Trabalho: ONGs devem dar o exemplo
Por: GIFE| Notícias| 18/05/2009*Por Marcelo Rocha
Nas democracias modernas, as organizações não-governamentais (ONGs) desempenham papéis fundamentais. Muitas entidades agem como braços operacionais da sociedade civil para atuar em determinadas áreas – como educação, saúde, assistência social etc. – onde as necessidades são muitas, e o Estado não consegue executar tudo o que lhe compete.
Existem também as ONGs voltadas ao controle social, cuja função primordial é fiscalizar empresas e governos, para que se comportem em consonância com os mais básicos valores da vida em sociedade, como ética, transparência e respeito aos recursos públicos e ao cidadão.
Independentemente do financiamento com recursos privados ou públicos, o conceito de uma organização não-governamental deveria pressupor que ela própria atuasse com a mesma conduta que cobra de outros setores. É inaceitável, por exemplo, que uma entidade social adote práticas ambientais e de responsabilidade social inadequadas. Cabe ao terceiro setor conduzir-se de forma irrepreensível, para servir como exemplo aos demais setores e dar legitimidade à sua atuação junto à sociedade.
Isso, no entanto, não é a regra, principalmente no que diz respeito à responsabilidade social. É muito comum ver organizações da sociedade civil que “”precarizam”” as relações de trabalho para com seus profissionais. Assim, não é de se espantar encontrar ONGs que, a despeito de estarem presentes em diversas áreas de trabalho, não têm o número de empregados compatíveis com essas atividades.
Ou seja, em vez de cumprirem com a legislação trabalhista, contratando empregados de acordo com as leis de proteção ao trabalhador, essas entidades agem em desacordo com o que se espera de uma ONG. Dessa forma, muitos profissionais vinculados a essas entidades trabalham completamente ao desabrigo do Direito do Trabalho e da seguridade social.
Não é estranho que justamente entidades do terceiro setor, que cobram responsabilidade social por parte das empresas privadas, apresentem esse tipo de conduta? As ONGs, como representantes da sociedade civil organizada, devem promover a sociedade que queremos e procurar ter uma atuação coerente com o que exigem de outros setores.
Para piorar a situação, muitos governos, que direcionam a entidades do terceiro setor parte considerável de seus investimentos sociais, fazem vistas grossas a esse desrespeito. Ao não levar em consideração, durante o processo de seleção para o recebimento de investimentos sociais, a forma como as ONGs se relacionam com seus profissionais – se registram (ou não) seus empregados -, o poder público corrobora com essas práticas de precarização do trabalho.
Como essas entidades trabalham como agentes públicos, por delegação do Estado, o fato é que o poder público acaba por legitimar esse tipo de conduta, que agride os Direitos Humanos do Trabalho internacionalmente consagrados.
Muitos orçamentos públicos destinados à execução de projetos em parceria com o terceiro setor simplesmente silenciam sobre essa questão, deixando de prever os recursos necessários a regular contratação de empregados pelas ONGs. Vale dizer, simplesmente deixam a cargo dessas organizações da sociedade civil a decisão sobre o tipo de relação que estabelecem com os próprios profissionais em projetos sociais com investimento público. Tampouco fiscalizam a regularidade dessas relações.
Como isso pode ser possível? Além do flagrante desrespeito aos direitos dos trabalhadores, esse tipo de conduta – ainda mais quando é legitimada pelo poder público – torna desigual a competição entre ONGs socialmente responsáveis e aquelas que só exigem responsabilid ade social dos outros. Está mais do que na hora de esse debate se tornar público, a bem do próprio terceiro setor.
*Marcelo Rocha é presidente da Horizontes, entidade sem fins lucrativos que visa promover a geração de trabalho e renda por meio de educação.