`Investimento em infra-estrutura promove ética no terceiro setor´

Por: GIFE| Notícias| 02/12/2002

ALEXANDRE DA ROCHA
Subeditor do redeGIFE

A Fundação Ford comemorou em novembro 40 anos de atuação no Brasil. Para celebrar a data, a presidente mundial da Fundação, Susan Berresford, veio ao país. Ela também participou da Reunião Regional sobre o Setor Filantrópico na América Latina e Caribe, organizada pelo Wings (Worldwide Initiatives for Grantmaker Support), com o apoio do GIFE.

Em entrevista ao redeGIFE, ela fala sobre a atuação no Brasil e a importância do investimento em infra-estrutura para o desenvolvimento do terceiro setor.

redeGIFE – A Fundação Ford está completando 40 anos de atuação no Brasil. Muitos motivos para celebrar?
Susan Berresford – A primeira coisa a celebrar é a parceria com o povo brasileiro. Nestes 40 anos, a Fundação estabeleceu acordos com muitas organizações que estão fazendo um ótimo trabalho. Há alguns que eu tenho muito orgulho de dizer que nós fizemos parte. Construímos uma ciência social no Brasil, contribuímos para o combate aos problemas sociais e trabalhamos um longo tempo no campo da sexualidade feminina e da saúde reprodutiva. Também estamos na luta contra a Aids e suas conseqüências e ficamos impressionados com a abordagem que o Brasil faz à doença, de uma forma muito humanística. É algo que aprendemos aqui e disseminamos para outros países. Há também o trabalho de desenvolvimento sustentável na Amazônia e, finalmente, no campo dos direitos humanos e da justiça.

redeGIFE – Por que a organização acha importante investir no Brasil?
Susan – O Brasil é um país muito importante no mundo. É uma das nações com a democracia mais diversificada, e sua Constituição avançou em um caminho muito interessante – inclusive servindo de modelo para outras nações. Além disso, historicamente o Brasil apresenta conflitos sociais, e a Fundação Ford desenvolve trabalho neste sentido aqui e em outros países como os Estados Unidos, a África do Sul e a Índia. O Brasil está se desenvolvendo e criando soluções que todos podem copiar.

redeGIFE – Qual papel uma organização doadora de recursos como a Fundação Ford desempenha no desenvolvimento da filantropia nos países nos quais ela investe?
Susan – Nosso trabalho é ser uma fonte de recursos para pessoas e organizações inovadoras. Não impomos o que deve ser feito nos países onde atuamos. Buscamos pessoas empreendedoras que vêm até nós com idéias transformadoras e que compartilham nossos valores: a preocupação com a pobreza, com o processo democrático e o desenvolvimento humano.

redeGIFE – Quais as principais dificuldades que vocês enfrentaram por aqui?
Susan – A maior dificuldade é a mesma que temos em qualquer país do mundo. Temos um limite de recursos para investir e as demandas são enormes. E o número de pessoas talentosas com boas idéias é ainda maior. Temos que ser seletivos, fazer algumas escolhas e dizer não para muitas iniciativas que certamente nós daríamos apoio. A dificuldade é esta: ser seletiva no meio de diversas pessoas com idéias maravilhosas.

redeGIFE – A senhora mencionou a limitação de recursos. Após os atentados terroristas de 11 de setembro de 2001, as organizações doadoras de recursos, principalmente as norte-americanas, estão enfrentando dificuldades?
Susan – Os acontecimentos de 11 de setembro intensificaram o declínio do mercado financeiro norte-americano. Esta queda já estava em curso antes mesmo dos atentados. Temos nosso portfólio de ações de onde retiramos recursos para as nossas doações. Após um período de alta, ele já estava em queda antes dos atentados e continuou após o ocorrido. Em conseqüência do declínio econômico, tivemos que reduzir parte de nossas doações e de nossa equipe. Só agora estamos nos recuperando e conseguindo retomar o crescimento.

redeGIFE – No Brasil, o investimento de organizações internacionais é uma das principais fontes dos projetos sociais. Ao mesmo tempo que isso é um problema, a senhora não acredita que a redução dos recursos internacionais é uma ótima oportunidade para o desenvolvimento da filantropia local?
Susan – Você está correto. Isso deveria acontecer se os atentados tivessem ocorrido ou não. É importante ter um sistema de doação desenvolvido em todo e qualquer país. As organizações sociais devem captar recursos de indivíduos, de fundações e empresas. É importante dar suporte à comunidade não-lucrativa e sua imensa gama de iniciativas e projetos. O Brasil está neste caminho e começando a ter mais fundações doadoras e empresas investindo em programas sociais. Eu tenho certeza de que nos próximos dez anos a cultura da filantropia será mais poderosa no país. Os brasileiros são naturalmente generosos. É uma cultura de calor humano e ajuda mútua. Tenho certeza que estas qualidades culturais e históricas vão transformar o setor filantrópico brasileiro. A falta de recursos é um problema, mas a maioria das adversidades acaba sendo uma oportunidade de desenvolvimento.

redeGIFE – Neste tempo no Brasil, a Fundação Ford também priorizou o investimento em infra-estrutura para o desenvolvimento do terceiro setor. Por que é importante colocar recursos nesta área?
Susan – Em todo lugar que a fundação atua, seja nos Estados Unidos ou não, damos apoio à infra-estrutura da comunidade filantrópica. Acreditamos que o terceiro setor precisa ser crítico sobre si próprio e necessita atingir padrões de qualidade em boas práticas e comportamento ético. Além disso, seu papel deve ser bem comunicado para a sociedade. Por isso financiamos associações de doadores de recursos e de organizações não-governamentais, além de pesquisas sobre o setor que medem como ele está crescendo e se transformando.

redeGIFE – Por que ainda não é comum entre outras organizações doadoras de recursos o investimento em infra-estrutura? Ainda há uma predileção pelos projetos que atuam naponta, direto com as comunidades, por exemplo?
Susan – Acho que porque muitas fundações são novas e estão lutando para criar sua própria identidade como doadores. Muitas não têm tempo de parar e pensar qual a verdadeira importância da infra-estrutura e quais as necessidades desta área. Mas eles perceberão a importância ao passo que ficarem mais maduros e trabalharem neste campo.

redeGIFE – Em sua palestra, a senhora afirmou que uma das formas de desenvolver a filantropia é criar associações de doadores de recursos. Por que estas associações são tão importantes?
Susan – Associações de doadores de recursos são vitais no cenário filantrópico. Elas ajudam as organizações a trocar experiências e compartilhar conhecimentos e estabelecem padrões éticos. As associações também auxiliam os doadores a comunicar suas iniciativas ao público em geral e assim eles podem difundir o conceito de filantropia e seu papel na sociedade. Muitas pessoas não sabem qual é esse papel em seu dia-a-dia. Poucas organizações podem atuar desta forma. Só as associações podem. Em todos os países que a Fundação Ford atua, procuramos por doadores que desejam se unir e compartilhar idéias e damos suporte a eles. Oferecemos recursos para que eles construam a infra-estrutura necessária de trabalho.

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