Desafios e potencialidades para a atuação do investimento social e da filantropia no Nordeste do Brasil

De acordo com o Censo GIFE de 2020, houve um crescimento de 2% nas iniciativas realizadas no Nordeste. Para os atores do campo e que atuam na região, no entanto, o crescimento é desproporcional às necessidades. O especial redeGIFE de abril é sobre filantropia no Nordeste. Conversamos com empreendedores sociais e organizações da sociedade civil para entender os principais desafios e potencialidades da região.

A concentração de iniciativas no Sudeste é um padrão que se repete em todas as edições do Censo GIFE. No levantamento de 2020, no entanto,houve um aumento de 2% de iniciativas realizadas em todos os estados das regiões Norte e Nordeste. O crescimento é modesto, mas não por falta de oportunidades.

Foi a partir da percepção de que faltavam aos investidores sociais olhar para as potencialidades do Nordeste, que em 2019 o empreendedor social Marcello Marques criou o Impacta Nordeste, primeiro portal de conteúdo dedicado ao ecossistema de impacto social na região. “A ideia era jogar luz no que está sendo feito para que quem tem os recursos visse outras opções para investir.”

Desde 2007, o Instituto de Educação Portal (IEP) promove educação profissional integral no Ceará. Apesar da demanda do setor industrial por profissionais qualificados no Nordeste, os jovens enfrentam alta vulnerabilidade social e muitos estão fora do ambiente escolar. “É um papel importante porque no Nordeste temos índices altos de evasão escolar, analfabetismo e insegurança alimentar”, pontua Mônica Rabelo, vice-presidente do IEP. O Instituto conta ainda com programas de educação profissional específicos para mulher, visando combater a violência contra a mulher e o feminicídio.

A Somos Um, associação sem fins lucrativos localizada no Ceará, também atua no combate a esses indicadores sociais. “Nosso foco de atuação é aqui pois somos a região mais pobre do país. Por outro lado, temos grande potencial empreendedor”, explica Ticiana Rolim, fundadora da associação.

O que dizem os números

Um levantamento de 2020 do IBGE aponta que o Nordeste apresenta um valor proporcional 47,9% da concentração da pobreza no Brasil. Já o Sudeste, é a região que mais contribui para as desigualdades no país, devido à concentração da renda. Ainda assim, de acordo com o Censo GIFE 2020, há uma concentração de iniciativas do terceiro setor no Sudeste.

Para a cearense Bia Fiuza, diretora institucional do Instituto de Música Jacques Klein, e conselheira do GIFE, existe muito capital no Nordeste. Mas, é preciso ofertar estrutura e ferramentas para que potenciais investidores aloquem seus investimentos sociais na região. Defende ainda que o investimento que vem do Sudeste seja 100% aplicado com profissionais da região. Outra percepção da diretora, é que a filantropia familiar e independente ainda é muito rara, assim como o grantmaking.

Para Mônica Rabelo, o crescimento do Investimento Social Privado (ISP) nas ações realizadas pelas organizações no Nordeste é incipiente. “Temos uma região que demanda muitas ações em diversas áreas, e que tem projetos, instituições com gestão, estratégia, planejamento. Temos condição de ampliar.”

Ticiana Rolim aponta que “no Nordeste, há somente 20% dos negócios de impacto do Brasil, o que não faz o menor sentido, tendo em vista o tamanho da região e o fato de sermos a que tem mais desafios sociais e ambientais.” A estratégia adotada pela Somos Um foi a criação do Zunne – Programa de Impacto, em parceria com a Yunus Negócios Sociais e a TRÊ Investimento para investir em negócios exclusivamente no Norte e Nordeste e mudar a rota do dinheiro.

“Parte dos empresários da região estão começando a despertar. Mas, tem muito pra crescer. Algumas empresas daqui tem investimento social no Rio e São Paulo, mas não tem na região. Não faz sentido.”

