Terceiro setor como estratégia de sustentabilidade
Por: GIFE| Notícias| 16/07/2007Rodrigo Zavala
Ser um fórum de debate onde gestores de organizações não-governamentais dividam as melhores práticas e estratégias voltadas para a sustentabilidade, eficácia e eficiência através de parcerias público-privadas. Ao mesmo tempo, ser um canal de aproximação entre empresas e sociedade civil, principalmente no que tange o relacionamento promovido pelo investimento social privado.
Esses são apenas alguns dos pontos a serem discutidos durante a Conferência Internacional – Inovação para o Terceiro Setor: Sustentabilidade e Impacto Social, que será realizada entre os dias 16 e 18 de agosto, no Centro de Convenções da Serasa, em São Paulo.
Promovido pelo Instituto Gesc, organização vinculada à Fundação Instituto de Administração (USP), o evento conta com o apoio do William Davidson Institute, da Universidade de Michigan. A parceria possibilitou que a conferência trouxesse ao Brasil uma rede de contatos internacional para compartilhar as melhores práticas de gestão aplicadas por organizações sociais de diversas partes do mundo. “”As soluções são regionais, mas os problemas são globais””, defende o superintendente do Instituto Gesc, João Paulo Altenfelder.
A Conferência terá como base quatro temas estratégicos: Modelos de Negócios em Geração de Recursos, em Gestão, em Inclusão Digital e em Parcerias Intersetoriais. Para disponibilizar este conteúdo foram definidas palestras, apresentação de estudos de casos elaborados pelas próprias ONGs, debates e oficinas de assistência técnica.
Estão sendo esperados 150 participantes acompanhando os três dias de conferência. Além destes, estima-se que um público em torno de cinco mil pessoas acompanhe o evento em tempo real pelo site (www.impactosocial.org.br), que possibilitará ao internauta assistir as apresentações, ler artigos e entrevistas e acessar links de interesse. “”Queremos encorajar as pessoas que não possam participar a acessarem o conteúdo e discuti-lo em suas organizações””, explica o superintendente.
Um dado inédito para uma conferência é será o monitoramento realizado nas organizações convidadas a participar do evento. “”Queremos acompanhar como elas aproveitaram o aprendizado trazido pela conferência””, argumenta.
Em entrevista ao redeGFIE, João Paulo Altenfelder fala um pouco mais sobre o evento e como a gestão é ainda um sério desafio para as organizações do terceiro setor.
redeGIFE- A conferência sugere inovação em sustentabilidade e impacto social, e a expertise do Gesc é gestão. Qual é o ponto de partida para esse temário?
João Paulo Altenfelder – Partimos da premissa de que não existe sociedade inclusiva e justa com um terceiro setor fraco, já que ele é um dos pilares para sua construção. E o que nós vemos no Brasil é justamente um setor fraco, com problemas de gestão, de capacitação de recursos, com tecnologias sociais que são implementadas sem ao menos serem avaliadas. Falhas que levam a uma sociedade injusta e insustentável.
Nesse sentido, há uma relação muito clara em trabalhar qualidade de gestão das Ongs com o fortalecimento da sociedade civil. Fazer com que organizações sociais sejam mais eficazes eficientes na aplicação dos recursos que ela recebe; não apenas os financeiros, mas os humanos e materiais. Esse é o fio lógico que leva qualidade de gestão para o fortalecimento da sociedade civil.
redeGIFE- O que se deve entender por gestão?
JPA – Gestão se refere a planejamento estratégico, que na essência é entender o contexto que cerca determinada ONG, na causa social que ela escolheu. Trazer para dentro essas informações, fazer um questionamento de quais são as competências que essa organização tem para conseguir lidar com diferentes panoramas, como surgem e quais são as tecnologias sociais a serem aplicadas e desenvolver algumas estratégias de ação antes partir para o trabalho.
E qual é a realidade? Geralmente, as Ongs não olham para o contexto, aplicam uma tecnologia que alguém da organização acredita que seja a melhor, não negocia com a comunidade o impacto que a ação pode provocar – para ter o comprometimento comunitário – e muitas vezes ela não monitora, não avalia e não chega a conclusões sobre possíveis melhorias. E todos dados são procedimentos de gestão.
Outro campo da gestão é a política de recursos humanos ou desenvolvimento de lideranças, que terá impacto em todas as ações que a Ong empreender. É a preocupação de que dentro do ambiente da organização possa surgir valores, pessoas capacitadas, o melhor perfil de liderança para conduzir um processo comunitário.
O Gesc, por exemplo, dá aulas de planejamento estratégico, gestão de projetos, marketing social, marco legal, tecnologia da informação, desenvolvimento de lideranças, captação de recursos, gestão financeira de recursos. Além desses, também orienta para um assunto que os gestores de Ongs acreditam que não ter muita a ver com eles: a questão de qualidade, sob o ponto de vista e eficácia e eficiência.
Todos eles, de alguma maneira, irão impactar em todos os programas que essas organizações vem fazendo. Assim, a gestão é um conceito bastante amplo, mais do que o foco de processos e procedimentos, normas contáveis ou administração.
redeGIFE – Essas constatações se baseiam nas observações no Instituto…
JPA – Com 11 anos de atuação, percebemos nos trabalhos de terceiro setor práticas que deveriam ser muito óbvias. Como por exemplo, os gestores começam, só agora, a perceber que é preciso planejar antes de fazer. Ou mesmo avaliar seus resultados. Por isso, a gestão ainda tem muito a progredir.
