Estudo mostra que classes B e C predominam nas favelas cariocas

Por: GIFE| Notícias| 26/08/2002

O Instituto de Estudos da Religião (Iser), com o apoio do Viva Rio, criou recentemente o núcleo de pesquisa Favela, Opinião e Mercado. O objetivo é traçar um perfil dos moradores das favelas cariocas. Em entrevista ao redeGIFE, Bernardo Sorj, coordenador da área, fala da proposta do núcleo e dos resultados do primeiro levantamento.

MÔNICA HERCULANO

redeGIFE – Como surgiu a idéia de organizar este novo núcleo de pesquisa?
Bernardo Sorj – O mundo das favelas é um grande desconhecido das classes médias. Embora conhecê-lo seja moda crescente entre os turistas que visitam o Rio de Janeiro, para os brasileiros que moram no “”asfalto”” a favela é representada como algo homogêneo, onde reina a pobreza absoluta. Este desconhecimento, por sua vez, aumenta o temor e o preconceito, tanto das pessoas quanto das empresas. Os institutos de pesquisa, por considerarem estes locais perigosos, não fazem levantamentos lá. O núcleo do Iser Favela, Opinião e Mercado, em parceria com o Viva Rio, veio para suprir a necessidade de uma unidade que acompanhe o morador da favela na sua dupla qualidade de cidadão e consumidor, mostrando sua diversidade e vitalidade econômica, apesar das enormes carências de serviços públicos.

redeGIFE – Qual o objetivo da realização de pesquisas nas favelas? Existe proposta para fazê-las em outras cidades?
Sorj – O objetivo da pesquisa é aproximar o mundo da favela ao conjunto da sociedade, mostrando que lá existe um importante mercado consumidor e que os seus moradores formam um contingente significativo da opinião pública, constituindo mais de 20% dos eleitores das grandes cidades. O núcleo apresenta até mesmo um traço inovador, com os próprios moradores das favelas atuando como entrevistadores, o que facilita o contato com eles. No momento, nosso trabalho está centrado no Rio de Janeiro, mas pretendemos no futuro expandi-lo para o resto do Brasil.

redeGIFE – Como tem sido a recepção das pessoas que estão sendo questionadas?
Sorj – Muito positiva. É uma fonte de orgulho para o morador da favela poder mostrar que ele também consegue obter, pelo seu esforço e do conjunto da família, acesso a bens de consumo.

redeGIFE – Houve algum dado inusitado na pesquisa?
Sorj – São vários os dados inesperados, mas mencionarei apenas dois. Do ponto de vista do critério Brasil, que divide a população em cinco grandes classes de A a E, em que a principal norma de classificação é o acesso a bens de consumo – embora a educação seja também incluída como um dos critérios -, 50% dos moradores das favelas se concentram na classe C e 25%, na classe B, sendo quase inexistentes os pertencentes à classe E. Inclusive encontramos um contingente de pessoas da classe A. Chama particularmente a atenção o fato de 15% dos entrevistados possuírem carro, quando sabemos da dificuldade de trânsito nesteslocais. O segundo dado confirma o drama da favela como expressão do drama do estado brasileiro: enquanto a quase totalidade dos moradores possui televisão e geladeira, em torno de 65% dos entrevistados não terminaram o ensino fundamental. Este público, portanto, se encontra incluído no mercado, mas excluído dos serviços públicos. É um consumidor, mas não tem acesso à educação, aos serviços de saúde e à segurança adequada.

redeGIFE – O que pode explicar o fato de ter sido identificado que uma parcela significativa dos moradores das favelas cariocas é das classes B e até A?
Sorj – O morador da favela é um lutador que, em geral, por meio de um esforço conjunto com o resto da família, consegue poupar para obter bens de consumo. Isso apesar do custo de vida lá ser mais alto que no “”asfalto”” e das condições de crédito serem muito piores que as condições às quais tem acesso a classe média.

redeGIFE – Na pesquisa, mais da metade das pessoas (59%) afirmaram estar satisfeitas com a vida que levam. Isso é positivo ou negativo para a promoção de projetos sociais nessas áreas?
Sorj – O crescimento das favelas é um complexo fenômeno histórico. A opinião das pessoas de estarem satisfeitas reflete tanto uma atitude positiva perante a vida característica da cultura popular urbana brasileira, quanto o fato de o morador sentir que pode obter aquilo que depende de seu esforço individual. Não é o caso dos serviços sociais, que dependem da intervenção pública. E nesse sentido a pesquisa só confirma a necessidade de projetos sociais que transformem o trabalhador/consumidor num cidadão com acesso aos serviços públicos consagrados pela própria Constituição.

redeGIFE – De que maneira a realização de estudos específicos como esses podem ajudar a população das favelas?
Sorj – Em primeiro lugar, mudando as percepções e os preconceitos, mostrando que a favela apresenta uma grande heterogeneidade social, que o morador desse local luta e consegue ter acesso a bens de consumo associados à classe média. Esta mudança de imagem deverá diminuir o preconceito que setores das classes mais altas têm em relação aos habitantes da favela. Em segundo lugar, indicando às empresas e aos empresários que estas áreas representam um grande mercado de consumo e que vale a pena investir na geração de produtos e serviços para seus moradores.

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