Evento discute limites da responsabilidade social empresarial
Por: GIFE| Notícias| 02/06/2008Rodrigo Zavala
No ano em que comemora 10 anos de existência, o Instituto Ethos promoveu a décima edição de sua conferência internacional anual em um misto de comemoração e questionamento. Muito além dos desafios objetivos das práticas socialmente responsáveis, os debates realizados, entre os dias 27 e 30 de maio, analisaram uma questão central: independentemente de seus esforços, qual é o limite da atuação do setor privado na busca por uma sociedade sustentável?
Durante os quatro dias de evento, uma série de pontos conhecidos do público presente foram levantados, como a inconstância das políticas públicas de governo ou a incapacidade das empresas em resolver as demandas sociais. Mesmo os impactos ainda não neutralizados, inerentes a determinados setores da indústria (como a petroquímica ou automobilística), foram apontados como gargalos pelos especialistas convidados.
No entanto, nas palavras do próprio anfitrião, o presidente do Instituto Ethos, Ricardo Young, o que é realmente necessário para se chegar a um novo patamar é um novo “”padrão civilizatório””. “”Qual é a extensão do esforço para fazer as mudanças sistêmicas necessárias? Isso passa pelo envolvimento de todos, não apenas das empresas””, afirmou.
Young não fala apenas de parcerias intersetoriais (governo, sociedade e empresas), imprescindíveis para a melhoria das ações de qualquer um desses setores. Ele considera que as relações de consumo e produção globais levarão, cedo ou tarde, à catástrofe social e ambiental. Basta pensar que apenas 1,7 bilhão de pessoas consomem nos padrões dos países desenvolvidos, em um mundo em que existem 6, 7 bilhões de habitantes.
O economista Jeffrey Sachs, professor da Universidade de Columbia, em Nova York e conselheiro especial de Ban Ki-moon, secretário-geral das Nações Unidas (ONU), sabe que a situação é dramática. Em seu último livro, escreve: “”A atual trajetória econômica, demográfica e ambiental do mundo é insustentável””.
“”Não vamos conseguir encontrar soluções nestas duas horas de debates ou nos quatro dias de evento. Mas temos desafios e oportunidades que não podemos mais esperar para começar a fazer””, afirmou o presidente da organização internacional SustentAbility, Simon Zadeck, na primeira mesa-redonda do dia 28 de maio.
Novo Mercado
Para Ricardo Young, o objetivo da conferência voltada para o mercado sustentável foi descobrir como desenvolver uma cultura na qual os mecanismos de mercado trabalhem a favor do desenvolvimento sustentável, da diversidade, da inclusão social, da economia justa, do empreendedorismo e inovação tecnológica.
Ricardo Henriques, assessor da presidência do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), falou da necessidade de repensar os modelos de negócio, de modo que toda a cadeia de valor do setor seja sustentável. “”Nesse mundo fragilizado pela imensa desigualdade social, que no Brasil é radicalizada, é possível buscar ganhos e vantagens econômicas que tenham baixo impacto negativo e tragam retorno para todos””, diz Henriques.
Pela visão de Henriques, a questão principal é como colocar nesse cenário maior equilíbrio entre a importância do aspecto econômico e a dos aspectos social e ambiental dos investimentos, hoje pautados ainda pelo lado econômico. O desafio, diz Henriques, é saber como trazer para a estratégia de gestão a capacidade de agregar valor em toda cadeia produtiva do sistema financeiro. “”É possível ter retorno nas comunidades em que atuo sem medir os impactos no entorno?””, pergunta.
Seguindo a temática empresarial, o chefe executivo do Pacto Global das Nações Unidas, Georg Kell ressaltou que organizações são feitas de pessoas e essas pessoas têm escolhas. “”Vivemos em um tempo definido por lógicas políticas e econômicas, mas temos a capacidade de criar valores e de conectá-los a essas lógicas””, afirma. Kell acredita que existe uma terceira força, além do bem e do mal: o desejo de descobrir.
Muitas empresas, em todo o mundo, reconhecem que precisam lidar com problemas, sejam eles ambientais, sociais ou de outra natureza. São, em algumas situações, oportunistas, mas o mercado global está conectado a tal ponto que as deixa vulneráveis. “”O risco é maior hoje em dia devido à interconectividade. Há oportunidades de expansão e mais acesso a diferentes mercados. Por isso, criar valores e conectá-los é fundamental””, afirma Kell.
Produtos Sustentáveis?
Durante o evento, o conceito de mercado responsável passa necessariamente pela promoção de produtos sustentáveis. No entanto, não se deve ter uma visão romântica sobre o tema. De acordo com a diretora regional do ICLEI – Governos Locais pela Sustentabilidade, Laura Valente de Macedo, não existe um produto 100% sustentável.
“”Qualquer atividade humana gera impacto. Portanto, o que temos são produtos que geram menos ou mais impactos. Pensar dessa forma é mais realista””, argumentou.
O gerente do Ética Comércio Solidário, Edson Marinho, fez coro a diretora do ICLEI e, disse também que, outro problema é “”as pessoas compram por caridade, e não por entender o aquele produto representa””. “”É preciso sensibilizar o consumidor, grandes redes de supermercados e varejistas para que abram espaço em suas prateleiras para esses produtos””, afirmou.
Uma das mais presentes figuras durante as atividades da Conferência, o presidente do Instituto Akatu pelo Consumo Consciente, Helio Mattar, foi assertivo sobre o tema. “”O trabalho com produtos sustentáveis não é focado no lucro ou na expansão do mercado, mas no crescimento positivo da comunidade””.
Comparação
Enquanto isso, no outro lado do mundo, durante o jantar de abertura da 12ª International Conference on Corporate Reputation, Brand, Identity and Competitiveness, organizada pelo Reputation Institute, no dia 30, em Pequim, Prakash Seit, presidente do Sthi International Center for Corporate e professor universitário do Baruch College (US), entrou para o RI Hall of Fame como ganhador do prêmio “”Excelence in the Field of Reputation, Scholarship””.
Em seu discurso de agradecimento, Prakash falou sobre Reputação e Responsabilidade Social: “”Cidadania é um dos fatores que dirigem a sociedade””. Tratou Responsabilidade Social como “”Investimento Social””, no qual a empresa devolve para a sociedade parte de seus lucros como participação e não como doação. E esta participação é devolvida, por exemplo, em forma de investimento em educação e saúde.
Segundo ele, de acordo com metodologias recentes de medição da reputação, produtos e serviços correspondem somente 18% na avaliação do consumidor e que fatores como cidadania e governança vêm crescendo gradativamente nos últimos anos como pontos que pesam cada vez mais na avaliação que os indivíduos fazem em relação à reputação das empresas.
Finalizou falando sobre Responsabilidade Corporativa e Reputação na Ásia: “”A oportunidade é extraordinária. Há uma quantidade enorme de consumidores, sendo que 45% deles estão abaixo dos 25 anos.O desafio está em como contribuir para a solução de questões como a pobreza de parte considerável da população””.
Próximos passos
A Conferência Internacional Ethos resultou na formulação de um documento com mais de 400 propostas, que será disponibilizado no site do Ethos para receber contribuições das empresas e entidades. Essas propostas, reformuladas, serão discutidas com os associados Ethos nas rodadas de debates regionais que o instituto promove nos Estados brasileiros a partir de junho, começando pelo Paraná.
A partir daí, a organização discutirá a melhor forma de encaminhamento dessas propostas ao Poder Público, já que o Estado também deve ser envolvido na discussão de responsabilidade sócio-empresarial a partir do momento em que se almeja uma sociedade mais justa e sustentável.