fundos que possibilitem a participação do doador na escolha do projeto ou entidade a ser beneficiada. “”Ela está submetida ao controle institucional do CDCA, do Conselho Tutelar, do Ministério Público e da autoridade judiciária, por conta de suas atividades regulares, e, também, do Tribunal de Contas, por conta do recebimento de recursos do FIA””, argumenta.
Ao analisar a resolução do Conanda, coordenador do Projeto Marco Legal e Políticas Públicas do GIFE, Eduardo Pannunzio, mostrou-se a favor das doações condicionadas (veja parecer oficial do GIFE). Para ele, aqueles contrários ao mecanismo comumente concluem que os aportes, embora feitos por particulares, constituiriam “”dinheiro público”” – o que escapa ao poder de disposição do doador.
“”O equívoco é patente. E isso por uma simples, mas indesviável razão: no momento da doação, não se sabe se o doador, ainda que autorizado a tanto, irá pleitear a dedução fiscal no ano subseqüente. Lembre-se ainda que, de acordo com a legislação em vigor, apenas uma parcela reduzida das pessoas físicas (aquelas que utilizam o modelo completo de declaração de ajuste anual) e das pessoas jurídicas (as tributadas no regime de lucro real) têm acesso ao mencionado incentivo””, explica.
Segundo Pannunzio, equiparar a doação feita por particulares a uma destinação de recursos públicos não apenas carece de suporte fático ou jurídico, como implica em ignorar que a maioria dos indivíduos ou empresas não desfrutam de qualquer estímulo fiscal para contribuir com os fundos.
No entanto, para promotora de Justiça, Luciana Caiado Ferreira, qualquer verba depositada nos fundos, ainda que por ato de liberalidade, torna-se imediatamente verba pública, “”naturalmente sujeita a todos os princípios e normas relativos à arrecadação e aos gastos públicos””. Afinal, são verbas do imposto de renda devido que a lei autoriza o contribuinte a direcionar.
“”Como não poderia ser diferente, a lei respeita o princípio da não-vinculação dos impostos, que proíbe a ingerência direta do contribuinte na destinação dos recursos. Permitir o depósito vinculado no fundo seria o mesmo que permitir que o contribuinte do IPTU pudesse escolher a rua a ser pavimentada com o valor de seu imposto””, conclui a promotora.