Para Serra, terceiro setor precisa de novo modelo de sustentabilidade

Por: GIFE| Notícias| 09/09/2002

A partir desta semana o redeGIFE publica uma série de entrevistas com os principais candidatos à Presidência da República. As perguntas foram enviadas no final de agosto e todos se comprometeram a responder. A ordem de chegada das respostas determinará a seqüência de publicação. A primeira será com o senador José Serra, candidato da coligação Grande Aliança (PSDB/PMDB).

redeGIFE – O que o senhor acha da colaboração das empresas, por meio de seus institutos e fundações ou até por investimentos próprios, no combate aos problemas sociais? Nessa área, quais estratégias de integração entre Estado, mercado e sociedade civil organizada o senhor propõe?
José Serra – A sociedade brasileira esgotou, ainda que com atraso, sua histórica tolerância com a pobreza extrema. As empresas brasileiras, por exemplo, estão colaborando para que seja superado o legado iníquo da nossa desigualdade social. Uma pesquisa do Ipea revela que 67% das empresas da região Sudeste realizam algum tipo de ação em benefício das comunidades. No Nordeste, este percentual é de 55% e, no Sul, de 46%. Os recursos investidos pela iniciativa privada no Sudeste representam, em média, 30% do gasto social na região, excluídos os gastos com a Previdência Social. No Nordeste e no Sul, esse percentual é de 4% e 7%, respectivamente.
Mas, mesmo contando com essa colaboração das empresas e da sociedade, meu governo não pretende se desobrigar das responsabilidades do Estado para com as áreas essenciais, como educação, saúde e cultura. A área social continuará a ser prioridade absoluta do governo e os mecanismos de descentralização, participação e controle dos programas sociais serão aprofundados.
O chamado terceiro setor é muito vasto e inclui desde pequenas iniciativas voltadas para resolver um problema local, como uma creche organizada e mantida pela comunidade, até entidades de âmbito nacional, como associações que combatem a discriminação ou trabalham pela prevenção de doenças como a AIDS, ou mesmo supranacional, como alguns grupos ambientalistas bastante conhecidos. Além disso, também integram o terceiro setor centros de pesquisa, associações promotoras de educação popular e entidades de assessoria a movimentos sociais.
Ao lado dessas entidades, que surgem de um processo de auto-organização vindo da própria sociedade, há também um processo de publicização, ou seja, de transição de atividades estatais para o terceiro setor. Nas democracias contemporâneas, o próprio Estado transfere para o setor público não-estatal a produção dos serviços competitivos ou não-exclusivos do Estado, estabelecendo um sistema de alianças estratégicas para seu financiamento e seu controle. Dada essa complexidade, não existe um conjunto único de medidas que se apliquem de forma genérica. Vamos estudar medidas legais diferenciadas, adequadas para cada segmento, a partir de avaliações das experiências já realizadas e envolvendo toda a sociedade. A Lei das OSCIPs, por exemplo, é um marco legal na regulação das relações do Estado com a sociedade civil, na medida em que criou um novo e importante modelo de organização. Foi uma evolução e abriu caminho para o aprofundamento das mudanças.

redeGIFE – Qual o destino que o programa Comunidade Solidária eseus projetos terão em seu governo?
Serra – Junto com as políticas horizontais, destinadas a garantir oportunidades de trabalho para todos e acesso a serviços sociais de qualidade, o Plano Social do nosso governo incluirá medidas específicas para tratar de modo adequado aos desiguais. A redução das desigualdades sociais e regionais só pode ser fruto de um amplo esforço coletivo. Parcerias bem-sucedidas, como a que existe no combate ao analfabetismo pelo Comunidade Solidária, terão continuidade e serão ampliadas. Para estimular os processos integrados e sustentáveis de desenvolvimento local, adotaremos, entre outras, as seguintes medidas: ampliar o programa Comunidade Ativa para, em uma primeira etapa, assegurar sua implantação em localidades-pólos de 1.200 microrregiões; criar um novo programa de apoio à instalação de telecomunidades, ou seja, centros comunitários de acesso à Internet, nas 1.200 localidades-pólos escolhidas; e estender gradativamente o programa até atingir 12 mil localidades-pólo.
Um outro exemplo que merece ser destacado, pela parceria notável do ponto de vista da importância dos resultados, é a soma dos recursos do governo federal à rede de voluntários da Pastoral da Criança. As 150 mil voluntárias daquela ONG visitam, mensalmente, mais de 1,5 milhão de crianças de até seis anos de idade nas áreas mais pobres do país. Essa parceria teve, com toda certeza, decisiva contribuição para a aceleração da queda dos índices de mortalidade infantil e será mantida e até ampliada.

redeGIFE – O senhor é favorável ao financiamento público de organizações sem fins lucrativos da sociedade civil? Como o Estado pode financiar estas organizações?
Serra – A busca de sustentabilidade é um grande desafio para as ONGs brasileiras e estamos permanentemente abertos para analisar as alternativas e as sugestões capazes de garantir a construção de um novo modelo sustentado para as organizações da sociedade civil, sejam ou não fruto de parcerias com empresas. Acredito, no entanto, que o incentivo fiscal é um aspecto secundário da questão. Mais importante do que aportar recursos financeiros, as ONGs precisam atuar como elementos de mobilização, como provedoras de recursos humanos e, sobretudo, como geradoras de energia criativa na gestão social.
É preciso atentar, sempre, para a heterogeneidade das organizações que integram o terceiro setor, fato que impede uma resposta geral a demandas que são específicas. Formas de incentivos que se aplicam ao esporte amador, por exemplo, não são as mesmas que servem a organizações sindicais ou a instituições de pesquisa. Há, entretanto, razões comuns a muitas dessas organizações. Questões como remuneração dos dirigentes, flexibilização dos contratos de trabalho por projetos, regulamentação do trabalho voluntário, simplificação dos mecanismos de reconhecimento institucional, formas de contrato com o serviço público, entre outros, constituem uma pauta na qual já se avançou muito, mas que deve ser consolidada e aprofundada. Formas transparentes e responsáveis de prestação de contas, tanto ao governo quanto à sociedade, assim como o uso dos recursos destinados ao terceiro setor, são igualmente condições para fortalecer a confiança e a credibilidade desse segmento.

redeGIFE – O senhor é favorável à criação de leis de incentivo fiscal para as empresas que investem em programas sociais? Se sim, quais seriam estes incentivos?
Serra – A quantidade de ONGs, bem como o volume de recursos que elas movimentam, justificam, de imediato, o apoio para sua capitalização e capacitação, especialmente para permitir a concessão de microcrédito. No caso da cultura, por exemplo, o aperfeiçoamento das leis de incentivo deverá corrigir sua concentração regional e reforçar sua destinação a projetos de qualidade que, por suas características inovadoras, ou por estarem voltados para públicos de menor poder aquisitivo, não possam depender inteiramente das forças do mercado. Os incentivos devem ser escalonados segundo critérios que levem em conta o montante do imposto de renda devido pelo patrocinador e o alcance social do projeto. Em conjunto com o BNDES e o Banco do Brasil, as linhas de financiamento à indústria cultural serão ampliadas. A popularização da prática do esporte também contará com as várias fontes de recursos disponíveis para o seu incentivo.

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