Relatora de conferência contra racismo analisa seus resultados
Por: GIFE| Notícias| 17/09/2001Para a brasileira Edna Rolland, relatora geral da Conferência das Nações Unidas contra o Racismo, a Discriminação Racial, a Xenofobia e a Intolerância Correlata, o encontro realizado em Durban (África do Sul) no início do mês trouxe algumas conquistas. Em entrevista ao redeGIFE, a presidente da ONG Fala Preta – Organização de Mulheres Negras fala sobre os principais resultados.
redeGIFE – Para o país, qual foi a importância de ter uma brasileira como relatora da conferência?
Edna Rolland – Durante a Conferência, a escolha para cargos como a presidência, a relatoria geral e as vice-presidências são feitas por meio de uma votação. Ser eleito é uma demonstração do prestígio e da força que o país contemplado tem no encontro. Por ser a sede, a África do Sul foi escolhida para a presidência. O Brasil poderia ter reivindicado uma das vice-presidências, mas considerou que seria mais estratégico ter a relatoria geral, exatamente por ser um cargo único com forte valor simbólico.
redeGIFE – Quais foram as atividades desenvolvidas pela senhora como relatora geral?
Edna – Coordenei a equipe de funcionários da ONU que fez o registro das atividades que ocorreram ao longo da Conferência. Foram eles os responsáveis por relatar os discursos das pessoas que falaram no debate geral. Para se ter uma idéia, tivemos a presença de Fidel Castro, Yasser Arafat e diversos chefes de Estado e de Governo. Também acompanhei o trabalho das relatoras que produziram a declaração de princípios e o plano de ação contra o racismo.
redeGIFE – O relatório aprovado no último dia da Conferência é o texto final?
Edna – Não. É uma espécie de rascunho, feito às pressas durante o encontro pois ele precisa ser distribuído antecipadamente a todos e apresentado na última plenária. O texto final deve ficar pronto em uma ou duas semanas, embora os acontecimentos recentes nos Estados Unidos possam gerar um atraso.
redeGIFE – Qual sua avaliação sobre os resultados da Conferência?
Edna – Foi um momento histórico. Há muitas questões de interesse de diversos grupos discriminados que foram aprovadas. Do ponto de vista da população negra do Brasil, essa é a primeira vez que as Nações Unidas reconhecem a existência dos afro-descendentes como um povo e grupo discriminado. Outra conquista foi a recomendação de apuração rápida e eficaz de casos de discriminação racial para posterior indenização das vítimas.
redeGIFE – O pedido de desculpas formal pela escravidão e pelo colonialismo, solicitado por diversos países africanos, acabou não sendo incluído no texto aprovado. Por que?
Edna – O texto aprovado não chegou a atender as reivindicações do grupo africano que desejava a questão da reparação de uma forma mais clara e abrangente. Ficou mesmo aquém das expectativas deles. Porém, o relatório reconhece que a escravidão e o tráfico de negros foram crimes horríveis na história da humanidade e explicita que ambos são considerados causas e manifestações de discriminação racial. Há também a proposta de se honrar a memória das vítimas dessas tragédias. Lamentam-se os sofrimentos que foram infringidos aos milhões de homens, mulheres e crianças que foram escravos e nota que alguns Estados tomaram a iniciativa de pedir desculpas e pagar reparações para as graves violações que foram cometidas. Dessa forma, é verdade que o texto não chega a propor que os Estados peçam desculpas e paguem indenizações. Mas ele estabelece uma confrontação ética e moral entre os males causados pela escravidão e o fato de que houve casos em que reaprações foram pagas. É um ponto de partida para que a luta possa ser continuada.
redeGIFE – A questão entre palestinos e israelenses durante a Conferência teve grande destaque na mídia internacional. A senhora acredita que houve mais atenção a este tema em detrimento de outros?
Edna – Acho que foi dada uma excessiva atenção. A ação dos países islâmicos presentes fez com que essa questão tivesse um peso além do que deveria ter. Existiram muitos temas importantes que foram aprovados, mas a mídia só falou sobre o que não se realizou, das dificuldades em relação à questão do Oriente Médio. Porém, o conjunto de parágrafos acerca do tema foi negociado de forma consensual. Foram reconhecidas a questão do Holocausto do povo judeu e a proposta de combate ao anti-semitismo e à islamofobia, por exemplo. Busca-se uma visão equilibrada tanto aos judeus quanto aos árabes. Mas infelizmente a visão que a imprensa tem colocado mais explora os desacordos do que as conquistas que se conseguiu.
redeGIFE – Qual sua opinião sobre o abandono da Conferência por parte de norte-americanos e israelenses? A senhora acredita que isso pode ter algum tipo de relação com os fatos ocorridos na última semana em Nova Iorque e Washington?
Edna – Acho que não é possível se fazer essa afirmação. Acredito que a ausência de disposição para o diálogo esteve presente em Durban. A saída dos Estados Unidos e de Israel foi uma demonstração dos limites da vontade política desses países em manter o diálogo até o fim. Essas ações têm estado presentes em outros momentos e não ajudam no processo de paz. Sem dúvida estimulam atitudes que estão para além das diplomáticas e de negociação política que são os meios pelos quais todos os conflitos devem ser negociados.