Outro ponto de observação é a constatação de que a maior parte das organizações sociais surge pelo lado do conteúdo programática; pela dor social. Dessa forma, o protagonista desse processo é uma pessoa extremamente sensibilizada por determinada questão social, cuja visão é ir direto para o impacto para a solução do problema.
O problema é que ele não pensa em uma estrutura adequada ou em plano de gestão. Ele só começa a pensar nisso se sobrevive aos primeiros anos Omo organização, quando ele percebe que precisa se estruturar, de mais recursos financeiros etc.
Por outro lado, as organizações mais longevas, com décadas de funcionamento, também apresentam problemas. Como concluem que as estrutura de gestão é historicamente exitosa, não acompanhar s mudanças dos últimos anos. Não perceberam que nestes últimos 50 anos, a internet, a sociedade do conhecimento, o empobrecimento da população etc, são dados novos de contexto. Sem essa percepção começam a enfrentar problemas para se comunicar e se manter. E falamos aqui se uma situação enfrentada por organizações clássicas do terceiro setor brasileiro.
redeGIFE – Existe uma crença de que o setor privado pode ajudar as organizações sociais na gestão de seus projetos. Trata-se de um mito ou uma verdade?
JPA – É uma teoria. Já presenciei exemplos interessantes de executivos que ajudaram a organizar a área contábil, financeira, planejamento, ou fizeram com que uma Ong tivesse capacidade de se questionar e achar novos caminhos. Mas também vi grandes tragédias, como por exemplo, achar que uma organização social pode ser gerida pelo mesmo modelo corporativo de uma empresa.
O grande perigo dessas práticas, assunto a ser debatido durante a conferência, é a questão da chamada “”profissionalização”” das Ongs, O instituto acredita que essa nomenclatura é um equívoco. Afinal, ninguém quer trazer o modelo empresarial para o terceiro setor, sem qualquer questionamento ou modificação. Defendemos assim, a disciplina de gestão.
redeGIFE -Qual é a diferença?
JPA – A disciplina de gestão é trazer conceitos e ferramentas do segundo setor e adaptá-las à realidade de terceiro de forma contributiva. Para algumas Ongs é imprescindível fazer planejamento estratégico. Para outras, faz muito mais sentido adaptar controle e procedimentos financeiros, principalmente para melhorar a prestação de contas.
No entanto, para outras organizações talvez não faça nenhum sentido. Uma creche é diferente de um SOS Mata Atlântica. As demandas de organizações com capilaridade global também são distintas.
Aliás, o setor privado tem muito a aprender com o terceiro setor. Um exemplo são organizações sociais que mal conseguem remunerar as pessoas, mas possuem pessoas dedicadas, envolvidas e satisfeitas. Muitas empresas gostariam descobrir como manter esse ambiente de motivação dentro de um corpo diretivo.
redeGIFE – Qual é a participação do William Davidson Institute, da Universidade de Michigan, no evento?
JPA – Tal como o Instituto Gesc, o WDI teve origem em uma escola de negócios. Nós, com foco na melhoria da qualidade de gestão do terceiro setor, e a WDI em prol da sustentabilidade financeira das organizações sociais.
A WDI, no entanto, tem um projeto internacional presente em 14 países chamado NGO Alliance , que articula Ongs do mundo inteiro para discutir melhores práticas de gestão. Os grandes encontros anuais, que buscam fortalecer essa rede, já contavam com a participação de países latino-americanos, exceto o Brasil, devido à barreira idiomática.
Há um ano, representantes da NGO Alliance viram ao Brasil e procuraram o Instituto Gesc, devido à afinidade das ações. Desse encontro nasceu a idéia da Conferência, que trará toda a expertise dessa instituição, somada a do Gesc.
redeGIFE – Por que a conferência é importante para as empresas?
JPA – Existe um grande volume de recursos destinado ao investimento social privado, mas sempre persiste a pergunta: o quanto ele se perde no meio? Não por culpa de um determinado ator social, mas porque não há uma gestão eficiente.
A conferência, a princípio, deveria interessar a todas as empresas que façam investimento social privado, porque elas se não fazem através de Ongs, o fazem com sua cooperação. E é oportuno, pois ao fortalecer a gestão dessas organizações a empresa estará melhorando o seu próprio trabalho social.
Outro ponto é a influência das Ongs, que passaram a ter uma significativa influência no mercado. Um exemplo prático é o setor de saúde. Inegavelmente, o movimento social modificou o mercado no Brasil. É só olhar o movimento de HIV-AIDS e perceber o quanto ele mudou o marco regulatório, pressionando o governo, o atendimento em saúde, e, conseqüentemente, o atendimento nos postos de saúde, e o quanto ele faz frente a interesse de laboratórios.
Por isso, é interessante construir alianças mais profundas, que possibilitem levar temas que não sejam apenas conflito de interesses. Além disso, muitas vezes é a Ong que tem a chave de relacionamento com a comunidade. Então, as empresas, por teoria, deveriam se preocupar com esse assunto.
Aproximar-se do terceiro setor deixou de ser um ato de filantropia corporativa para ser uma estratégia de sustentabilidade.