Investimento em educação pública é pequeno e inadequado
Por: GIFE| Notícias| 08/05/2006Rodrigo Zavala
Duas pesquisas divulgadas nas últimas semanas colocam o Brasil em uma posição ingrata no que se refere à qualidade do ensino público. Altos índices de repetência, baixo investimento, falta de professores, projetos educacionais insatisfatórios, são apenas exemplos do extenso rol de equívocos que o país enfrenta na formação de seus estudantes.
Um exemplo é a pesquisa Custo Aluno Qualidade, divulgada pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação, articulação política de organizações, movimentos e redes da sociedade civil brasileira. Como referencial para construção de uma política de financiamento da educação básica, o estudo é uma tabela com a quantidade de recursos que devem ser aplicados em cada fase da educação para se chegar a um mínimo de qualidade.
Segundo dados do Ministério da Educação, o gasto anual por estudante de escola pública não passa de R$600. Isto significa dizer que um aluno em uma escola pública brasileira estadual ou municipal custa menos de dois reais por dia. Com R$60 por mês, portanto, ele custeia professores, funcionários, insumos didáticos.
A tabela criada pela Campanha exige o triplo: seja no ensino fundamental, seja no médio, os investimentos devem ser de aproximadamente R$1.700 reais; em creches, o valor é ainda maior, R$4.140, pois exigem período integral.
Mudança de paradigma – O Custo Aluno Qualidade (CAQ), na visão de Denise Carreira, coordenadora da Campanha Nacional, representa uma inversão completa da lógica que pauta o financiamento da educação e das demais políticas sociais no Brasil. Marcado pela subordinação do investimento social à disponibilidade orçamentária imposta pelo ajuste fiscal, a lógica vigente estabelece que o valor médio gasto por aluno no país está vinculado pelo número de estudantes matriculados, variando conforme as oscilações da arrecadação.
O CAQ está previsto na Constituição Federal (1988), na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (1996), na Lei do Fundef – Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do Magistério (1996) e no Plano Nacional de Educação (2001). Segundo a lei do Fundef, o prazo para que União, Estado e Municípios estabelecessem esse referencial expirou em 2001, durante o governo do presidente Fernando Henrique Cardoso. “”É constitucional. Não estamos colocando valores para uma escola ideal, mas sim, para termos um mínimo de qualidade. É o arroz e feijão da educação.””
O estudo CAQ leva em conta atributos como materiais didáticos e equipamentos, manutenção da infra-estrutura escolar, salários e formação permanente dos profissionais de educação, entre outros itens.
Erro Histórico – Para Denise, uma das razões para explicar a escassez de recursos para a educação vem dos anos 90. Na década predominava no Brasil – e em grande parte da América Latina – o discurso, sobretudo promovido pelo Banco Mundial, de que não seria necessário aumentar os recursos, somente utilizar bem os existentes.
“”Mesmo a expansão de matrículas foi baseada em um modelo de baixo investimento. O que levou a qualidade que nós vemos. Em todos os exames internacionais de avaliação, o Brasil sempre aparece nas últimas colocações, seja em leitura, matemática, evasão””, argumenta.
Luis Norberto Pascoal, diretor da Fundação Educar DPaschoal, faz coro a Denise. Segundo ele, o investimento em educação é baixo, desbalanceado a mal gerenciado em recursos e projetos. “”A redução da pobreza, da desigualdade e o progresso econômico exigem um grande investimento em educação.””
O empresário é um dos protagonistas que encabeçam o projeto Compromisso Todos pela Educação, iniciativa que pretende reunir lideranças, sobretudo do campo empresarial, para discutir e agir sobre as prioridades da educação no país. “”Uma super articulação, um verdadeiro compromisso de todos os setores podem mudar a educação e a nação””, crê.
Ele apresentará a atuação do Compromisso Todos pela Educação, que conta com nomes como Viviane Senna e Milú Vilela em sua direção, no 4º Congresso Gife sobre Investimento Social Privado , na mesa de debates A Educação como Mecanismo de Transformação Social: Articulações e Pactos, na tarde de quinta-feira, 25 de maio.
