Reparação histórica é a tônica atual do movimento de mulheres negras no Brasil

Por: GIFE| Notícias| 22/07/2024

Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Nos últimos anos, agendas coletivas de incidência política do movimento de mulheres negras têm tido como tema norteador a reparação histórica à população negra. Tanto em 2023, quanto este ano, centenas de atividades foram inscritas no Março de Lutas e no Julho das Pretas, estratégias de incidência política dos movimentos de mulheres negras, sob o tema: Mulheres Negras em Marcha por Reparação e Bem Viver.

O Julho das Pretas foi criado a partir da indignação gerada pelo esvaziamento de debates promovidos pelo Estado, instituições e setores diversos a respeito do Dia Internacional da Mulher Afro-Latina Americana e Caribenha e Dia Nacional da Mulher Negra, que acontece na próxima quinta-feira, 25 de julho.

“A existência da escravidão pressupôs um aparato jurídico, político, econômico, que deu base e sustentação legal para a transformação de pessoas em mercadoria e para o desfazimento dos modos de ser e culturas milenários. Então, ainda que a abolição formal tenha chegado em 1888, vivemos diante do legado do tráfico transatlântico”, explica Tássia Mendonça, cordenadora de portfólio de equidade racial do Instituto Ibirapitanga

Aproximações da ONU

A Conferência de Durban, realizada em 2001, foi a primeira conferência internacional da ONU a reconhecer formalmente a escravidão e o tráfico transatlântico de escravos como crimes contra a humanidade. Sublinhando a necessidade de reparar as injustiças históricas sofridas pelos afrodescendentes.

20 anos depois, em 2021, o Fórum Permanente de Afrodescendentes foi estabelecido pela Assembleia Geral da ONU. Sua terceira sessão foi realizada em Genebra, na Suíça, em abril deste ano. Uma das propostas encaminhadas para os governos foi a criação de um tribunal internacional especial para examinar demandas sobre escravização e colonialismo, assim como servir de padrão para a definição de valores de reparações. O chefe de direitos humanos da ONU, Volker Turk, chegou a declarar que “Em relação às reparações, devemos entrar finalmente em uma nova era”. Diplomatas latino-americanos avaliaram o posicionamento como “impensável” há uma década.

“A participação do campo precisa ser emancipatória”

No investimento social privado, Simone Oliveira, diretora institucional do Fundo Agbara, critica a lógica majoritária de apoio a projetos temporários, e a escassez de recursos que financiem a estrutura das organizações de forma mais livre, impossibilitando a construção de mudanças sistêmicas.

“São os investidores que seguem determinando o que as organizações vão realizar ao pautar os projetos que vão ser apoiados, e nos deixam em situação de fragilidade pela insegurança pela nossa própria sobrevivência, enquanto enriquecem seus portfólios de investimento. A participação do campo precisa ser emancipatória.” 

No Ibirapitanga, o debate tem sido feito a partir da memória. Para Tássia Mendonça, só é possível avançar se soubermos quais forças constituíram, há mais de 300 anos, as condições para que a nossa realidade fosse como é. “É a memória que nos permite compreender se rompemos com a estrutura da escravidão, ou se a desumanização da população afrodescendente foi meramente reformulada.”

Em 2023, o Instituto promoveu uma viagem de imersão aos Estados Unidos para estreitar interlocução com organizações negras e iniciativas do campo de memória e reparação no país. Não por acaso. O debate tem se aprofundado em todo o globo. Em 2014, a Comunidade do Caribe aprovou um plano para reivindicar da Europa reparações pela escravidão. Em 2019, foi formado o Comitê Suíço de Reparação da Escravatura. Em 2021, Evanston se tornou a primeira cidade dos EUA a pagar restituições em dinheiro a pessoas negras como reparação, e em 2022 a Universidade Harvard anunciou a criação de um Fundo para investir em políticas de reparação. Apenas para ficar em alguns exemplos. 

No Brasil, a mobilização tem se tornado cada vez mais central, especialmente a partir do movimento de mulheres negras.

“Mulheres negras geraram e geram riqueza, produziram economia, cultura, democracia, pessoas e nações. Mulheres negras afastaram o Brasil do abismo político. Políticas de reparação no Brasil e na diáspora devem garantir a existência de direitos e a proteção da cidadania e do bem-estar de mulheres e meninas negras”, ressalta Luciana Brito, historiadora e professora da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB).


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