Projeto de lei e acusações mudam regras da assistência social

Por: GIFE| Notícias| 17/03/2008

Rodrigo Zavala

Na última semana, um Projeto de Lei (PL) encaminhado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao Congresso Nacional e uma operação da Polícia Federal deixaram setores ligados à assistência social em polvorosa.

Se por um lado o PL muda as regras da concessão do Certificado de Entidade beneficente de Assistência Social (Cebas) e das atribuições do Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS), as investigações, segundos especialistas consultados pelo GIFE, abalaram a credibilidade do órgão contrário às mudanças: o próprio CNAS.

Para entender o imbróglio, é preciso analisar os dados cronologicamente. No dia 12 de março, o presidente envia o projeto ao Congresso. Antes de qualquer reação do conselho, a Polícia Federal, em uma operação batizada de Fariseu, prende, na manhã do dia 13, seis pessoas – entre eles o ex-presidente do CNAS, Carlo Ajur – que atuavam junto ao conselho por meio de suposta concessão fraudulenta do Cebas.

Na coletiva de imprensa sobre as prisões e a operação policial, o ministro da Previdência, Luiz Marinho, disse ter sido só coincidência o governo anunciar a alteração no conselho na véspera das prisões. “”Não sabia que essa operação estava em curso””, disse. No entanto, ao final da coletiva, cometeu uma indiscrição: “”ouvi um disse-me-disse””.

Órgão Paritário

O CNAS é composto por 18 integrantes, sendo nove representantes de entidades da sociedade civil e nove do governo. Ele tem como objetivo acompanhar a política nacional de assistência social, em articulação com as demais políticas públicas.

O conselho também é responsável pelo Cebas, um reconhecimento do poder público federal de que uma instituição não tem fins lucrativos e presta atendimento ao público-alvo da assistência social. A entidade portadora do certificado emitido pelo CNAS passa a ter isenções tributárias. Em troca, os beneficiados são obrigados a dar bolsas de estudos para alunos carentes e, no caso de hospitais particulares, atendimento gratuito a quem não tem condições de pagar.

Segundo dados do ministério da Previdência, anualmente, as nove mil entidades deixam de recolher R$5 bilhões por serem filantrópicas. “”Mas isso não quer dizer que sejam bilhões de reais que vão direto para o bolso dessas entidades, como o Marinho (ministro da Previdência) quer fazer crer. Para conseguir o Cebas é preciso comprovar que existe um atendimento no mesmo valor isentado no imposto””, afirma o advogado Eduardo Szazi, especialista em legislação do terceiro setor.

O que muda

O Projeto de Lei encaminhado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao Congresso Nacional prevê mudanças nas funções do CNAS. A medida pretende deixar as liberações de certificados de filantropia a cargo dos ministérios a que as entidades são relacionadas.

Com a nova regra, por exemplo, os hospitais filantrópicos receberão o certificado do Ministério da Saúde, as entidades de ensino serão avaliadas pelo Ministério da Educação e as entidades de assistência social vão receber o aval do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome.

“”Se aprovado no Congresso, o CNAS não mais avaliará e certificará entidades filantrópicas. O CNAS vai passar a ser um conselho puro, ou seja, vai funcionar como os conselhos da Saúde, Previdência e da Educação discutindo as diretrizes da política assistencial e não vai mais discutir filantropia””, explicou Marinho.

O projeto também antecipa a fiscalização sobre o cumprimento das exigências por parte das entidades beneficiadas. Hoje, um Cebas é concedido pelo prazo de três anos, e a instituição só é fiscalizada após esse período. Se for constatada alguma irregularidade e o certificado acabar cancelado, o imposto que deixou de ser recolhido dificilmente volta aos cofres públicos.

Pela proposta do governo, os Cebas terão validade de um a três anos e a fiscalização poderá ser exercida a qualquer momento.

As exigências para concessão do Cebas continuam praticamente as mesmas. Um hospital, por exemplo, terá que destinar pelo menos 60% de seu atendimento, incluindo internações a pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS). No caso de instituições educacionais, no mínimo 20% de sua receita bruta devem ser destinados à gratuidade, incluindo o oferecimento a estudantes de baixa renda de uma bolsa de estudo integral a cada nove alunos pagantes. As filantrópicas deixam de pagar impostos como PIS e Cofins e também ficam isentas da contribuição patronal de 20% ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).

Segundo a secretária nacional de Assistência Social, Ana Lígia Gomes, cada ministério vai poder regular melhor, fiscalizar melhor. “”Para as entidades também vai ser melhor, porque elas vão ter uma legislação precisa, vão saber o que se espera delas em cada política pública””, explicou.

O projeto de lei foi fechado em uma reunião realizada no último dia 6 na Casa Civil. O texto é fruto de uma negociação liderada pelo ministro da Previdência Social, Luiz Marinho, conforme informou o jornal Correio Braziliense.

