Regulamentação não deve burocratizar terceiro setor
Por: GIFE| Notícias| 04/12/2006Rodrigo Zavala
Com o objetivo de apresentar propostas de normas legais capazes de auxiliar a sociedade civil organizada em suas ações, o 2º Fórum Senado Debate Brasil, realizado na última semana, em Brasília, foi encerrado com a certeza de que o assunto é complexo. Mesmo assim, alguns consensos foram alcançados, como evitar burocratizar ainda mais o setor e criar mecanismos para estimular a transparência dessas organizações da sociedade civil organizada.
O senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), por exemplo, defendeu o estabelecimento de um canal permanente de discussão entre o Legislativo e as entidades que atuam no terceiro setor, além da criação de um marco legal que possibilite o aprimoramento das atividades desenvolvidas por essas instituições.
“”Nosso papel no Legislativo será muito mais de provocar a participação, de buscar na experiência da sociedade civil organizada os seus anseios e propostas, do que impor um modelo centralizado, com uma visão provavelmente míope e particularizada de um setor que é, por definição, amplíssimo””, afirmou.
No entanto, o diretor-geral da Associação Brasileira de Organizações Não-Governamentais (Abong), José Eduardo Saavedra Durão, atribuiu as deficiências na legislação do terceiro setor à inexistência de um paradigma governamental que considere as relações entre o Estado e as organizações da sociedade civil. “”Debatemos sobre uma legislação casuística,incongruente e contraditória””, criticou.
A problemática é colocada, como argumentou Jereissati, a partir do momento em que a legislação ainda “”não cuida do tratamento legal de questões importantes para o setor””. Ele citou pontos, como doações e seu tratamento fiscal, financiamento, isenções a que as instituições filantrópicas têm direito, isenção da cota patronal do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), eficiência da Lei das Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscips), reconhecimento institucional das organizações não-governamentais (ONGs), transparência no acesso e uso dos recursos públicos. “”Além dos mecanismos de controle e avaliação de projetos financiados com recursos públicos.””
O último tópico foi uma das mais importantes discussões ocorridas durante o evento, principalmente no que diz respeito às tentativas de instalar uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das ONGs. As recentes denúncias de que a Petrobras teria repassado mais de R$ 30 milhões a ONGs ligadas ao PT são apenas algumas das justificativas.
Para o secretário-geral do GIFE, Fernando Rossetti, esses casos não devem ser encarados como regra, já que não refletem o diverso trabalho realizado pelas organizações sociais. “”O corruptor nesse caso é o Estado, que criou canais para que isso ocorresse””, criticou.
O Estado, na visão de Rossetti, deve criar regras e acordos de como prestar contas de maneira mais transparente possível, porém, sem dificultar o trabalho das organizações sociais. “”Quando o Estado se mete a controlar, ele burocratiza o sistema. Isso poderia trazer conseqüências para o trabalho de pequenas entidades, que se tornariam inviáveis sem um amplo respaldo jurídico””, afirmou.
O GIFE foi um dos apoiadores do evento, convidado para colaborar na criação do temário e na escolha dos interlocutores. “”Organizações como GIFE e Abong podem estimular uma regulação por parte da própria sociedade. O governo deve exigir prestação de contas, afinal muitas dessas organizações têm um papel de fiscalizar a própria atuação dos poderes executivo e legislativo””, comentou Fernando Rossetti.
O presidente do Senado, Renan Calheiros, também defendeu a articulação entre o terceiro setor e o governo. “”A cidadania brasileira ganhou novos contornos e uma consciência mais ativa. Hoje as relações entre o Estado e a sociedade foram redefinidas e os arranjos institucionais são mais participativos e transparentes. Isso devemos, com certeza, à emergência do terceiro setor””, discursou.
Soluções – Uma das formas de sanar o problema foi debatida pelo advogado, especialista em legislação do terceiro setor, Eduardo Szazi, e pelo diretor do Departamento de Justiça, Classificação de Títulos e Qualificação da Secretaria Nacional de Justiça do Ministério da Justiça, José Eduardo Elias Romão. Eles defenderam a criação de um cadastro das ONGs e disseram que a legislação diversa sobre o setor prejudica a atuação dessas entidades.
Em plenária realizada durante o Fórum eles alegaram ser conveniente a elaboração de um cadastro compulsório e nacional de organizações não-governamentais (ONGs) que recebem recursos públicos. “”O objetivo de cadastros nacionais é tornar transparentes as informações. Hoje, apenas as (Oscips) estão obrigadas a publicarem suas movimentações financeiras””, afirmou Szazi.
Além disso, Romão defendeu que uma reforma do marco legal do terceiro setor deve, antes de mais nada, envolver a revogação de leis e regulamentos ultrapassados, e não a edição de novas normas. O Diretor do Departamento de Justiça, Classificação de Títulos e Qualificação sinalizou que uma importante atribuição do governo federal é no sentido de promover uma consolidação das normas vigentes, de modo a facilitar a sua compreensão por parte da sociedade.
Já o presidente do Tribunal de Contas da União (TCU), Guilherme Palmeira, afirmou que a instituição determinou a criação de um grupo de trabalho para aperfeiçoar as técnicas de controle sobre as transferências de recursos públicos às organizações não-governamentais (ONGs). Palmeira disse que esses mecanismos de controle ainda não estão plenamente definidos, mas ressaltou que o TCU promoverá auditorias em várias ONGs para verificar a regularidade da utilização dos recursos repassados a essas entidades.
“”A consolidação desses trabalhos foi recentemente apreciada pelo tribunal, tendo sido evidenciado o total descontrole sobre o uso dos valores transferidos, bem como a inobservância às normas legais e infralegais. Para viabilizar o controle social e aumentar a transparência, por exemplo, o tribunal determinou ao Ministério do Planejamento a implementação de sistema informatizado que permita o acompanhamento online de todos os entes federados e do setor privado””, argumentou.