Relatório aponta retrocessos na promoção e garantia dos direitos humanos no Brasil
Por: GIFE| Notícias| 30/11/2020
O Coletivo RPU Brasil, coalizão composta por trinta organizações da sociedade civil (OSCs) brasileiras, acaba de lançar o Relatório da sociedade civil: Revisão Periódica Universal dos Direitos Humanos no Contexto da Covid-19.
Desde sua criação, em 2018, o Coletivo tem realizado o monitoramento dos direitos humanos no país por meio do mecanismo da Revisão Periódica Universal (RPU) das Nações Unidas, que, a cada quatro anos, avalia os 193 países-membros da ONU acerca de sua situação em relação aos direitos humanos. Esse processo gera um conjunto de recomendações e boas práticas.
O Brasil já passou por três ciclos de avaliação da Revisão Periódica Universal na ONU: em 2008, 2012 e em 2017. Neste último, 246 recomendações foram feitas ao país, válidas para o período 2017-2022.
Em 2019, o Coletivo RPU Brasil elaborou seu primeiro Relatório de Meio Período, no qual avaliou 163 recomendações das 242 aceitas no 3º ciclo. Dessas, 142 foram consideradas descumpridas, 20 parcialmente cumpridas e apenas uma cumprida.
Este ano, em razão da pandemia do novo coronavírus, o Coletivo optou por elaborar uma nova análise com o objetivo de denunciar o aprofundamento das violações de direitos humanos, bem como registrar novas violações ocorridas no contexto da crise.
Das 190 recomendações avaliadas pelo novo relatório, 47 são consideradas parcialmente cumpridas, apenas uma cumprida, a maioria (142) não cumpridas e 64 em situação de retrocesso.
O documento traz uma análise de 12 temas relacionados aos direitos humanos, agrupando-os por nível de vulnerabilidade e setores sociais específicos e associando-os aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Em cada capítulo, o estudo traz dados relacionados aos desafios e retrocessos para aquela agenda temática. Dentre os temas com maior número de retrocessos apontados pelo Coletivo RPU Brasil estão: Sistema prisional, combate à tortura e segurança pública; Gênero e sexualidade (com 13 recomendações em retrocesso, cada); Povos indígenas e meio ambiente; e Racismo, retrocessos, desigualdades, austeridade e direitos (com 11 recomendações em retrocesso, cada).
Um dos destaques do novo documento é o desmonte de programas socioambientais do governo federal, com cortes em diversas áreas devido à Emenda Constitucional 95/2016, o chamado Teto de Gastos, como um dos elementos determinantes para os retrocessos e estagnação no cumprimento dos direitos humanos no país.
“Além do Teto de Gastos, que minou o orçamento para áreas como saúde e educação, o novo relatório evidencia um cenário de retrocessos agravados pelas medidas do atual governo e pelo descontrole da pandemia. Destacam-se temas como racismo e gênero, evidenciados pelo aumento dos casos de feminicídio e pelo racismo estrutural e institucional no país, e povos indígenas e meio ambiente, com o aumento das invasões de terras indígenas, agravamento dos conflitos territoriais e o risco de contaminação pela Covid-19”, destaca Fernanda Lapa, coordenadora executiva do Instituto de Desenvolvimento e Direitos Humanos (IDDH) – organização facilitadora do Coletivo RPU Brasil.
Direitos humanos nos territórios
Às vésperas do início de novos mandatos municipais, Fernanda avalia que as temáticas e desafios abordados pelo relatório são ou deveriam ser de conhecimento de todos os gestores públicos.
“Enfrentar todas as formas de desigualdade, preconceito, desinformação e promover e proteger os direitos humanos deveria ser o compromisso primeiro de nossos representantes. Seja em nível municipal, estadual ou federal. Embora o município não seja responsável diretamente por implementar as recomendações da RPU, suas ações podem ou não melhorar a situação dos direitos humanos nas localidades.”
Gustavo Huppes, assessor de advocacy internacional da Conectas Direitos Humanos – organização integrante do Coletivo RPU -, destaca a importância do controle social. “Cabe à sociedade civil apoiar a disseminação das informações contidas no relatório e cobrar das autoridades de suas localidades a implementação das mesmas.”
Perspectivas
Para Fernanda, o cumprimento das recomendações até maio de 2022 – data da próxima RPU do Brasil – é muito improvável. “Em vários pontos estamos, inclusive, caminhando para trás”, lamenta a coordenadora.
Análise com a qual concorda o assessor da Conectas. “O que estamos vivendo é um completo desmonte das políticas de proteção e promoção dos direitos humanos e não há perspectiva de alguma melhora no curto ou médio prazo, diante da crise atual. Para a sociedade brasileira, os maiores riscos são a continuidade desse cenário de crise econômica, social, ambiental e de saúde pública, que vem destruindo a rede de proteção de direitos existente no país, afetando, principalmente, aqueles em situação de maior vulnerabilidade.”
Prioridades e oportunidades para o ISP
Para o assessor, uma oportunidade para o setor do investimento social está em apoios mais robustos às organizações da sociedade civil, que têm respondido desde o início aos efeitos da crise.
“Acredito que a prioridade deve estar no apoio àqueles que trabalham em prol dos grupos mais vulneráveis e ameaçados no Brasil atualmente, como comunidades tradicionais e povos indígenas, defensores de direitos humanos e ativistas do combate ao racismo.”
Fernanda destaca a responsabilidade das fundações e institutos empresariais na promoção da melhoria e implementação dos direitos humanos no país.
“A prática da proteção e promoção dos direitos deve ser cumprida, tanto em sua cadeia produtiva e organização interna, como por intermédio do apoio a outras instituições que realizam trabalhos para o fortalecimento do Estado Democrático de Direito e dos direitos humanos. Afinal, os avanços para a redução das desigualdades e promoção dos direitos são um dever de todos, do Estado, das empresas e das pessoas, sem deixar ninguém para trás.”