Evento discute cooperação internacional no Brasil
Por: GIFE| Notícias| 25/07/2011Rodrigo Zavala*
No último dia 20 de julho, a Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais (ABONG) e a plataforma política D3 – Diálogo, Direitos e Democracia promoveram um encontro para debater políticas e mecanismos de apoio a organizações sociais, tal como a ajuda para o desenvolvimento praticada pela cooperação internacional no país.
Durante as apresentações e debates, o que ficou claro para os participantes foi uma tentativa de “desconstruir discursos”, como o de que o “Brasil é um país doador”, ou mesmo que não existe cultura de doação no Brasil. Embora a audiência não fosse numerosa, não mais de vinte pessoas, ali se encontraram as principais lideranças de fundos independentes e comunitários nacionais.
Contexto
Nos anos de 1970, durante o período da ditadura militar, a cooperação foi imprescindível para fortalecer os núcleos democráticos de resistência no Brasil. “Os operadores de projetos dessas organizações naquela época tinham autonomia para atuar, um modelo que não existe mais”, analisou.
Assim como o Brasil, a cooperação internacional se modificou muito ao longo das últimas décadas. Nos anos de 1980 seu principal papel foi o de apoiar a construção de uma democracia participativa brasileira, apostando no papel das ONGs na formulação de políticas públicas – organizações estas que trabalhavam fundamentalmente com advocacy. Já na década de 1990, o Brasil se torna exemplo e a cooperação internacional dá mais enfoque ao país, havendo assim, um aumento das fontes internacionais de apoio e recursos para a sociedade civil brasileira.
No entanto, quando, em 2003, a eleição presidencial leva Luiz Inácio Lula da Silva ao Palácio do Planalto, há uma mudança na percepção sobre o país. Na análise de fundações e organizações de cooperação, mais do que uma democracia robusta e participativa, o novo governo trazia ao seu lado muitos dos parceiros antigos da cooperação internacional – entre líderes sociais e acadêmicos, em grande parte.
Assim, para muitas organizações de cooperação, o trabalho estava feito, evidenciando uma mudança de destino dos recursos para “países que precisassem mais”, principalmente na África. A desenvoltura econômica brasileira nos últimos anos também foi decisiva para essa percepção, levando a um senso comum “os problemas sociais do país poderiam e deveriam ser mobilizados nacionalmente”.
Isso quer dizer que cooperação internacional está saindo do Brasil? Sim e não. Embora exista diminuição visível do montante de financiamento (veja pesquisa do Instituto Fonte), que também pode ser creditado a uma situação cambial da moeda interna valorizada, o que os participantes do encontro concluíram foi uma alteração dos fins. “Precisamos ampliar nosso escopo de trabalho porque a agenda da cooperação mudou”, argumentou Haddad.
Brasil doador
Em um segundo momento do evento, a integrante da coordenação executiva da Abong, Vera Maria Masagão Ribeiro, e o oficial de programas da Fundação W.K. Kellogg para América Latina e Caribe, Rui Mesquita, participaram da mesa “O Brasil doador: contexto, diretrizes políticas e temáticas e desafios”. No debate, os convidados focaram na análise avaliativa e propositiva em relação a política de cooperação internacional brasileira e indicação de diretrizes.
E o que se viu foi, mais uma vez, uma torrente de desmitificação do tema. A entender: em busca de um lugar de destaque no cenário global, o Brasil está se firmando como doador de recursos a países pobres. De acordo com cruzamento de dados apresentados por Mesquita, entre 2005 e 2009, o Brasil recebeu US$ 1,48 bilhão, período em que doou US$ 1,88 bilhão – saldo, portanto, de US$ 400 milhões em relação ao que recebeu.
No discurso, portanto, o Brasil, que durante três décadas foi basicamente receptor de ajuda internacional, hoje passa para o outro lado do balcão, ambicionando até fazer parte da Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico. No entanto, uma análise mais cautelosa mostra o contrário.
Segundo Mesquista, embora o Brasil realmente não receba dinheiro do Banco Mundial e o FMI, por exemplo, – agora é ele que envia dinheiro para essas duas instituições, há um ponto de interrogação sobre a qualidade da cooperação brasileira.
Nos cinco anos analisados, o Brasil destinou pouco mais de US$ 50 milhões para ações de assistência técnica. Para efeito de comparação, só a Fundação Ford investe 468 milhões por ano. A Fundação W.K. Kellogg, 270 milhões. “Vale lembrar que o Brasil anunciou que o valor dado à assistência aumentou 73 vezes nos últimos anos. Imagine só quanto era esse investimento”, brincou Rui Mesquita.
“O Brasil precisa de uma agenda para se tornar um ator no campo da cooperação. Intencionalidade política”, acredita Vera Masagão, que se prepara para IV Foro de Alto Nivel – de Busan, na Coreia do Sul, sobre a eficácia da ajuda ao desenvolvimento em novembro deste ano. Segundo ela, o governo não se acerta sobre a participação brasileira e dá sinais reticentes sobre as posições do país nos temas a serem debatidos no evento.
Em breve, a página da ABONG divulgará relato completo sobre os dois dias de evento.
* Rodrigo Zavala é editor de Conteúdo do GIFE.