Marcello Marques
empreendedor social, Impacta Nordeste.

Darline Oliveira é coordenadora de Relações Corporativas da Diageo, companhia de bebidas alcoólicas premium cujo complexo industrial está instalado no Ceará. Para ela, apesar do Nordeste ter avançado no entendimento de que o ISP é um ganho para o negócio, e não uma despesa, ainda há espaço para o crescimento da atuação das empresas, “que se beneficiam de uma cadeia de componentes sociais e ambientais.”

Para Larissa Santiago, coordenadora de articulação do coletivo de mídia negra recifense Blogueiras Negras, existe um processo histórico que inferioriza o Nordeste. 

“Essa relação reflete no sistema filantrópico. O Nordeste continua sendo visto como um lugar onde as pessoas constroem coisas. Servimos para carga pesada do trabalho, mas não para gerir, não como um lugar onde os fundos podem estar localizados.”

Larissa Santiago
coordenadora de articulação do coletivo recifense Blogueiras Negras

Houve um aumento de 2% de iniciativas realizadas em todos os estados das regiões Norte e Nordeste, em 2020

Desafios

A atuação do Impacta Nordeste se dá hoje nas frentes em que a organização diagnosticou que estão presentes os principais desafios para a filantropia no Nordeste. O diagnóstico da plataforma dialoga com a realidade. Apesar de 10 anos de atuação, a experiência do Blogueiras Negras com financiamento é recente. Isso por conta dos obstáculos da formalização e das burocracias. “A burocracia é difícil porque nós mulheres negras não temos acesso à educação organizacional administrativo financeira”, avalia Larissa Santiago. 

Uma das preocupações de Ticiana Rolim é com o desconhecimento de algumas empresas e investidores sobre a filantropia. “Aqui tem muita caridade e ela é bem diferente da filantropia estratégica e dos investimentos de impacto”.

Larissa Santiago também observa essa relação com a caridade no lugar da filantropia na região. “É comum presenciar em encontros com fundações um certo agradecimento assistencialista. A insubordinação é necessária para virar essa chave.”

Caminhos para avanços

Para lidar com essa série de desafios, os atores observam oportunidades na região. Bia Fiuza lembra que o número de famílias de alto poder aquisitivo tem aumentado no Nordeste.

“Existe campo fértil. Mas é necessário capacidade técnica de executar soluções, construir colaborações, atuar de forma sistêmica, fortalecer a relação de confiança e investir na coleta de dados”

Bia Fiuza
conselheira do GIFE.

“Por vivenciarmos as mazelas da região, temos os olhares mais sensíveis, estratégicos, urgentes e a longo prazo. Sabemos melhor do que ninguém como resolver nossos próprios problemas”, destaca Larissa Santiago.

Para os empreendedores e investidores sociais interessados, afirma Marcello Marques, não faltam oportunidades. Entre elas, a sustentabilidade a partir da produção agrícola sustentável; energia renovável; educação e inclusão produtiva; tecnologia; e saúde.

“Não somos a região da seca, do analfabetismo, da fome. Ainda estamos logrando esses indicadores porque é preciso maior seriedade na política pública e da filantropia”, alerta Mônica Rabelo.

“O Nordeste tem ideias inovadoras e um povo resiliente. Se ao invés de usarmos esses talentos para sobrevivência, usá-los para desenvolver a região, teremos crescimento.”

Ticiana Rolim
fundadora da Somos Um.

Para sair do lugar da caridade, afirma Ticiana Rolim, é preciso investimento, conscientização dos empresários do Nordeste para que invistam na região, e de recursos do centro financeiro do Brasil. 

“Os fundos filantrópicos precisam não só deslocar o olhar, mas os escritórios, oficiais de programas, se deslocar para ver os resultados nos territórios. Nossa potência está posta. Mas falta e merece o esforço dessas organizações para reconhecer”, finaliza Larissa Santiago.

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