Opinião – Por uma política pública de formação de leitores

Por: GIFE| Notícias| 05/11/2012

* Patrícia Lacerda e Volnei Canônica

O diagnóstico do persistente distanciamento entre a cultura escrita e os brasileiros vem de diferentes fontes recentes. O Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) indica que as habilidades de leitura e escrita, em algumas faixas etárias, estão muito aquém do desejado. O Índice Nacional de Alfabetização Funcional (Inaf) mostra o elevado grau desse tipo de analfabetismo entre os brasileiros. E o relatório Retratos da Leitura no Brasil revela o baixo percentual de leitores e o assustador desinteresse pela leitura. As informações derivadas desses estudos apontam para uma mesma direção: a urgência de colocar no topo da agenda social brasileira o incentivo às práticas de leitura.

Pode-se pensar que já exista atenção dedicada ao tema, na medida em que se amplia o número de bibliotecas – existe uma lei que prevê a instalação de biblioteca em todas as escolas públicas. Também há notícias de compra e distribuição de obras literárias nas redes de ensino. Mas esse é apenas o primeiro passo de um desafio que é bem mais complexo e envolve políticas públicas que olhem, sim, para os livros, mas antes levem em consideração os processos de formação de leitores.

Reveladores são os achados do relatório Retratos da Leitura no Brasil, publicado pelo Instituto Pró-Livro e pelo Ibope Inteligência. O estudo revela que a leitura não está fortemente associada a algo interessante ou prazeroso e, entre aqueles que estão lendo menos que antes, 78% alegaram motivos relacionados à falta de interesse. Outro dado significativo é que 45% dos entrevistados classificados entre os leitores que gostam de ler atribuíram ao professor ou professora o papel de maior estimulador da leitura – um pouco à frente até mesmo da mãe e muito acima do pai. Esses resultados nos levam ao coração deste tema tão complexo: o papel da escola em formar leitores para além da alfabetização.

As competências de leitura e escrita não são adquiridas de uma vez por todas. Se há uma interrupção nas práticas, pode haver – como há – uma regressão dessas habilidades. Dessa forma, como um processo de aprendizagem que ocorre ao longo da vida, quanto mais interna é a relação das pessoas com a leitura, mais sustentável ela será. Se lemos apenas porque a escola ou o trabalho nos obriga, como tem acontecido com a maioria da população leitora, assim que o estímulo externo cessa, a leitura tende a ser abandonada.

O primeiro passo é repensar a formação do professor, para que seja possível despertar nesse ator fundamental um interesse genuíno pela leitura. O gosto pela leitura tem um indiscutível componente de descoberta, de prazer, de experiência de livre pensar, que não é alcançado se a leitura for vista apenas como uma tarefa imposta. Por isso, tantos estudos enfatizam a importância da leitura de literatura, pelo caráter de liberdade que ela contém.

O prazer pela leitura não se ensina como uma lição convencional. Note-se que não estamos falando de um prazer imediato, mas de algo que se conquista em camadas, até ganhar familiaridade com linguagens e pensamentos mais complexos, o que nem sempre é fácil. Diferentes estratégias de incentivo podem conduzir o leitor a experiências literárias nas quais a imaginação, a interpretação e a subjetividade sejam valorizadas e possam cativar. Para avançar nessa direção, é necessário um conjunto de políticas continuadas que garantam ao professor o acompanhamento na sua trajetória de leitor, tempo para leitura, acesso ao livro (dentro e fora do ambiente escolar), e que ele seja sensibilizado para o papel que desempenha de transmissor do gosto pela leitura.

Há iniciativas que apontam nessa direção. Reconhecer e premiar iniciativas inspiradoras, que propiciem o encontro da comunidade escolar com os livros e valorizem o trabalho dos professores é o objetivo do concurso Escola de Leitores, promovido pelo Instituto C&A. O concurso mostrou novamente, em 2011, práticas que merecem ser conhecidas e disseminadas. Realizado nas redes públicas municipais do Rio de Janeiro, São Paulo, Natal e Porto Alegre, o Escola de Leitores teve 293 inscritos, com 24 projetos selecionados. Os vencedores receberam recursos para o desenvolvimento do projeto, bem como formação e acompanhamento técnico. Além disso, dois professores de cada escola premiada fizeram uma viagem à Colômbia, país que tem obtido vitórias no tema da formação de leitores, com um novo olhar para as bibliotecas.

A experiência colombiana mostra que, para desenvolver o gosto pela leitura, é preciso restituí-la como prática social significativa, recuperar seu papel como uma inigualável experiência simbólica, que amplia a visão de mundo, produz cultura e nos torna, enfim, mais capazes de compreender a condição humana.

(*) Patrícia Lacerda é gerente da área Educação, Arte e Cultura do Instituto C&A, e Volnei Canônica é coordenador do programa Prazer em Ler do Instituto C&A.

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