A responsabilidade do ISP e os gargalos da segurança pública

Foto: Projeto Minha Mãe não Dorme Enquanto Eu Não Chegar, do Instituto Odara

Os números sobre segurança pública no Brasil demonstram que este é um dos principais problemas enfrentados pelo país. O Atlas da Violência 2024 estima que o Brasil registrou 52.391 homicídios em 2022. Diante dos dados, especialistas acreditam que o investimento no atual modelo de segurança pública não tem sido eficiente. No entanto, esta é uma área que recebe pouca ou quase nenhuma atenção do investimento social privado. O especial redeGIFE de junho foi em busca de respostas para entender este cenário e ouviu organizações da sociedade civil, atores e atrizes do ISP sobre o assunto

Daniel da Cruz tinha apenas 24 anos quando foi assassinado, na cidade de Santo Antônio de Jesus (BA). O jovem, mesmo rendido, levou três tiros de um policial, em julho de 2022. Daniel era revendedor de cosméticos e deixou um filho de cinco anos. Esse é um dos casos fatídicos que integram os dados do Atlas da Violência 2024, divulgado na última terça-feira (18), pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP). O levantamento contabiliza 52.391 homicídios em 2022, no Brasil.

A Bahia foi o estado com a maior taxa de homicídios por 100 mil habitantes (45,1), seguida de Amazonas (42,5) e Amapá (40,5). A população negra representa 76,5% das vítimas de todos os homicídios no país, aponta o Atlas da Violência 2024.

Foto: Joa Souza

“Estamos diante de uma crise de gestão da segurança pública. Temos um modelo baseado no militarismo, avesso à proteção dos direitos humanos, baseado em uma lógica de destruição do inimigo e ocupação dos territórios”, aponta Dudu Ribeiro, co-fundador da Iniciativa Negra

Perspectiva partilhada por Gabriela Ashanti, coordenadora do projeto Minha Mãe Não Dorme Enquanto Eu Não Chegar do Instituto Odara. “Esse modelo de segurança pública belicoso, armamentista, ao invés de arrefecer o fenômeno das violências, intensifica, porque se não executa de forma séria o modelo de segurança pública com os outros campos da justiça social, escolhe tornar o Estado o ente que vai provocar mais violência ao invés de reduzir.”

Carolina Ricardo, diretora-executiva do Instituto Sou da Paz, acredita que desde a reabertura democrática no país, o debate sobre segurança pública tem ao menos duas vertentes: uma acredita que as violências têm relação com as desigualdades sociais e que as polícias devem ser controladas; outra defende que segurança pública se resume a “bandido bom é bandido morto e polícia na rua”. Para ela, é preciso encontrar o caminho intermediário entre programas de prevenção e enfrentar e investigar o crime.

“Quanto mais pudermos investir, melhor. Mas, sem coordenação e integração a nível federal e políticas nacionais que orientem os estados, esses recursos vão se esvair”, comenta Patrícia Nogueira, diretora de operações e transformação organizacional na Wings.

A prisão como resposta para a segurança levou o Brasil à terceira maior população carcerária do mundo. Modelo fortemente criticado por Edna Jatobá, coordenadora executiva do Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares (GAJOP). “Se investe muito numa política proibicionista que nunca deu resultado”, comenta, se referindo à guerra às drogas que atinge diretamente a população negra.

O contexto de insegurança social afeta todas as faixa-etárias e gêneros. O Atlas da Violência mostrou que 221.240 meninas e mulheres foram vítimas de violência. Apontamento também apresentado no relatório “Atitudes e percepções sobre a infância e violência contra crianças e adolescentes no Brasil, da Fundação José Luiz Egydio Setubal, Instituto Galo da Manhã e Vital Strategies Brasil. O estudo mostrou que a população confia mais nas escolas e equipamentos de saúde como meios resolutivos das violências, do que a Polícia Militar, delegacia e Disque 10.

“A escola geralmente é percebida como um ambiente seguro, onde o acesso a professores e diretores é mais direto, portanto, um relacionamento mais transparente e próximo no território”, explica Amanda Gregorio, analista de Projetos de Relações Estratégicas, da Fundação José Luiz Egydio Setúbal.

Proximidade essa que se fortalece através das organizações da sociedade civil que desempenham papel fundamental para a promoção da segurança pública nos territórios, principalmente os mais vulneráveis. Por outro lado, essas organizações não recebem o investimento devido. 

