O engano de travestir releases
Por: GIFE| Notícias| 05/11/2007Paulo Nassar*
Pode-se considerar jornalismo as mensagens divulgadas pelas empresas para seus diversos públicos em revistas, jornais e outras mídias, inclusive as digitais?
A resposta à pergunta – objeto de muita reflexão e observação nos últimos anos – exige uma postura sem nenhum viés acadêmico, comercial ou ideológico, quando se olha a comunicação gerada dentro de organizações, que são, naturalmente, dedicadas à produção e o lucro. Sem hesitar, está cada dia mais difícil encontrar mensagens nas mídias nascidas nas fábricas e escritórios que tenham o atributo essencial para se considerar bom jornalismo: o distanciamento em relação ao fato, que é julgado relevante e sobre o qual se debruça para informar, interpretar e opinar sobre ele.
O jornalismo praticado dentro das empresas dificilmente toca nos pontos passíveis de incômodo para quem tem nas mãos a direção de seus veículos. Os temas de interesse das empresas podem gerar controvérsia, pontos de vista diversos, porque tratam de mudanças de metodologias de produção, de comportamento e cultura, os quais, normalmente, impactam o bolso das pessoas, o ambiente e a sociedade. E a comunicação empresarial trata estes temas como se existisse uma única fonte de informações no mundo: a própria empresa. Despreza os aspectos econômicos, sociais, psicológicos e históricos de milhões de pessoas ao tratá-los de maneira insossa, a evitar a polêmica, o confronto de opiniões, da administração e outras do mundo lá fora.
Quem se dá ao trabalho de ler jornais, revistas e mídias digitais empresariais tem a nítida impressão de estar diante de uma comunicação interesseira, sem a isenção necessária para que o leitor possa formar sua opinião. Assim, quando a mão pesada da empresa escreve notícias como releases ou publicidade mal-feita, é ainda mais difícil legitimar as ações empresariais perante os leitores.
Os veículos de comunicação empresariais e suas mensagens estão em um mundo no qual o diálogo é turbina de geração de credibilidade, para quem detém o controle de um meio de comunicação, para a empresa, para sua reputação e sua legitimação. O contrário disso é uma comunicação não-colaborativa, espécie de advocacy do poder administrativo. Os comunicadores nas empresas precisam olhar para esta realidade e enfrentá-la.
*Paulo Nassar é professor da Escola de Comunicações e Artes, da Universidade de São Paulo (ECA-USP). Diretor-presidente da Associação Brasileira de Comunicação Empresarial (ABERJE). Autor de inúmeros livros, entre eles O que é Comunicação Empresarial, A Comunicação da Pequena Empresa, e Tudo é Comunicação.