Redes rompem isolamento das organizações em sua atuação social

Por: GIFE| Notícias| 02/06/2003

MÔNICA HERCULANO
Repórter do redeGIFE

A articulação de redes de organizações é uma importante ferramenta para tornar mais eficientes as ações sociais e o diálogo com todas as instâncias da sociedade. Para formá-las, além de uma causa em comum, um objetivo específico e semelhanças de identidade organizacional, são necessárias vontade, estratégia, participação e persistência.

Segundo a advogada Valéria Pandjarjian, a construção de redes na área social potencializa o alcance e a qualidade das ações e das estratégias no enfrentamento de problemas comuns, rompendo com a idéia e a sensação de isolamento em que muitas organizações se encontram.

Em conjunto com a jornalista Denise Carreira, Valéria escreveu o livro Vem Pra Roda! Vem Pra Rede!, lançado em São Paulo, na última terça-feira (27/5), pela ONG Rede Mulher de Educação. A publicação é um guia de apoio à formação de redes de serviço para o enfrentamento da violência contra a mulher.

Para que uma rede se consolide, as autoras explicam que é necessário ter cooperação, confiança, respeito, envolvimento de posturas e atitudes pessoais que animem o trabalho, capacidade de negociação e de lidar com as diferenças. “”Além disso, é importante definir regras, procedimentos, estrutura, referências e papéis conjuntamente, buscando algum nível de formalização nos compromissos assumidos, mas sem burocratizar.””

Horizontalidade – A estrutura horizontal é um diferencial na atuação das redes. De acordo com Valéria, elas pressupõem uma lógica de organização na qual as relações são pautadas por interdependência e complementaridade. Nelas, a informação circula livremente, e as ações necessitam do engajamento e da iniciativa de seus integrantes.

Judi Cavalcante, diretor executivo adjunto do GIFE, explica que nesse modelo não há centros de decisão, e isso pode representar uma barreira para o trabalho em rede. “”A rede é tentacular e todos os pontos existentes são pontos de comando. Não é fácil se desprender e compreender a horizontalidade do poder. Muitas vezes, as pessoas esperam que outras decidam por elas, baseadas num sistema hierárquico. Em redes, especialmente em redes sociais, isso não existe. Existem lideranças, mas elas têm o mesmo poder de decisão e o mesmo acesso à informação que qualquer outro participante.””

Liliane da Costa Reis, da coordenação da Rede Dlis – Desenvolvimento Local Integrado e Sustentável, lembra que, como todos possuem o poder de atuar de forma autônoma, cada ator traz para a rede um conjunto de interesses e prioridades construídos a partir de sua visão. “”É um desafio construir um significado compartilhado para o trabalho em rede onde todos se percebam como parte de um todo maior.””

A Dlis é uma rede de conhecimento sobre desenvolvimento local. Seu principal objetivo é criar espaços de interlocução entre diferentes atores sociais – sociedade civil, empresas e governos – para que os temas relacionados ao desenvolvimento local possam ser ampliados e relacionados.

De acordo com o economista político Ladislau Dowbor, o problema é que a cultura colaborativa no Brasil ainda é muito limitada. “”Temos um forte bombardeio de ideologia americana, de ser vitorioso sozinho. Ainda não existe a reação natural de ver quem faz o que e aprender uns com os outros””, afirma.

Para difundir a importância do trabalho em rede, Dowbor aponta a necessidade de organizações que trabalham com iniciativas de articulação criarem instrumentos de mudança cultural. “”Seminários, palestras, cursos e boletins, coisas que dêem visibilidade às ações e que gerem uma dinâmica cultural inovadora. Essas organizações articuladoras poderiam tentar parcerias com universidades e com outras instituições.””

Aprender a articular-se entre si, no entanto, deve ser o primeiro passo. “”Falamos muito de como as associações comunitárias deveriam trabalhar mais em rede, mas nós não aprendemos a trabalhar em rede entre nós. A nossa articulação ainda é muito pobre. É essencial participar das reuniões no nível da comunidade, para aprender a introduzir dentro das nossas instituições a problemática deles””, explica o economista.

Conflitos – Os entrevistados concordam que conflitos, divergências e consenso são elementos intrínsecos a uma rede. Assim, a questão é como lidar com eles. Para Caio Silveira, também da Rede Dlis, o trabalho flui quando se pensa nos benefícios gerados fora da rede. “”Não estamos unidos para nós mesmos, mas para contribuir com algo mais amplo, que extrapola cada um de nós, individualmente. Este sentido coletivo que repercute fora da rede, e que só é possível construir com idéias diversas articuladas, deve ser valorizado.””

A diversidade de visões e posturas políticas, com prioridades, concepções e formas de trabalhar diversas, também é característica das redes. “”O desafio está justamente na capacidade de equacionar – e não eliminar – essas diferenças. Capacidade de ouvir, de discutir sem desqualificar o outro e de negociar são fundamentais nesse processo. Assim, em vez de tentar negar ou evitar os conflitos, nos parece mais importante encontrar a melhor forma de lidar com eles quando aparecem. Para tanto, é necessário ter clareza das fontes geradoras destes conflitos””, afirma Valéria.

Dowbor concorda que não se pode negar a existência dos conflitos e aponta a necessidade de colocar as questões em debate. “”Muitas vezes, o problema está na diferença de linguagem entre as organizações de setores diferentes, que têm conceitos e semânticas diversas, o que dificulta as negociações.””

Renato Cunha, coordenador do Grupo Ambientalista da Bahia, entidade membro da atual coordenação da Rede de ONGs da Mata Atlântica (RMA), diz que deve haver compromisso coma solidariedade entre os que participam e com o acesso igual às informações. “”É fundamental a garantia de um processo o mais democrático possível na escolha dos representantes. Temos visto que há um desnível de estrutura entre as organizações e as que têm melhor estrutura atuam mais que as outras.””

A RMA foi criada durante a Eco 92 e trabalha com o acompanhamento e a intervenção nas políticas públicas, difusão de informações sobre o bioma, articulação institucional entre as entidades e execução de projetos para levantamento de informações e criação de banco de dados.

Segundo Judi Cavalcante, não existem fórmulas para superar essas dificuldades. “”Só experimentando. É preciso ter claro que a rede é um espaço democrático, de exposiçãode idéias, com rumos e objetivos claros e que, necessariamente, deve haver conflitos. Acho fundamental que as organizações saibam quais são seus objetivos com a rede e quais os limites operacionais e estratégicos da organização. Porque com isso, quando ela ingressar na rede, saberá os seus potenciais e até onde pode ir.””

Os interessados em adquirir o livro Vem Pra Roda! Vem Pra Rede! pode ser adquirido pelo e-mail [email protected].

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