Rodrigo Zavala*
Encontro entre o renomado diretor do Centro de Estudos da Sociedade Civil da Universidade John Hopkins, Lester Salamon, e representantes do IBGE, IPEA, GIFE, USP e do Programa de Voluntariado das Nações Unidas, realizado no último dia 24, na sede do escritório do Pinheiro Neto Advogados, em São Paulo, refletiu sobre uma das questões mais contundentes do setor social no mundo: como mensurar o tamanho e força do setor sem fins lucrativos globalmente?
Para pesquisadores, trata-se de um quebra-cabeças, até agora, insolúvel por dois pontos críticos: há uma imensa falta de informações em muitas regiões do globo – principalmente no hemisfério Sul – e, mesmo quando elas existem, os levantamentos seguem metodologias e conceituações tão distintas que tornam sua comparação ineficaz.
É nesse contexto que o professor Salamon veio de visita ao Brasil. Referência mundial no tema, basta ver que seu nome consta em 10 entre 10 bibliografias de estudos acadêmicos sobre o setor, o americano mostrou o piloto de um levantamento sobre a área no Brasil, elaborado segundo sua metodologia.
Embora o “Organizações sem fins lucrativos no Brasil: Uma conta satélite piloto com comparações internacionais”, elaborado em parceira com o IBGE e o Programa de Voluntariado das Nações Unidas, seja datado de 2010, suas conclusões utilizam dados de 2002, que são analisados junto a 42 países. Sem dados recentes – o estudo demorou oito anos para ficar pronto – o que moveu o encontro foi, justamente, sua métrica, não necessariamente seus resultados.
Afinal, o objetivo maior do diretor do Centro de Estudos da Sociedade Civil da Universidade John Hopkins é que sua metodologia seja aplicada pelas agências de estatísticas de cada país pelo mundo. E, no Brasil, como em outros 33 países, deu certo.
Sua métrica de “conta satélites” será inserida no novo software para as contas nacionais, que está sendo implantado pelo IBGE. Assim, já no próximo ano será possível analisar o tamanho do setor sem fins de lucro brasileiro.
Outra boa notícia para Salamon, e para o voluntariado nacional, é que outra medição, desenvolvida Johns Hopkins e United Nations Join Forces, esta para saber o valor do trabalho voluntário na economia, também será aplicada pelo IBGE. A metodologia será adaptada à Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD) já no próximo ano.
Metodologia
Antes de mais nada, é preciso entender certos conceitos impostos por seu idealizador. O primeiro é a definição de “conta satélite”. Para delinear o tamanho e escopo do setor é preciso que existam estatísticas que identifiquem as movimentações financeiras das organizações sem fins de lucro. Assim, a conta satélite aponta a renda e os gastos do setor e permite ao IBGE valorar sua participação na economia.
“Não pretendemos fazer o instituto criar uma nova forma de medição, mas aplicar cruzamentos, com dados já existentes, que possam identificar esses recursos”, elucidou Salamon. As bases desse método se encontram na publicação “
Handbook on Non-Profit Institutions in the System of National Accounts”, elaborado pela Divisão de Estatísticas das Nações Unidas e pelo Centro de pesquisas dirigido por ele.
Entre as recomendações do documento, além da conta satélite, há também uma definição sobre o que vem a ser uma organização sem fins de lucro, para identificá-las entre os outros setores e trazer consenso para um sistema único entre países (International Classification of Non-Profit Organizations – ICNPO).
Isto significa se enquadrar nas cinco categorias: a.ser uma organização formal e estruturada com objetivos e atividades; b. não repartir lucros; c.institucionalmente separada do Estado (pode até receber recurso, mas ser independente dele); d. ter auto-governança, base de sua autonomia e; e. não-compulsória, isto é, que sua associação e a contribuição de tempo e financiamento não seja obrigada por lei.