Ao seu lado, Denise Carreira também falará um pouco mais sobre as atividades da Campanha Nacional pelo Direito à Educação e Luis Roberto Ferreira, diretor de responsabilidade social do YPY, que fará uma palestra com base no trabalho da Associação de Empreendedores Amigos da Unesco.
Investimento X Qualidade – A falta de investimento em educação no Brasil trouxe ao país uma situação dramática. Considerada um dos principais indicadores de qualidade na educação, a taxa de repetência de primeira a quarta série no Brasil é pior do que a do Camboja e Laos e equivalente à de países como Moçambique.
A classificação foi apresentada pela Unesco, no relatório Educação Para Todos 2006 – Professores e Educação de Qualidade. Nele, a entidade considerou os 45 países cujos índices de repetência são superiores a 10%. O Brasil, com taxa de 21% (a pesquisa usa como base o ano de 2002), tem situação melhor apenas que 15 países, a maioria da África e do Caribe. O Camboja, por exemplo, tem 11%. Já o Haiti, 16%, e Ruanda, 19%. No Chile, o índice é de 2%, e na Argentina, 6%.
No início do ano o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) havia chegado a um diagnóstico similar. Segundo a Síntese de Indicadores Sociais, o estudante brasileiro leva, em média, dois anos a mais do que o esperado para concluir o ensino fundamental. Ou seja, em vez de completar as oito séries em oito anos, o aluno perde 1,9 ano por causa da repetência.
Incompreensão – A alta taxa de repetência no Brasil torna-se ainda mais grave se colocado que algumas redes (SP e MG) adotaram os sistemas de progressão continuada. Nele, o aluno só repete ao final de cada ciclo (no primário, vai até a quarta série). Segundo dados do MEC (Ministério da Educação), cerca de 20% dos alunos matriculados na educação fundamental estão nesse sistema.
As propostas, levadas a cabo ainda na década de 80, ainda são motivo de discórdia entre educadores. “”Mal-afamada, mal interpretadas e, principalmente, mal-conduzidas, tais propostas conheceram um efeito colateral cumulativo: o baixo teor de da aprendizagem””, explica o professor da Faculdade de Educação da USP, Julio Groppa Aquino, em artigo escrito ao jornal O Estado de S. Paulo.
Segundo ele, por meio dos resultados obtidos pelos levantamentos, desponta uma país que, no quesito educacional, “”é objeto, se não de lástima, pelo menos de desonra””, escreveu.
Formação – O estudo divulgado pela Unesco aponta ainda que o Brasil precisará contratar 396,3 mil professores para o ensino primário até 2015. Atualmente, 806 mil docentes atuam nesse ciclo. A questão, no entanto, é como formar esses professores. Com um alto índice de repetência, demonstra-se que ainda não existe a qualidade necessária nem na formação dos professores, nem na formação do alunado.
Sobre a alta taxa de repetência no país, o MEC afirmou que possui quatro programas. Os projetos enfocam conselheiros escolares, os integrantes dos Conselhos Municipais de Educação, os diretores das escolas e os próprios secretários da área (estaduais e municipais).
Segundo o MEC, os programas servem como indutores em toda a rede de ensino, pois Estados e municípios são os responsáveis diretos pela educação fundamental. A pasta cita outros dois pontos que trarão benefícios para o ensino no país. O primeiro é a ampliação do ensino fundamental, de oito para nove anos, aprovado no começo deste ano.
Outro fator apontado pelo MEC é o Fundeb, novo fundo da educação básica, que está sendo analisado pelo Senado. Se aprovado, o fundo irá custear o ensino infantil -hoje, apenas o ensino fundamental é financiado por um fundo nacional.
Em decorrência da pressão da sociedade civil por meio do Movimento Fundeb pra Valer, liderado pela Campanha Nacional, a referência ao padrão mínimo de qualidade, base para a definição do CAQ, foi incorporada no texto da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) pela Câmara dos Deputados e referendada pelo Senado. “”Dessa forma, a PEC passou a garantir as condições de exigibilidade do CAQ, que serão precisadas na regulamentação do novo fundo””, acredita Denise Carreira.
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