Drogas: `O problema da escola é um problema da sociedade´
Por: GIFE| Notícias| 09/12/2002MÔNICA HERCULANO
ROBERTA PAVON
A Unesco lançou em novembro o terceiro livro baseado numa série de pesquisas sobre a juventude. Drogas nas Escolas teve o apoio de dois associados do GIFE, a Fundação Ford e o Instituto Ayrton Senna, e é um estudo que privilegia a escola como local estratégico para a luta contra as drogas.
Mary Garcia Castro, uma das autoras do livro, fala ao redeGIFE sobre os resultados da pesquisa.
redeGIFE – O estudo Drogas nas Escolas é uma continuação da publicação Violência nas Escolas?
Mary Garcia Castro – Ele baseia-se na mesma pesquisa, mas tem peculiaridades. Faz parte de uma série de quatro estudos: Aids, violência nas escolas, drogas nas escolas e sexualidade e juventude. A idéia foi fazer as pesquisas via um amplo questionário comum, mas com especificidades em relação a cada um desses temas, com grupos focais de alunos, pais, professores e outros membros das escolas. As pesquisas foram feitas em 2000, simultaneamente, mas as pessoas que responderam sobre drogas não são necessariamente as que falaram sobre violência. Para o “”Drogas nas Escolas”” escutamos cerca de 50 mil jovens.
redeGIFE – Chega a ser surpreendente o aumento do uso de drogas pelos estudantes?
Mary – Nós não pesquisamos antes e depois, ou seja, evolução no tempo. Mas tanto os pais e os professores, quanto os próprios alunos, consideram que vem aumentando o consumo de drogas e de tráfico dentro das escolas e, principalmente, no entorno delas. Cerca de 33% dos alunos e 30,5% do corpo técnico pedagógico pesquisado conhecem casos de drogas perto da escola. O número de pais que afirmam saber disso é menor (24,5%), mas ainda assim é um percentual alto. Dentro da escola, 23% dos alunos dizem que já presenciaram o uso de drogas, mas apenas 10,8% dos professores fazem essa afirmação. Isso pode refletir uma certa dificuldade por parte dos membros do corpo pedagógico em aceitar uma realidade que fragiliza a imagem da escola como um lugar seguro, afastado do perigo das drogas. Isso é muito complicado, porque a primeira condição sine qua non para enfrentar o consumo de drogas e o tráfico é saber detectar a sua existência. É mais importante que se admita a existência das drogas, porque é a partir dessa preocupação e da vontade de querer mudar que se pode fazer alguma coisa.
redeGIFE – Como as drogas chegam às escolas? A escola é o principal lugar onde os jovens têm o primeiro contato com as drogas?
Mary – Não, de maneira nenhuma. Como a escola é um lugar de socialização, há uma alta probabilidade de que ela seja um dos lugares, mas também acontece em festas, em bailes, em reuniões. Os meios são os mais diversos, a depender do tipo de droga. Por exemplo, há muitos casos de jovens que consomem álcool e que começaram por brincadeira, até mesmo no nível do grupo familiar. Existe um papel de socialização do álcool pelos pais numa festa de aniversário ou em festa de família. Já com as drogas ilícitas, um dos principais mecanismos de alastramento e divulgação é a própria turma de amigos.
redeGIFE – Quais as drogas mais utilizadas pelos adolescentes?
Mary – O álcool. 9,9% dos alunos de 10 a 24 anos dizem que consomem álcool regular ou freqüentemente. O uso eventual é muito alto: 45,9% dos alunos dizem que consomem álcool em atividades sociais, em festas ou em barzinhos. O álcool é bem mais difundido, porque é uma droga lícita, com muito consumo, visto inclusive na televisão. Já as proporções do uso de tabaco são muito mais baixas, inclusive como uma demonstração de que as políticas e os programas para “”desglamurizar”” o uso do cigarro têm tido algum efeito. O uso regular e freqüente do tabaco é de 3,3% e o uso eventual é de 7,5%. Enquanto 42% dos jovens dizem que não ingerem álcool, 89% afirmam não utilizarem tabaco. Entre as chamadas drogas ilícitas, a maconha é a mais difundida e a que mais se usa. 2% afirmaram utilizar maconha regularmente, 0,6% afirmam fazer uso regular de cocaína, e 0,4% falam do uso dos inalantes.
redeGIFE – No livro, vocês citam exemplos de consumo de drogas em outros países e épocas. Pelo histórico, grande parte dos consumidores usava para aliviar dores, acabar com o medo, produzir alegria e até mesmo acalmar paixões. Analisando os dias de hoje, porque os jovens usam cada vez mais as drogas?