Por fim, outro ponto fundamental de seu levantamento, seguindo a orientação do Handbook, é a inclusão do trabalho voluntário na projeção da conta satélite do setor sem fins lucrativos. Segundo o acadêmico, a medição desse valor se dá a partir do levantamento do trabalho voluntário no país e, com base nisso, ter o produto da equação tempo e função, a partir da remuneração comparativa ao mesmo ofício no país.
Neste tema, Salamon apresentou o ainda inédito “
Putting Volunteer Work on the Economic Map of the World”, elaborado pela Johns Hopkins e United Nations Join Forces. “O voluntariado é definido como um trabalho não remunerado e não compulsório. Isto é, o tempo que indivíduos doam sem pagamento para atividades realizadas a organizações ou diretamente para outros fora de seus próprios lares”, explicou.
Este olhar é importante, pois o Handbook analisa também, como dimensão complementar, a perspectiva do trabalho nessas organizações. “Como não operam motivadas pelo lucro, focar nos níveis de emprego no setor oferece uma visão com mais nuances de onde os esforços estão focados”, argumentou. Nesse sentido, além dos dados formais de remuneração, deve ser somado o valor das contribuições do voluntariado, identificados anteriormente.
Principais conclusões
Quando realizado com dados de 2002, o levantamento sobre o setor no Brasil, seguindo essa metodologia, apontou que as organizações sem fins de lucro no Brasil representavam, na época, aproximadamente, 2.3% do PIB nacional (R$ 34,2 bilhões). Em perspectiva, trata-se de um pouco menos de toda a indústria de transporte no país, que foi aferida em 2.6% de participação no PIB. Comparativamente aos outros 42 países, a participação do setor na economia não chega sequer à média de 4.8%.
Aqui, é importante ressaltar que, 97% do tamanho do setor no país advém do trabalho, seja remunerado ou voluntário. Deste total, 80% é atribuído ao montante dos empregados e 17% do trabalho voluntário. Isto significa dizer, que em termos de População Economicamente Ativa, o setor utiliza mão de obra de 3.3% dela – no Chile e na Argentina, por exemplo, essa faixa chega a 5.0% e 5.8%.
Outro dado relevante é a composição do setor no Brasil. Em pontos percentuais, a Educação é o campo com maior atenção, 31%, seguido de Saúde (18.4), Assistência Social (7.1) e Cultura (4.2). A mensuração deixou os participantes do encontro em São Paulo desconfiados, ainda mais depois da seguinte conclusão do documento: “o fato do campo da assistência social ser significativamente menor do que em outros países (a média é de 18%), sugere uma limitada habilidade dessas organizações brasileiras de prover ajuda aos mais pobres e desfavorecidos.”
Na apresentação, Salamon chegou até a dizer que, seguindo essa linha de raciocínio, “o setor parecia estar voltado à faixa menos pobre da população”.
A controvérsia ganhou ares de polêmica, quando foram explicitados os dados referentes ao financiamento do setor. Pelo estudo, 43% derivam de contribuições associativas, 33% de investimento social privado e 9.84% de repasses do governo.
Quando questionado pela diretora de Responsabilidade Social do IPEA, Anna Maria Peliano, que a participação do Estado foi subestimada, a pesquisadora Neide Beres, que participou da elaboração do levantamento, lembrou a todos que os dados dos repasses do governo são incompletos. Isto porque, dentre os pagamentos governamentais, não estão computados os de “Serviços”, pois, nas contas oficiais, não há diferenciação se o destino do recurso é para uma organização sem ou com fins de lucro.
Essa lacuna nas informações torna a margem de erro excessivamente alta. No frigir dos ovos, os números para as áreas de Saúde e Assistência Social, principalmente, seriam, na visão dos participantes, muito distintas. O que, de forma evidente, colocaria a conclusão do documento supracitada senão em xeque, pelo menos em suspeição.
“O levantamento tocou a superfície do setor no Brasil. Foi um primeiro passo para institucionalizar essas contas satélites junto ao IBGE”, lembrou Salamon.