Críticas

Pessoas vinculadas ao debate, e que pediram para seus nomes serem ocultados desta matéria, mostraram-se completamente contrários ao projeto. “”Não vai mudar nada. Apenas irá colocar o tema nas mãos de técnicos e abrir uma nova forma potencial de corrupção. Não vejo como essa idéia poderá melhorar a transparência das concessões””, disse uma importante liderança social.

Ela lembra da Operação Mecenas, também da Polícia Federal, que prendeu no final do ano passado três produtores culturais, uma servidora federal e um policial civil acusados de organizar um esquema de corrupção em torno da Lei Rouanet, no Ministério da Cultura.

A quadrilha usava um modelo de estelionato recorrente no Estado, mas de difícil identificação: aproveitava-se da burocracia no setor público para simular dificuldades na aprovação de projetos e, assim, vender serviços de consultoria. O lucro girava em cerca de 5% em cima do dinheiro que a produção cultural levantava do setor privado com estímulo de incentivos fiscais.

O procurador da República Pedro Antônio Machado também criticou o projeto do governo. “”Esse projeto do governo é muito ruim. Os ministérios da Educação e da Saúde não têm condições de analisar as informações fornecidas pelas entidades. Quem teria que fazer isso é a Receita”” disse ao jornal O Globo.

Um dos especialistas entrevistados pelo redeGIFE, e que também pediu anonimato, acredita que a redução da validade das concessões implicará em problema burocrático, que poderá tornar inviável as ações de muitas entidades.

Simplificar

Para manter as instituições filantrópicas vivas, o superintendente da Confederação das Misericórdias do Brasil, José Luis Spigolon, destacou a importância de o governo atualizar a legislação que determina os critérios de concessão do certificado de filantropia, a fim de simplificá-los. “”O decreto (2536/98) que está hoje em vigor já foi mexido por diversas vezes. Ficou poluído. Defendemos a necessidade de uma atualização em todo o decreto, sem comprometer a sobrevivência das instituições””, disse à Radiobrás.

A elaboração deste novo decreto já começou e, segundo informou a assessora da Secretaria Nacional de Assistência Social do Ministério do Desenvolvimento Social, Márcia Maria Biondi Pinheiro, em breve será editado. Ela disse que as novas regras nos critérios de concessão do certificado de filantropia não vão endurecer, em hipótese alguma, a legislação hoje em vigor.

Prisões

Entre os principais crimes possivelmente praticados pelo grupo de seis pessoas presas na última quinta feira (13) estão a corrupção ativa e passiva, advocacia administrativa e o tráfico de influência. Acusa-se ainda que eles ainda gerenciando a pauta de votação do CNAS, retirando e incluindo processos nas pautas segundo seu interesse.

Foram presos o ex-presidente do conselho Carlo Ajur Cardoso Costa, os conselheiros Márcio Ferreira e Euclides da Silva Machado, os advogados Ricardo Vianna Rocha e Luiz Vicente Dutra e a secretária de Dutra, Andréa Schran.

As investigações começaram em 2004 após representantes de uma entidade terem denunciado à PF que o então presidente do CNAS havia se oferecido para ajudar na aprovação da renovação do CEBAS, mediante pagamento de propina. Dois advogados que atuariam como intermediários entre as entidades interessadas e alguns conselheiros também estavam envolvidos.

Segundo a superintendente da Polícia Federal em Brasília, Valkiria Teixeira de Andrade, até agora foi identificado o envolvimento de 60 entidades no esquema, principalmente hospitais e faculdades. Valkiria disse não poder revelar os nomes das instituições porque o processo tramita em segredo de Justiça.

Investigado, o presidente do conselho, Sílvio Iung, pediu, na sexta-feira, 14 de março, afastamento do cargo. Iung será intimado nesta semana para depor no inquérito da PF. Em nota divulgada pelo CNAS, a vice-presidente do órgão, conselheira Simone Albuquerque, assume, interinamente, o cargo.

A nota Informa ainda que, até abril, o órgão se dedicará à revisão dos processos aprovados nas últimas sessões comandadas por Iung e que tiveram a participação de conselheiros presos na operação.

Segundo a assessoria de imprensa do Ministério do Desenvolvimento Social, o calendário das eleições dos representantes da sociedade civil no CNAS, para a gestão 2008/2010, não foi modificado. O conselho deve publicar no Diário Oficial da União (DOU), até o dia 20 de março, a listas dos novos conselheiros eleitos para posse no dia 19 de maio.

Erros

A cobertura sobre o tema oferecida pela imprensa apresentou uma série de erros, que prejudicam ainda mais a imagem das entidades consideradas beneficentes e não estão sendo investigadas. “”Ninguém diz que essas isenções são direitos constitucionais dados a organizações que fazem o trabalho do governo, onde o Estado não chega””, analisa Eduardo Szazi.

Imprecisões também são recorrentes. Na edição do dia 14 de janeiro, o jornal O Estado de S.Paulo publicou reportagem na qual “”governo teria deixado de arrecadar R$4 bilhões por conta da irregularidade no Conselho Nacional de Assistência Social””. A mesma informação passada pelo jornal Folha de S.Paulo, diz que o valor é de R$2 bilhões.

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