Pacto mostra sucesso de articulação social

Por: GIFE| Notícias| 21/05/2007

Rodrigo Zavala

Nas comemorações de dois anos do Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo, seus organizadores mostraram resultados positivos da iniciativa, como a visibilidade alcançada intersetorialmente e o aumento de empresas e organizações engajadas. No entanto, eles alegam que o maior motivo para celebrar é a eficiência conquistada pelo trabalho conjunto de diferentes atores, que possibilitou sistemáticos êxitos.

Lançado no dia 19 de maio de 2005, em Brasília, o pacto é promovido pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), pelo Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social e pela ONG Repórter Brasil. Foram essas três organizações que iniciaram um trabalho de conscientização social, que hoje conta com a adesão de mais de 100 empresas nacionais e estrangeiras, além de entidades de classe do setor empresarial. Todas se comprometeram a não mais adquirir produtos de empresas que, comprovadamente, se utilizam de mão-de-obra escrava.

A idéia é simples. O pacto segue a chamada “”lista suja”” do trabalho escravo no Brasil, um cadastro público que informa as empresas flagradas em atos ilícitos, atualizada semestralmente pelo Ministério do Trabalho e do Emprego (MTE). Com base nesse rol de criminosos, bancos públicos e privados, governos locais e federal bloqueiam recursos que possam financiar essas atividades, tal como grandes varejistas se negam a distribuir seus produtos.

“”É um estrangulamento comercial e financeiro dessas empresas, para que elas simplesmente sigam a lei. E seguir a lei, nesse caso, é respeitar a dignidade humana””, afirma a coordenadora do Projeto de Combate ao Trabalho Escravo da OIT no Brasil, Patrícia Audi. Segundo ela, a lista ainda colabora ao informar os consumidores, para que não apenas deixem de comprar os produtos, mas também pressionem outras empresas a fazer o mesmo. É uma questão de responsabilidade social das empresas, enfim.

As principais atividades econômicas em que foram resgatados os escravos contemporâneos brasileiros são: pecuária de corte (com 62% dos casos), seguidas por carvão (12%), algodão (5,2%) e soja (4,7). “”Foram libertados, no ano passado, 3729 trabalhadores só no setor bovino. Eles não são os vaqueiros, mas aqueles que cuidam da manutenção do pasto e, pior, da abertura de florestas, em práticas ilegais, para o aumento desse pasto””, explica o coordenador geral da ONG Repórter Brasil, Leonardo Sakamoto, responsável pelo levantamento.

Embora o pacto não seja responsável pela as apreensões ou investigações, mas sim o Ministério Público, o bloqueio de investimentos a essas empresas tem surtido um efeito real: a diminuição do número de trabalhadores escravos. Afinal, segundo procurador do Ministério Público do Trabalho, Luis Camargo de Mello, um fazendeiro flagrado pode abrir uma nova empresa e novamente burlar a lei, enquanto enfrenta o processo de seu antigo empreendimento.

“”Há inúmeros casos em que o empresário, por meio de liminares, consegue retirar seu nome da lista suja e, durante alguns meses, tenta financiamento. Sem os critérios e comportamentos trazidos pelo pacto, ele possivelmente conseguiria””, afirma. Nessas situações, os signatários podem seguir uma espécie de histórico, que os mantenha informados das alterações na lista, inviabilizando possíveis burlas.

Um dos exemplos vem do Mato Grosso, um dos Estados que mais apresentam casos de trabalho escravo – perdendo apenas para o Pará, nos levantamentos da ONG Repórter Brasil. É a experiência do Grupo Amaggi, que, por meio da Fundação André Amaggi, de Souza, não apenas segue a lista, como faz um levantamento socioambiental de seus fornecedores.

Com 18% de participação no mercado de Mato Grosso, o grupo conseguiu baixar de 14% para 1% os casos de compras oriundas de fornecedores suspeitos. “”Sem auditoria não há negociação. Capacitamos nossos funcionários para fazê-las, pois muitos fazendeiros usam disfarces para distribuir seus produtos, como substituir o CNPJ, por exemplo””, lembra a coordenadora de desenvolvimento social da fundação, Juliana Lopes.

A experiência do Grupo Amaggi tem o mérito também de persuadir os fazendeiros a mudar suas práticas. Embora não os ajude financeiramente, tenta dar suporte para que eles sigam a lei. Isto é, mostram que, se estiverem quites com a justiça, obterão mais benefícios do que embargos.

Afinal, eles não precisam ser instruídos, como se confirma pelo curioso dado trazido pelo senador José Neri, que faz parte da Subcomissão de Combate ao Trabalho Escravo do Senado – vinculada à Comissão de Direitos Humanos -, nascida pós o pacto. Por meio dos relatórios elaborados pela instância, o perfil dos empresários que praticam o crime não é de iletrados, desinformados ou ignorantes; pelo contrário. “”São pessoas instruídas, com apoio jurídico. Isso explica porque conseguem liminares para voltarem a receber recursos. Trata-se de uma chaga social que envergonha o país internacionalmente””, discursa.

Segundo o senador, está em discussão um Projeto de Lei que prevê a expropriação das terras de fazendeiros flagrados cometendo o delito. A iniciativa, se não prova, pelo menos evidencia um grau de comprometimento do legislativo sobre a questão.

Mesmo assim, ainda há muito a ser feito, como denuncia o frei Xavier Plassat, que há mais de uma década constata as piores transgressões. Como coordenador da Comissão Pastoral da Terra, ele tem acesso ao número de denúncias anuais, em torno de 250. “”Existe uma necessidade real de fiscalização. Basta ver que há um número muito maior de casos do que de cadastrados na lista. Os produtores sempre encontram brechas e apenas um envolvimento de todos poderá evitá-las””, crê.

Para secretário-executivo do Instituto Ethos, Caio Magri, a luta contra o trabalho escravo no país não é apenas uma questão humanista. Trata-se também da idoneidade do setor privado brasileiro, não apenas internamente – com consumidores mais conscientes sobre a origem dos produtos -, mas em acordos internacionais. Afinal, perde-se confiabilidade no mercado quando a origem dos produtos é duvidosa. Basta lembrar do achincalhamento público que sofreu a empresa de artigos esportivos Nike, em 2002, , quando seus fornecedores foram denunciados por maltratar empregados e usar mão-de-obra escrava e infantil em países asiáticos.

Em uma época em que a responsabilidade social deixa de ser altruísmo ou diferencial empresarial – no que tange a valores e ética universais – para se tornar as bases de um mundo sustentável, o respeito a “”dignidade humana””, nas palavras de Patrícia Audi, da OIT, é o consenso mais evidente.

De acordo com dados da OIT, os trabalhadores aliciados para o trabalho escravo são, em sua grande maioria, homens com idade entre 21 e 40 anos, analfabetos ou com pouquíssimos anos de instrução. A vulnerabilidade desses trabalhadores, a maioria provenientes de estados com baixo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) deve-se, principalmente, à falta de oportunidade de geração de emprego e renda que permitam a sobrevivência de suas famílias, lembra Patrícia.

“”Embora o Brasil tenha avançado muito na repressão e combate a esse crime são necessárias ainda medidas de prevenção e informação àquelas comunidades vulneráveis que correm o risco de terem seus trabalhadores aliciados e traficados para serem explorados como escravos principalmente em fazendas Região Norte””, argumenta.

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