Mary – As motivações para o uso das drogas formam um elenco bastante amplo. Há motivações existenciais, tanto no plano das perdas e das angústias, quanto no plano da curiosidade e da busca pelo prazer. Por outro lado, fala-se também em busca por felicidade e diversão. Existem ainda as questões de idade e influência dos amigos. Há um outro grupo que seriam os motivos de ordem sociocultural estrutural. Por exemplo, se o jovem não encontrava emprego, ia mal na escola e estava com problemas de ordem familiar. Mas algo que me parece muito importante é que nós perguntamos aos alunos oque eles achavam das pessoas que usam drogas ilícitas e o que eles achavam das drogas. E muitos dos que usavam drogas (68%) as consideravam um problema e um perigo.
redeGIFE – E isso é uma contradição, não é?
Mary – É uma contradição e ao mesmo tempo um pedido de socorro. Estamos trabalhando com uma geração que combina a razão com o lúdico. É impressionante como em todos os estudos identifica-se que, se sentir bem e ter projetos de vida, projetos coletivos, além deestar envolvido em esportes, em artes e cultura, e gostar da escola e do que está fazendo podem ser um antídoto contra as drogas. Por isso nós falamos muito em ter escolas protegidas e com um ambiente agradável.
redeGIFE – E os jovens que não usam nenhum tipo de droga, lícita ou ilícita? O que eles alegam para não utilizar? Que fatores levam o jovem a não usar drogas?
Mary – Eles falam do medo, além de considerarem um problema e um perigo. Muitos estão envolvidos em religião, outros gostam das coisas que fazem. E isso é importante: quase 95% dos jovens não estão envolvidos com nenhum tipo de droga.
redeGIFE – E como a senhora avalia a abordagem do assunto drogas por parte das escolas hoje? Quais seriam as melhores formas de abordar esta questão para um combate eficiente?
Mary – A maioria dos professores tem uma angústia. Muitos deles têm informação científica, mas falta um pouco de percepção, de sensibilidade e de condições objetivas para lidar com as drogas. É preciso investir na escola como um lugar agradável, investir no salário dos professores, na infra-estrutura e nas atividades extra-escolares. Para muitos alunos, a escola é um substituto da família, mas o que nós encontramos é um jogo de culpas mútuas: os professores culpam os pais, os pais culpam os professores e há pouco contato e diálogo entre professores e pais.
redeGIFE – No âmbito escolar, quais as principais conseqüências do aumento do uso de drogas entre os jovens?
Mary – Eu creio que, tanto no caso da violência como das drogas nas escolas, a principal conseqüência é o medo. Cria-se um clima de insegurança, a lei do silêncio. Os alunos sabem que é negativo que existe otráfico ou o consumo de droga nas escolas, mas têm medo da denúncia. Eles não confiam na polícia e nas autoridades escolares. Tanto que uma das proposições nas quais o próprio representante da Unesco, Jorge Wertheim, insiste muito é que deveria haver um serviço de disque-denúncia nas escolas. E também sistemas de segurança, não de repressão. Muitos jovens convivem com as drogas nas escolas não porque eles sejam a favor, mas por medo. Esse clima de insegurança vai criando também um afastamento. Além disso, o aluno que está envolvido com drogas tem nível baixo de rendimento. Mas temos que ficar atentos, porque muitos alunos entram nas drogas porque acham a escola uma droga, ou seja, ela não está satisfazendo sua curiosidade, sua ânsia por coisas novas.
redeGIFE – Existe uma conexão direta entre o uso de drogas e o aumento da violência nas escolas?
Mary – Depende do tipo de violência. A violência não é necessariamente o uso de droga como consumo. Já o tráfico é um risco e, com maior probabilidade, desencadeia a violência sim. Quer pelas brigas de gangue, quer pela possibilidade de invasão. Mas a insegurança já é uma violência simbólica.
redeGIFE – Qual o papel da sociedade civil organizada deve terno combate às drogas nas escolas?
Mary – A luta por escolas de qualidade, que já é inclusive uma preocupação de muitas organizações. Maior investimento na formação dos professores, para que se sintam bem nas escolas e estejam mais atentos e conheçam mais sobre a questão das drogas. As organizações da sociedade civil têm investido muito na questão da auto-estima, da participação coletiva, de relacionar mais família-comunidade-escola e investir na questão da democracia e da governabilidade. Eu creio que deve haver um nexo maior entre a sociedade civil e a sociedade política. O problema da escola é um problema da sociedade.
Em abril de 2002, o redeGIFE publicou uma entrevista sobre o estudo Violência nas Escolas. Na época, entrevistamos Miriam Abramovay, que em parceria com Mary Garcia Castro coordena a série de pesquisas da Unesco sobre a juventude. Clique aqui para ler.
Os interessados em adquirir as publicações devem visitar o site da Unesco.