“Isso ocorre porque o tema da segurança pública toca em questões muito sensíveis para a opinião pública. E, muitas vezes, as soluções mais eficientes não são as mais populares. Mas não há como transformar a realidade se não houver disposição para encarar esses riscos”, opina Pedro Abramovay, vice-presidente de Programas da Open Society e conselheiro de governança do GIFE. 

ISP ainda não se vê como corresponsável pela agenda

Segundo o Censo GIFE 22-23, apenas 9% das organizações respondentes têm como foco prioritário a defesa de direitos, cultura de paz e democracia. 

Para Gabriela Brettas, uma das autoras da publicação O que o investimento social privado pode fazer por… segurança pública e justiça criminal?, e sócia-consultora na Move- Avaliação e Estratégia em Desenvolvimento Social, há uma invisibilidade dessa agenda no investimento social brasileiro. A falta de conhecimento sobre o tema é um fator apontado por ela que inibe a atuação do ISP.

Por essa razão, Carolina Ricardo afirma que o ISP não se vê como corresponsável por melhorar a segurança pública. Mas ressalta algumas linhas de atuação que podem funcionar para o setor:

fortalecimento institucional das organizações que trabalham com segurança pública;

parcerias com polícias para desenvolver metodologia e procedimentos de atuação;

pesquisa e análise de dados produzidos pelo sistema de justiça e segurança;

projetos pilotos de penas alternativas à prisão;

apoio a adolescentes egressos do sistema socioeducativo;

prevenção de violência doméstica.

Nesse sentido, o levantamento de dados é eficaz, como é possível perceber a partir das ações do Instituto Fogo Cruzado, maior banco de dados abertos sobre a violência armada da América Latina. “Um papel importante para o ISP é o fortalecimento das organizações da sociedade civil e o fomento à produção de dados. Porque sem informação não temos como avançar nesse campo, nem pressionar governos por melhores políticas, baseadas em evidências” frisa Cecília Olliveira, diretora-executiva do Instituto.

Já Gabriela Brettas destaca a possibilidade de investir em estratégias voltadas a ampliar a inteligência das instituições do sistema de segurança pública e justiça criminal. Além da publicização de dados que contribuam para aumentar a transparência de instituições voltadas a essas agendas. 

Raciocínio complementado por Renato Sérgio de Lima, diretor-presidente do FBSP, que vê o fomento a estratégias de accountability como contribuição importante do setor privado. Ele explica que a segurança pública no mundo funciona melhor quando as instituições prestam contas e se aperfeiçoam a partir do debate e da participação social.

“A repressão é fundamental, mas não se dá apenas na atividade da polícia, ela se dá na capacidade de investigação criminal, esclarecimento de homicídios, compartilhamento de informações entre instâncias. Mostra que a grande questão é de governança, onde o setor privado tem experiência.”

A autonomia do ISP para testar modelos e trazer soluções que possam ser implementadas pelo poder público, é uma área na qual Patrícia Nogueira acredita que o campo pode contribuir.

Edna Jatobá conhece a realidade desses modelos de perto, e critica a falta de espaço das organizações por trás delas para incidir e manifestar sua experiência. O Fórum Popular de Segurança Pública do Nordeste é um exemplo.

“São organizações comunitárias, muitas não têm CNPJ, e tem feito um esforço hercúleo de prevenção à violência, cuidado com crianças e adolescentes, constroem soluções exitosas para quem mora no território e apoiam familiares de vítimas da violência. Já existe uma tecnologia social pensada para a diminuição da violência, mas não são ouvidas.

Cenário que Pedro Lagatta, assessor de projetos do Fundo Brasil, considera um paradoxo. Já que pesquisas de opinião sempre mostram a segurança pública entre as primeiras preocupações dos brasileiros, ao mesmo tempo que esses cidadãos não encontram espaço para participar de qualquer debate a respeito.

“Nesses anos de redemocratização essas sugestões têm sido muito pouco escutadas, esses grupos têm sido pouco convocados para partilhar seus conhecimentos com tomadores de decisão. Deixa-se pouco espaço para uma discussão saudável sobre comunidades seguras, que não passe por mais polícia e prisão”, afirma o assessor, que ainda convoca os investidores das variadas áreas a se aproximarem do tema.

Foto: Paulo Pinto/Agência Brasil

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