Adaptações – FASFIL
A metodologia criada na Universidade de John Hopkins já havia inspirado a pesquisa As Fundações Privadas e Associações sem Fins Lucrativos no Brasil (Fasfil), que conta com duas edições, produto de uma parceria entre governo e sociedade civil: IBGE, Ipea, GIFE e Abong. A primeira com dados de 2002, apresentada em 2004, e a segunda com dados de 2005, apresentada em 2008.
Os dados utilizados são do Cadastro Central de Empresas (Cempre) do IBGE, que cobre o universo das organizações inscritas no CNPJ (Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica). O ponto de partida do processo foi selecionar, no Cempre, as entidades qualificadas como sem fins lucrativos.
“”Foi uma satisfação realizar esse trabalho em conjunto. Essa parceria, que alia órgãos governamentais, empresas e organizações da sociedade civil, tem como objetivo ampliar o debate entre os setores””, garantiu Anna Maria Peliano.
Segundo a Fasfil, Entre 2002 e 2006, o número de fundações privadas e associações sem fins lucrativos cresceu 22,6%, passando de 276 mil para 338 mil. Comparativamente, o número é tímido em relação ao período de 1996 e 2002, quando o crescimento dessas organizações sociais foi de 157% – 105 mil para 276 mil (
veja resultados completos).
Dentro das 16 categorias existentes na Tabela de Natureza Jurídica 2003.1, optou-se por adotar como referência para a definição das Fasfil a metodologia (adaptada) do
Handbook. Assim, foram consideradas as organizações privadas, sem fins lucrativos, institucionalizadas, auto-administradas e voluntárias, formadas por cidadãos que se reúnem livremente em torno de objetivos comuns. Foram excluídas as associações de cunho mercantil, as que sejam reguladas pelo governo ou as que tenham um arcabouço jurídico específico, como partidos políticos, sindicatos e consórcios, entre outras.
Aí está uma das principais diferenças entre o estudo apresentado por Salamon e a Fasfil: a composição das organizações sem fins de lucro. Salamon discorda das exclusões. “Vejo como discriminatório”. Neste tema, Anna foi enfática: “No Brasil, a contribuição sindical é compulsória, o trabalhador não tem escolha. Por isso, está fora dos critérios na pesquisa”.
Sobre uma possível terceira edição, o técnico do IBGE, Bruno Erbisti Garcia, gerente do Cadastro Central de Empresas do instituto, foi assertivo ao colocar os impedimentos que podem atrasar o processo, como a nova classificação nacional de atividades econômicas e a mudança na coleta de estatísticas das empresas ativas no Brasil. Assim, segundo ele, antes de iniciar a coleta de informações, será preciso elaborar linhas estatisticamente comparáveis.
“Há uma dificuldade de utilizar instrumentos globais localmente. Não vamos encontrar uma compatibilidade plena. Por isso, o caminho, talvez, não seja criar um padrão global e esperar que os países o adotem, mas criar pontes entre diferentes metodologias, que levam a caminhos mais permanentes de mensuração do setor sem fins lucrativos”, encerrou o secretário-geral do GIFE, Fernando Rossetti.
Ele se referiu ao trabalho, em andamento, realizado pela Worldwide Intiative for Grantmaker Support (WINGS), a rede global de associações de apoio a investidores sociais privados, e do Council on Foundations (CoF). No final do ano passado, as organizações lançaram a pesquisa
Global Institutional Philanthropy Report, que traz um mapa da filantropia mundial.
Ao perceber os gaps de informação, as diferentes definições e metodologias utilizadas para levantar dados e a falta de padronização, a equipe começa agora a elaborar novos parâmetros para lidar com esses desafios. Daí criar pontes, como disse Fernando Rossetti, também chairman da WINGS.
*Rodrigo Zavala é editor de Conteúdo do GIFE.